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segunda-feira, 28 de maio de 2018

População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O Brasil já nasceu grande em termos de extensão territorial, mas ainda era uma economia pequena no século XIX. Com o fim da escravidão (1888) e a Proclamação da República (1889) o país redirecionou o seu sistema produtivo para a busca do desenvolvimento nacional e, progressivamente, para o fortalecimento do mercado interno.


O lema “Ordem e Progresso” foi inscrito na bandeira nacional por influência dos positivistas. Este binômio foi inspirado no lema do sociólogo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do positivismo: “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”. O progresso era uma ideia em moda no século XIX e a Europa era uma referência para o mundo na medida em que conquistava territórios e vendia seus produtos modernos. Inspirados na ideologia europeia, os positivistas brasileiros tiveram papel de destaque na Proclamação da República (Só não se sabe porque eles não colocaram a palavra amor na faixa da bandeira nacional).

Naquela época, o Brasil era um país pouco povoado, rural, agrário e com pouca integração entre suas diversas regiões. Desta forma, não é de se estranhar que o progresso estivesse relacionado ao crescimento populacional, ao desenvolvimento econômico, à dominação da natureza e à grandeza da Pátria. Não havia preocupação com as questões ambientais e a defesa da biodiversidade.

O presidente do Brasil, Afonso Pena (1906-1909), dizia que “Governar é povoar”. Já Washington Luis (1926-1930), ampliando esta concepção, dizia que “Governar é abrir estradas”. A frase completa do último presidente da República Velha, dando ênfase à ocupação do território, é: “Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; Governar é, pois, fazer estradas”.

O Presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) chegou ao poder prometendo redirecionar o desenvolvimento brasileiro para o mercado interno e para o interior. Ele apoiou a família extensa, o crescimento populacional e a migração para o Oeste. Os trabalhadores assalariados da CLT foram premiados com um “salário-família” a título de estimular uma prole numerosa. No governo Vargas foram implantadas políticas sociais que, de forma intencional ou não, tinham objetivos pronatalistas.

Mas além da política positivista voltada para o crescimento populacional, na era Vargas houve uma legislação claramente anti-controlista, por exemplo: a) o Decreto Federal n. 20.291, de 11 de janeiro de 1932 estabelecia “É vedado ao médico dar-se à prática que tenha por fim impedir a concepção ou interromper a gestação”; b) a Constituição de 1937 em seu artigo 124 diz: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. As famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus encargos”; c) em 1941, durante o Estado Novo, foi sancionada a Lei das Contravenções Penais que em seu artigo 20 proibia: “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar o aborto ou evitar a gravidez”.

A maior obra do presidente pós Segunda Guerra, Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), foi a construção da Via Dutra (BR 116), inaugurada em 19 de janeiro de 1951 ligando as duas maiores cidades do Brasil. Após o segundo governo Vargas, foi eleito o Presidente Juscelino Kubitschek que tinha como lema central a bandeira: “50 anos em 5”. Ele prometia acelerar a modernização do país, construindo hidrelétricas, indústria de base, automóveis, bens de consumo em geral e, principalmente, a construção de Brasília e a conquista do Cerrado. Os governantes brasileiros sempre consideraram a natureza uma fonte inesgotável de riquezas que deveriam ser exploradas sem maiores considerações e seguiram a visão cornucopiana de Pero Vaz de Caminha: “Aqui, nesta terra, em se plantando, tudo dá.”

Os militares, que tomaram o poder em 1964, estavam na linha de frente da exploração desenfreada do meio ambiente e da política populacional expansionista do “Brasil potência”. Mesmo com as precárias condições de vida e a falta de investimentos no bem-estar qualitativo da população, os primeiros governos militares adotaram uma política pronatalista, como mostrou Canesqui: “A doutrina da Segurança Nacional, adotada pelo regime militar no período 1964-1970, assegurou a posição natalista, incluindo expectativas quanto ao crescimento demográfico e o preenchimento dos espaços vazios de regiões a serem colonizadas (Amazonas e Planalto Central). Esta preocupação ficou bastante clara no Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970) do governo Costa e Silva. Este mesmo governo reafirmou suas convicções natalistas face ao desenvolvimento e à segurança, em mensagem dirigida ao Papa Paulo VI, por ocasião da publicação da Encíclica Humanae Vitae (1968) de forma a não contrariar a posição oficial da Igreja Católica, diante da política controlista da natalidade”.

Seguindo a linha dos governos autoritários, o general linha dura e Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) chegou a estabelecer a seguinte orientação para o processo de ocupação territorial: “Levar os homens sem-terra à terra sem homens”. Na Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, o General Costa Cavalcante, Ministro do Interior e representando o governo, proferiu um discurso claramente antiecológico: “Para a maioria da população mundial, a melhoria de condições é muito mais uma questão de mitigar a pobreza, dispor de mais alimentos, melhorar vestimentas, habitação, assistência médica e emprego, do que ver reduzida a poluição atmosférica”.

