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sábado, 16 de março de 2013
A luta boliviana pela proteção de seus recursos naturais
(texto produzido em 2005)
Ana Candida
Echevenguá *
A convulsão sócio-política
boliviana1
Bolívia,
a nação mais pobre e uma das mais problematizadas da América do Sul, está vivenciando
uma pré-revolução que pode descambar para uma guerra civil. O fato gerador da atual
crise política e institucional deste país foi a
aprovação da Lei dos Hidrocarbonetos.
As
empresas petrolíferas multinacionais questionaram a nova legislação, ameaçando
deixar o país, em caso de sua aprovação, e provocar milhares de demissões. O
Presidente silenciou e o Congresso promulgou a nova lei
O povo
também mostrou insatisfação porque a lei não supriu as suas exigências, embora
tenha aumentado o controle estatal. Manifestantes
oposicionistas (movimentos camponeses, indígenas e sindicais do país que buscam
a estatização dos hidrocarbonetos - gás e petróleo) foram às ruas defender seus
bens e seus direitos.
Tudo
isso provocou a renúncia do presidente e do vice-presidente. A inviabilidade de
sua substituição pelos chefes de senadores e de deputados levou ao comando do
país o presidente da Corte Suprema, Carlos Rodríguez Velzé, uma medida que
poderá antecipar as eleições presidenciais. Em seu discurso inicial, Rodríguez
mencionou que os hidrocarbonetos são da Bolívia.
Mas
os oposicionistas não estão satisfeitos: pretendem aprovar nova lei que majore
o imposto sobre os resultados das multinacionais para 82% e nacionalizar a reserva de cerca de 50
trilhões de pés cúbicos de gás do país. Evo Morales, deputado e líder dos
camponeses, um dos protagonistas deste movimento, abriu três frentes de
protesto contra a lei:
-
manifestação
pública dos produtores de coca nas ruas de La Paz;
-
emendas
à referida lei que apresentará na qualidade de congressista;
-
enviou
uma comissão a Bruxelas, para denunciar à União Européia, o "saque"
das multinacionais ao país.
Os recursos naturais da
Bolívia e a miséria de seu povo
A
Bolívia possui a segunda maior reserva de gás natural da América Latina (1,5
trilhão de metros cúbicos). A população indígena do país esperava que esta
riqueza melhorasse sua capacidade financeira. Mas, desde 1990, quando ocorreram
as primeiras descobertas do gás, o quadro social piora ano a ano. De acordo com
o último censo de 2001, 63% da população é pobre.
A
precária condição de vida da classe mais pobre e a proteção dos direitos dos
indígenas vem gerando protestos desde o final dos anos 90.
A
repressão ao plantio de coca extinguiu mais de 200 mil postos de trabalho. E a
exploração petrolífera não absorveu esta mão-de-obra ociosa.
A sociedade civil da
Bolívia
Na maioria
dos países sul-americanos é constante o desrespeito aos direitos individuais e
difusos.
A
Bolívia é um exemplo histórico de protestos organizados na busca de mudanças
políticas e contrários a humilhante condição sócio-econômica. O povo boliviano
já é conhecido por suas lutas populares2 com resultados positivos.
Para quem não sabe, este foi o primeiro país sul-americano com uma revolução de
esquerda que buscava a nacionalização das minas e o direito ao voto universal,
em 1952.
Em 2000,
na região de Cochabamba, a população realizou a “guerra da água” para retirar
este bem das mãos da empresa Bechtel. Desde então, os movimentos sociais
bolivianos passaram a influir na formulação e execução das políticas públicas
para a gestão dos recursos hídricos no mundo.
Em
janeiro de 2005, movimentos pró-nacionalistas em El Alto, região metropolitana
de La Paz, promoveram protestos, greves e bloqueios em estradas para ultimar a atividade
da empresa Suez - Águas de Illimani, responsável pela privatização d’água na
Bolívia. Por quê? Por que a empresa não realizou investimentos para ampliar o
serviço de água potável a 200.000 pessoas pobres da cidade; aumentou as tarifas
de conexão de água potável e esgoto para 445 dólares, valor inacessível para
70.000 pessoas excluídas do abastecimento; e pretendia que o Estado boliviano e
a cooperação internacional fornecessem doações e créditos para que ela
cumprisse as metas de expansão necessárias à concessão. Obtiveram a suspensão,
por iniciativa do governo, dos serviços dessa transnacional.
Os
protestos também buscavam a reversão do decreto governamental que majorou os
preços dos combustíveis e a nacionalização dos recursos naturais, especialmente
dos hidrocarbonetos.
