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quarta-feira, 4 de junho de 2014

Débora Calheiros: ‘Querem mesmo acabar com o Pantanal!’

O Pantanal Mato-Grossense, bioma considerado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal e Reserva da Biosfera pela Unesco, está ameaçado pelo barramento da maioria dos seus rios formadores, formadores da grande planície pantaneira.


No total são 147 empreendimentos, sendo 44 em operação, os quais já representam 70% do potencial de geração hidrelétrica da bacia do Alto Paraguai. Uma taxa de 70% é uma proporção muito alta. Só sobrará 30%…

Barrando 100% dos seus principais rios será a morte do Pantanal. Se, ainda por cima, requentarem mesmo o Projeto da Hidrovia Paraguai-Paraná (barrado pelo governo brasileiro em 1996, numa atitude firme, mas fortemente influenciada pelos movimentos socioambientais em nível internacional), que está incluído no PAC2, será a pá de cal…

Pesquisadores e sociedade civil do Brasil, Bolívia e Paraguai, países que compartilham a planície, além da Argentina, estão preocupados com o que tantos barramentos podem fazer com o pulso de cheias e secas naturais de cada rio, sendo que estão previstas várias barragens num mesmo rio e, por conseguinte,com o pulso das águas em todo o sistema Pantanal.

As cheias e secas num sistema barrado para a geração de energia se alternam em questão de horas e não de meses ou anos como no regime hidrológico anual natural.

A hidrovia, por sua vez, vai drenar todo este sistema já bastante alterado de uma forma mais rápida, alterando profundamente a área e o tempo de inundação, em especial na fase mais sensíveis para a manutenção da vida, a seca. A área, o tempo de inundação e o regime sazonal são processos chave para a conservação da ecologia de uma planície de inundação, principalmente num cenário crítico de mudanças climáticas e perda de biodiversidade.

Onde há barragens, os peixes migratórios, mais atrativos para a culinária, cultura e economia local, desaparecem, pois não podem migrar rio acima para se reproduzir.

Assim, com as barragens, a pesca, uma das atividades econômicas mais importantes da região, com maior geração de emprego e renda e que garante a segurança alimentar de centenas de comunidades ribeirinhas, pode acabar…

A perda da produção pesqueira é inexorável em ambientes barrados, ainda mais quando se prevê 147 barramentos. Os ribeirinhos e pescadores profissionais dos rios com hidrelétricas (Manso/Cuiabá, Jauru, Juba, Correntes, Itiquira, São Lourenço) perderam seu ganha pão, sua fonte de alimento de qualidade, ou no jargão técnico,  perderam seus territórios, seus modos de vida, sua qualidade de vida, seus direitos, sem qualquer assistência do poder público ou das empresas, algumas delas multinacionais.

Onde há qualidade ambiental a miséria é aliviada e onde não há ela se agrava. A apropriação dos recursos naturais por apenas alguns, joga outros na insegurança social. Sou ideológica? Quem se posiciona dessa forma é a ONU.

As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que representam a grande maioria dos empreendimentos na região, em especial no Mato Grosso, são um dos investimentos mais atrativos. Eles são privilegiados com toda uma legislação diferenciada que facilita enormemente seus licenciamentos e garante o pagamento da energia gerada com lucro certo, sem riscos, por longos 25 anos (!!!), dos 30 anos de concessão oferecidos pela Aneel.

Lembrando que o potencial elétrico da bacia (100%) representa apenas 2% de energia para o país… e que se o sistema primasse pela eficiência tanto na transmissão  quanto na geração poder-se-ia liberar milhares de Megawatts (MW) de energia. Se não se dependesse tanto de chuveiros elétricos mais uns outros milhares e se se investisse mais em energia solar e eólica mais uns tantos a mais. Ou seja, pouparíamos o Pantanal e até o Xingu e o Madeira… Mas de quem mesmo é o interesse?

Precisamos de energia? Sim!

Mas precisamos do Pantanal também e os pantaneiros precisam de respeito. A renda gerada pela pesca profissional, pelo turismo de pesca e pela pecuária tradicional (que depende das inundações para fertilizar o solo, limpar o pasto e manter o campo de pastagens naturais nutritivo e em grandes extensões) é muito maior e bem melhor distribuída que a renda concentradora do lucrativo mercado privado de geração hidrelétrica das PCHs.

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma Ação Civil Pública em 2012 solicitando a suspensão dos licenciamentos até que uma Avaliação Ambiental Estratégica de toda a bacia fosse realizada.

A suspensão caiu em maio de 2014, quando o Tribunal Regional da Justiça Federal em São Paulo, pela decisão da desembargadora Marli Ferreira,  concedeu liminar para o setor elétrico liberando os licenciamentos,  sob a alegação de que o país já possui leis ambientais suficientes e que estas são devidamente seguidas pelos empreendedores e órgãos gestores.

O Ministério do Meio Ambiente - MMA, por meio do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, aprovou a realização de um Plano de Bacia em dezembro de 2013, a ser realizado pela Agência Nacional de Águas, para planejar e nortear o desenvolvimento na região. Contudo, deve demorar de 2 a 3 anos para sua finalização, dando brecha para que os outros 103 projetos previstos possam ser inaugurados.

Enquanto isso as SEMAs de MT e MS (mesmo após recomendação do MMA para que se atenda aos princípios da Convenção Ramsar de Conservação de Áreas Úmidas de Interesse Internacional, cujo país tem o compromisso moral de atender, uma vez signatário da Convenção) continuam a licenciar e a Aneel a fornecer concessões para geração de energia, sem que nenhum planejamento seja feito em nível de bacia –os licenciamentos são feitos em separado, sem se ter noção dos impactos conjuntos e sinérgicos que mais de uma centena de barramentos provocarão em todo o sistema em nível de bacia.

Sem também que nenhuma decisão concreta tenha sido tomada, em respeito aos Princípios da Precaução e da Prevenção, para barrar a avidez do setor elétrico de lucrar às custas da conservação da maior área úmida do planeta, onde espécies ameaçadas de extinção em outras regiões do país possuem populações sadias e onde a socioeconomia local depende expressivamente da saúde ambiental do seu ecossistema.

Ciência, bom senso, respeito a direitos, busca de maior sustentabilidade, respeito à legislação (Constituição Federal, Lei de Recursos Hídricos) às Convenções Internacionais (Diversidade Biológica, Ramsar), direitos humanos, conservação da biodiversidade, segurança alimentar e social… Tudo isso está sendo desprezado em favor, única e exclusivamente, da avidez gananciosa de grupos econômicos com omissão, conivência e suporte político em detrimento da sociedade pantaneira e brasileira.

Querem mesmo acabar com o Pantanal!

Que país é este?

Débora Calheiros é bióloga, mestre em Engenharia Civil e doutora em Ciências pelo CENA-USP.  É professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)


Fonte: EcoDebate

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