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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A paz dos cemitérios

Peres foi um dos arquitetos da limpeza étnica que culminou na catástrofe palestina


Em artigo intitulado “O legado de Peres”, publicado neste jornal, o cônsul honorário de Israel no Rio de Janeiro, Osias Wurman, enaltece o “último e importante líder histórico da fundação do Estado judeu” como alguém que deixa como legado um “otimismo pacifista”. Nessa direção, utiliza representações que integram o rol de ideologias construídas para justificar o projeto sionista. Retoma a ideia de transformação de “um árido deserto num florido jardim”. Historiadores, inclusive israelenses como Ilan Pappe, em seu “A limpeza étnica na Palestina”, já demonstraram os mitos que cercam esse discurso, o qual cai por terra quando se observa a vasta documentação sobre os fatos.

Peres não foi um “homem da paz”; usava essa retórica a serviço do projeto sionista, de constituição de Israel como um Estado judeu — o que requeria a limpeza étnica da maioria do povo palestino nativo, “não judeu”. Nascido na Polônia em 1923 e tendo imigrado para a Palestina em 1930, ele pertencia à ala dos chamados “sionistas trabalhistas” — que, como afirma o historiador israelense Avi Shlaim, em “A muralha de ferro: Israel e o mundo árabe”, não se diferenciavam dos “revisionistas” em suas ações, mas procuravam se distinguir desses últimos no anúncio claro de suas pretensões coloniais. Uma escola que Peres ajudou a criar e à qual foi fiel por toda a vida. Era discípulo do fundador de Israel, David Ben-Gurion. Junto com sua liderança máxima, Peres foi um dos arquitetos da limpeza étnica que culminou na nakba (a catástrofe palestina) há pouco mais de 68 anos e compôs a principal milícia paramilitar, a Haganá, responsável por inúmeras atrocidades nas aldeias palestinas, devidamente demonstradas por historiadores como Ilan Pappe.

Peres também ordenou o massacre em Qana, no Líbano, em 1996, em que morreram 154 pessoas. Presidente de Israel entre 2007 e 2014, durante seu governo ocorreram três ofensivas a Gaza — em meio à última, há pouco mais de dois anos, renunciou. Tem ainda em seu histórico a arquitetura do programa nuclear israelense, a ordem de sequestro do químico Mordechai Vanunu após denunciar tal programa ao mundo e a colaboração com o apartheid na África do Sul — chegou a oferecer ajuda nuclear a esse regime em 1975.

Laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1994, juntamente com Yitzhak Rabin e Yasser Arafat por seu papel fundamental na consolidação dos Acordos de Oslo em 1993, Peres tem nesse um de seus grandes feitos. A realidade de Oslo demonstra que tipo de paz ele almejava. Uma pacificação com dependência econômica integral da Autoridade Palestina (AP), cooperação de segurança com Israel e normalização de relações em meio ao apartheid e à ocupação. Diferentemente do servilismo do presidente da AP, Mahmoud Abbas, que pediu autorização a Israel para ir ao funeral de Peres, a esmagadora maioria dos palestinos não tem por que chorar sua morte. Os palestinos resistem e sobrevivem em meio a cotidiano mar de lágrimas que essa “paz” tão propalada os impõe.

Soraya Misleh é jornalista e diretora do Instituto da Cultura Árabe



Fonte: O Globo

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