Agora,
exigem a nacionalização do seu gás e do seu petróleo. Querem um ‘basta’ à exploração
econômica predatória, à opressão política e à alienação cultural. Este confronto
representa o fortalecimento e a boa organização da sociedade civil.
A crise boliviana e o FMI
Por
trás de discursos inflamados em prol da ALCA e do Mercosul esconde-se a fúria
do capitalismo que acelera a disputa pelo controle de fontes hídricas e
energéticas.
O
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional são também responsáveis pela
crise boliviana devido à imposição de políticas de privatização ao terceiro
mundo. Politicamente enfraquecidos e
dependentes de financiamento externo, países como a Bolívia não podem
recusar as condições impostas por estes órgãos e aderem a contratos ilegais e
abusivos de adesão com as multinacionais. Assim, os governos garantem a estas
companhias rentabilidade e minimização do risco. Países pobres que buscam
empréstimos sabem que, para obtê-los, devem facilitar a privatização de seus
recursos naturais.
Rodrigo
Rato, diretor-gerente do FMI, disse que a Bolívia é um país "com grandes recursos naturais e com um
grande potencial econômico", mas com sérios problemas de pobreza e para
a sustentabilidade da sua dívida3. Precisa, portanto, de equilíbrio
na exploração de seus recursos naturais. Rato, na última visita que fez à
Bolívia, elogiou a equipe de ex-presidente Carlos Mesa e reiterou os pedidos de
políticas garantidoras de segurança jurídica aos investimentos privados no
setor petrolífero.
Reflexos da crise no Brasil
A crise
boliviana afeta o Brasil: deles importamos mais da metade do gás aqui
consumido, ou seja, 24 milhões de metros cúbicos diários. Todo o gás natural
consumido em Santa Catarina (125 empresas e 30 mil veículos) é boliviano.
A
Petrobras, maior empresa instalada na Bolívia e que representa quase 20% do PIB
do país, possui cerca de 10% das reservas de gás bolivianas, as duas únicas
refinarias do país (uma em Cochabamba e outra em Santa Cruz de la Sierra) e uma
rede com 80 postos de gasolina.
Ainda
que ocorra a nacionalização das empresas de petróleo e de gás na Bolívia, a
Petrobras está protegida por um contrato celebrado entre os governos brasileiro
e boliviano que garante a importação do gás. E este contrato deve ser cumprido,
independentemente dos interesses nacionais e da beligerante situação
político-institucional boliviana.
Conclusão
Resta
saber quanto o mundo depende do gás boliviano. Estatizado, haverá comprador
para este recurso natural? “O presidente
da Petrobrás chega a citar uma frase do economista Roberto Campos, para quem
"recursos minerais debaixo da terra não passam de cadáveres
geológicos".”4
A
manifesta indignação popular da Bolívia, sem necessidade de derramamento de
sangue, é um bom exemplo a ser seguido pelo Brasil que permite passivamente que
seus recursos naturais – bem de uso comum do povo e indispensável à sua sadia
qualidade de vida – sejam entregues à exploração predatória.
“Para alguns consultores, os protestos
populares na Bolíva estão calcados em bravatas. “Eles estão iludidos achando
que vão conseguir rever contratos existentes, mas só estão destruindo a
reputação de ser um fornecedor de gás confiável, construída ao longo de 15
anos”, analisa François Moreau, da consultoria Estratégia & Valor.”
4
Será?
Prefiro pensar que grupos organizados, detentores de informação e de
conhecimento e com consciência de cidadania, estão aptos a exigir respeito aos
seus direitos e garantir a democracia. E que a união desses grupos pode colocar
em prática a sugestão constante no artigo do jurista Fabio Konder Comparato5:
um consórcio de organizações não-governamentais dedicadas ao controle e à
mobilização social para buscar a punição administrativa, civil e penal do
agente público que cometeu crimes na condução da coisa pública ou para criação
de propostas para a realização efetiva
da cidadania.
* Ana Candida Echevenguá,
advogada e articulista, especializada em Direito Ambiental e em Direito do
Consumidor. Presidente da Academia Livre das Águas e do Instituto Eco&Ação,
nos quais desenvolve um trabalho diretamente ligado às questões socioambientais,
difundindo e defendendo os direitos do cidadão à sadia qualidade de vida e ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado. email: ana@ecoeacao.com.br.