Após o processo de redemocratização, os governos José Sarney (1985-1989), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) pouco fizeram para reverter a o quadro de degradação ambiental e redirecionar o processo de desenvolvimento do país. Da mesma forma, os governos Luís Ignácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014) reviveram a linha do neodesenvolvimentista, dando incentivo aos grandes projetos, como o pré-sal, a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas na Amazônia e a venda de commodities do agronegócio e dos agrotóxicos, assim como de produtos minerais altamente poluidores (ferro, bauxita, nióbio, ouro e outros metais). O uso do mercúrio e do cianeto na separação e limpeza da exploração mineral transforma o garimpo em uma das atividades mais poluidoras, tendo como consequência a contaminação de peixes e animais silvestres, afetando inclusive a saúde humana.

O Brasil passa por uma especialização regressiva e a economia está muito dependente de produtos básicos, vindos da “Roça” (agronegócio) e da “Mina” (pré-sal e mineração). A Câmara dos Deputados aprovou, dia 29 de novembro de 2017, o texto-base da Medida Provisória 795/17, que concede isenções tributárias para a indústria do petróleo que podem ultrapassar R$ 1 trilhão em 25 anos. Por conta disto, o Brasil recebeu uma honraria indesejada pelos países durante as negociações climáticas da COP23: o “Fóssil do Dia”. O “prêmio” é dado pela Climate Action Network para os países que ou estão atravancando as conversas na conferência ou não tomando internamente as ações necessárias para o combate às mudanças climáticas. Portanto, a ideologia positivista do desenvolvimentismo a qualquer custo continua viva e virou quase uma religião de Estado.

Evidentemente a ideia de progresso tal como aconteceu no país tem sido questionada por muitas pessoas e diversos movimentos populares. Por exemplo, em entrevista à Revista época (04/06/2012), Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, fez várias críticas sobre a forma como o progresso brasileiro possibilitou o aumento do genocídio dos índios e o ecocídio das espécies vivas do Cerrado e da floresta amazônica. Na verdade dos os ecossistemas brasileiros foram afetados terrivelmente pelo processo de desenvolvimento do Brasil.

O gráfico acima, mostra que até os 200 anos da Independência (1822-2022), a população brasileira terá crescido 46 vezes, o PIB terá crescido 834 vezes e a Renda per capita terá aumentado em 18 vezes. A despeito das desigualdades sociais, o progresso humano foi espetacular. Mas todo o progresso humano ocorreu às custas do retrocesso ambiental. Todos os biomas brasileiros foram afetados e continuam sendo degradados. Os rios urbanos viraram esgotos e foram enterrados vivos. Os dois maiores rios da região Sudeste (rio Doce e Paraíba do Sul) estão em estado de miséria.

O rio São Francisco está cada vez mais sem água e o assoreamento e a degradação é quase uma sentença de morte. Os rios Pajeú e Riacho do Navio só existem na imortal música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas.

Embora o Brasil seja o país com o maior superávit ambiental do mundo, caminha, se forem mantidas as tendências das últimas décadas, para uma situação de déficit. A Footprint Network apresenta duas medidas úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.

A pegada ecológica per capita do Brasil, em 1961, era de 2,4 hectares globais (gha) e a biocapacidade per capita era de 22,7 gha. Portanto, a biocapacidade per capita era 10 vezes maior do que a pegada ecológica. Mas em 2013, a pegada ecológica subiu para 3 gha, enquanto a biocapacidade caiu para 8,9 gha. A relação entre as duas medidas caiu para menos de 3 vezes. O Brasil ainda possui um grande superávit ambiental, mas pode jogar fora todo este patrimônio natural nos próximos 50 anos se nada for feito para reverter o padrão insustentável de desenvolvimento.



A análise apresentada nesse artigo é uma pequena parte do capítulo “Population, development and environmental degradation in Brazil” de ALVES e MARTINE (2017), que compõe o livro “Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, editado por ISSBERNER LR; LENA P. (2017). Uma síntese do capítulo pode ser acessada no link abaixo, com base na apresentação feita no dia 27/09/2017, no Rio de Janeiro. Se o rumo da insustentabilidade não for redirecionado, o Brasil não terá nada a comemorar, em 2022, nos 200 anos da Independência.

Referências:

ALVES, JED; MARTINE, G. Population, development and environmental degradation in Brazil. In: Brazil in the Anthropocene: Conflicts Between Predatory Development and Environmental Policies”, Londres, NYC, Routledge, 2017

ALVES, JED. População, desenvolvimento e degradação ambiental no Brasil, Apresentação do capítulo do livro Brasil no Antropoceno, no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, 27/09/2017
https://pt.scribd.com/document/360151759/Populacao-desenvolvimento-e-degradacao-ambiental-no-Brasil



José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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