Referências:
1 - Entenda as questões controversas que
assolam a nação mais pobre da América do Sul:
Lei de energia - O Congresso
Boliviano aprovou, em 17 de maio de 2005, a Lei de Hidrocarbonetos que majora o
imposto sobre a exploração das riquezas de 16% para 32% às empresas estrangeiras
exploradoras do gás e de petróleo (até então eram exigidos 18% sobre os
direitos de exploração, a título de royalties - retribuição financeira paga
mensalmente pelo franqueado ao franqueador pelo uso contínuo da marca), que
dará maior controle ao Estado boliviano sobre seus combustíveis, e que mantém
os royalties em 18%. Além disso, garante
a propriedade estatal dos hidrocarbonetos na boca do poço e reinstala a estatal
de petróleos para participar, junto às
empresas privadas, da cadeia produtiva e comercial de hidrocarbonetos,
condiciona novas explorações à permissão dos povos indígenas, além de exigir
mudança dos contratos das multinacionais, obrigando as petrolíferas a adotarem
o regime de risco compartilhado e o de produção e de ganhos compartilhados.
Investimento estrangeiro - Doze
empresas estrangeiras, incluindo a PETROBRAS, a espanhola Repsol YPF e a
britânica BG, investiram US$ 3,5 bilhões no gás boliviano desde 1997. Ameaçam
reduzir os investimentos após a vigência da nova lei e querem exigir
judicialmente o cumprimento de seus contratos.
População indígena boliviana - Os índios Aymara, Quechua e Guarani representam 65% dos 9 milhões de habitantes. Sua influência política cresceu nos últimos anos, principalmente depois da derrubada do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003, com protestos sangrentos contra planos de exportar gás através do Chile.
2 - Grupos envolvidos na atual crise:
Favelados de El Alto (onde reside cerca de 750 mil pessoas e que recebe costumeiramente indígenas imigrantes rurais Aymara). O grupo, liderado por Abel Mamani, defende a nacionalização dos setores de gás, o fim da economia de livre mercado e mais direitos políticos para os indígenas. Sua atuação foi fundamental na derrubada do governo de Gonzalo Sanchez de Losada, em outubro de 2003, e na luta contra a concessão de água à francesa Suez.
Plantadores de coca de Chapare (região central da Bolívia) – liderados pelo índio Aymara Evo Morales. Seu partido - MAS - Movimento ao Socialismo representa a segunda força no Congresso e esteve em primeiro lugar nas últimas eleições municipais e liderou as manifestações de rua que levaram o presidente Carlos Mesa à renúncia, pela segunda vez. O grupo defende a convocação de novas eleições, de uma assembléia para redigir nova Constituição que dará aos indígenas maior representação política e é contrário ao uso de armas no conflito de rua. Evo considera "não negociável" a nacionalização do setor de energia, é contra a intervenção americana na Bolívia – em especial, na erradicação da coca.
CSUTCB – Federação dos pequenos agricultores –
o indígena Aymara Felipe Quispe é seu líder desde 1998; defende a formação de
um Estado aymara independente e ataca a "elite branca" boliviana.
Os mineiros - formaram
o sindicato mais militante da América Latina, a espinha dorsal da
confederação dos trabalhadores da Bolívia. Eles lutam contra a possibilidade de
privatização das aposentadorias e usam dinamite em suas manifestações.
Manifestantes de Cochabamba (quarta maior cidade boliviana depois de La Paz, Santa Cruz e El Alto). Ficaram conhecidos internacionalmente em 2000, quando forçaram o governo a anular a concessão do suprimento de água para uma subsidiária da multinacional americana Bechtel. Nesta oportunidade, os usuários urbanos, os agricultores e os plantadores de coca uniram-se aos protestos e fizeram uma das primeiras tentativas bem sucedidas de oposição às privatizações. Atualmente, lideram o movimento pela nacionalização do gás boliviano. E exigem a eleição de uma nova Assembléia Constituinte.
Indígenas e agricultores de Santa Cruz (leste do país) - são uma mistura de imigrantes internos da Bolívia e de indígenas Guaraní, Ayoreo, Chiquitano e Guarayos. Priorizam as disputas por terras. Sua mais importante atuação foi a ocupação de três plataformas de petróleo da British Petroleum no país. Nos atuais protestos, os índios Guarani ocuparam campos de petróleo controlados pela Repsol e BP, forçando-as a reduzir sua produção.
A elite de Santa Cruz (região boliviana mais rica em recursos naturais) - exigem a administração político-econômica autônoma e irrestrita de seus recursos naturais que geram cerca de 30% do Produto Interno da Bolívia, correspondente a 8 bilhões de dólares anuais, sem prévia consulta ao governo central de La Paz. Como representam o setor econômico mais crescente e dinâmico na Bolívia, a rica província de Santa Cruz, junto com as províncias de Tarija, Beni e Pando, pretendem ficar com uma fatia maior da receita gerada pela exploração do gás. São apoiados pelos grandes criadores de gado e agricultores. Os líderes locais pretendem levar adiante o referendo por autonomia em agosto de 2005, com ou sem a aprovação do governo central. As províncias andinas se opõem a esta iniciativa e pedem uma Assembléia Constituinte, que seja eleita até dezembro, para estudar e decidir o caso em 2006.
5 - Fábio Konder Comparato, jurista, doutor
pela Universidade de Paris, professor titular da Faculdade de Direito da USP e
doutor honoris causa da Universidade de Coimbra – artigo intitulado “Organizar
o contra-poder popular” - Folha de São Paulo - 22/02/2004.
A falta d'água mata!!
Você sabe qual o tratamento dispensado
a este recurso vital? Isso mesmo: vital porque três dias sem ingerir água é o
suficiente para nos matar!
Se não souber, não se preocupe: a
maior parte das pessoas – incluindo órgãos licenciadores e fiscalizadores do
meio ambiente – apresenta um total desconhecimento sobre os problemas que
vinculados aos nossos recursos hídricos.
Parece que há o mundo das leis e o
mundo real onde estas leis não se aplicam. Geralmente, se o dono da
empresa, por exemplo, alega para os órgãos licenciadores e fiscalizadores que a paralisação de sua atividade vai implicar desemprego, esses sentem-se
obrigados a conceder as licenças necessárias porque - é consenso quase mundial! -, a maior degradação do meio ambiente é a miséria.
Esta afirmativa comprova a total
arbitrariedade que reina em Santa Catarina, com a conivência de todos nós!
E a destruição dos nossos recursos
hídricos, que pode ser observada em qualquer cidade catarinense, deixa muito
claro que os órgãos licenciadores não fiscalizam após a expedição das licenças.
Temos boas leis para as águas? Sim.
Mas nossos governantes precisam adotar políticas públicas sustentáveis,
investir na recuperação e preservação ambiental das áreas de mananciais,
implantar a universalização do saneamento básico, visando à redução dos custos
com a saúde.
Enfim, cabe a cada um de nós exigir
que o Estado saia do plano da teoria e do discurso e passe à implementação
prática de projetos que garantam o direito fundamental à vida e ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
Na nossa cidade, podemos agir da
seguinte forma:
- criar uma comissão permanente para
desenvolver estratégias e ações pontuais junto às instituições públicas e
privadas visando garantir, de forma sustentável, a oferta de água e o seu uso
racional na cidade e na região;
- fazer um planejamento estratégico de
ações prioritárias que garantam água para a presente e futuras gerações;
- tentar mobilizar a sociedade na
defesa d'água como prioridade das prioridades porque, sem água, não há vida.
- exigir do Estado a aplicação da
legislação vigente. E, se possível, influenciar na estruturação dos órgãos
ambientais (que são dirigidos pelos “amigos do rei”, indicados através de
conchavos político-partidários) para assegurar a eficácia de sua ação na defesa
do meio ambiente;
- exigir que a educação ambiental
integre o currículo escolar;
- tentar influenciar na ampliação dos
investimentos em todos os elos do ciclo da água.
Este exemplo deve ser replicado em
todo o Brasil. As pessoas precisam ser alertadas, com informações seguras,
sobre a crise silenciosa da água e atacar, de forma inteligente, este mal que
mata 4.000 crianças todos os dias. Afinal, a implementação destas medidas só
será viável se governantes e cidadãos estiverem cientes da extensão do problema
da oferta d’água e adotarem, de imediato, uma atitude responsável sobre esse.
Esta luta tem grandes chances
de êxito. Precisa de parcerias e de integração. A falta d'água mata! Por isso,
não podemos permitir sua extinção ou deterioração. "A utilização da água implica respeito à lei. Sua proteção
constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza.
Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado", conforme
o artigo 8º. da Declaração Universal dos Direitos da Água.
*Ana Echevenguá é advogada e articulista, especializada em Direito Ambiental e em Direito do Consumidor. Presidente da Academia Livre das Águas e do Instituto Eco&Ação, nos quais desenvolve um trabalho diretamente ligado às questões socioambientais, difundindo e defendendo os direitos do cidadão à sadia qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
*Ana Echevenguá é advogada e articulista, especializada em Direito Ambiental e em Direito do Consumidor. Presidente da Academia Livre das Águas e do Instituto Eco&Ação, nos quais desenvolve um trabalho diretamente ligado às questões socioambientais, difundindo e defendendo os direitos do cidadão à sadia qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Vem aí a Guerra pela Água!!
A Cúpula
Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), realizada na África do Sul,
tentou delinear um novo manejo dos bens globais. Mas o único consenso possível
envolveu a questão da água: 190 países prometeram reduzir à metade, até 2015, a
população sem água potável e sem saneamento; e a restaurarem os recursos
pesqueiros.
Em
decorrência deste acordo, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
da ONU declarou, em Genebra, ainda em 2002, que:
- a água é um
bem público, social e cultural;
- o acesso
à água é um direito humano indispensável. E exigiu que os países adotem planos
de ação nacionais para garantia desse direito.
Em 2002,
então, ficou claro que a água é um elemento fundamental para a vida e a saúde e
não um produto de caráter econômico.
Estamos em
2008 e eu não vejo esta declaração colocada em prática.
Por quê?
Porque o Estado-Maior Mundial da Água enxergou, na água, uma oportunidade ímpar
de geração de lucro fácil. A revista Fortune passou a chamá-la de "óleo do
século XXI". Assim como o controle do petróleo, o controle da água implica
amplo poder econômico e político.
Isso é
coisa antiga! No final dos anos 70, foi declarada a Corrida da Água, num
contexto beligerante pela hegemonia do mercado.
E o Brasil
está na mira destes oportunistas porque possui a maior reserva hídrica do
mundo: as bacias da Amazônia e do Rio da Prata, o Pantanal de Mato Grosso, o
Aqüífero Guarani, considerado a maior reserva subterrânea de água do Planeta,
com águas subterrâneas suficientes para abastecer 170 milhões de pessoas
durante 2400 anos.
Para a
defesa dos nossos recursos hídricos temos a Lei 9.433/1997, que instituiu a
Política Nacional de Recursos Hídricos. Ela afirma que a água é bem de domínio
público, que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e que deve
contar com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
Mesmo
assim, nossos Eleitos não lutam para que a nossa água continue nossa. Com a mentirosa
bandeira do combate ao desperdício, à escassez e à majoração do preço, eles se
rendem à privatização e à mercantilização das nossas águas. E incentivam a
formação do oligopólio mundial entre os setores de venda de água engarrafada,
de serviços de tratamento de água e de venda de bebidas gaseificadas.
Você precisa
se conscientizar deste perigo e agir na defesa das nossas águas. Sem quaisquer exageros e alarmismos, estamos à
beira da Guerra pela Água.
Água - a crise humanitária silenciosa
Ana Candida Echevenguá*
O consumo da água multiplicou-se por
seis no século XX, ou seja, foi duplamente superior à taxa do crescimento
demográfico do planeta. Baseado em tais dados, calcula-se que em 2025 cerca de
3,5 bilhões de pessoas estarão sofrendo com a escassez de água. A continuidade
do efeito estufa e o fracasso das práticas preservacionistas em escala mundial
reforçam o problema.
Embora alguns tenham
optado pela sua mercantilização, como na União Européia, onde a poluição levou
a população a consumir água como mercadoria, outros procuram saídas políticas e
científicas.
Algumas regiões do
planeta já convivem com o desaparecimento da água: na China, Índia, México e
África os lençóis freáticos registram queda de 1 metro por ano. Outras regiões1,
com água em pequena quantidade, enfrentam o problema de acesso, partilha e
garantia de fluxo constante. Brasil, Indonésia ou Nigéria possuem grandes
aqüíferos mas a falta de obras básicas de infra-estrutura afeta a distribuição e a qualidade.
Na Terra, existem, hoje, cerca de 200 sistemas fluviais
situados na fronteira de 2 ou mais países; 13 grandes rios banham 4 ou mais
países, compartilhados por 100 diferentes nações. Estes fatores recrudescem as
possibilidades de conflito na gestão de tais recursos. Francisco Teixeira2
afirma que “países considerados "reservas hídricas" não estão a salvo
de expedições visando à internacionalização de seus recursos, que seriam
declarados "bens coletivos da humanidade".
A água é, hoje,
questão de segurança e de defesa do Estado, devendo ser parte integrante do seu
planejamento estratégico. Sem alimento, o ser humano resiste até 40 dias; sem
beber água, o número de dias é reduzido para 3. Na Sétima Conferência das
Partes da Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas,
realizada em 2001, no Marrocos, foi apresentado um relatório que alertava para
a falta de água, que deverá atingir 45% da população mundial em menos de 50
anos. A ONU está ciente de que, antes da metade do século XXI, vários países
não atingirão os 40 litros de água por dia necessários ao atendimento das
carências humanas. E que os países em desenvolvimento serão os mais atingidos,
devido ao crescimento populacional.
A OMS - Organização Mundial de Saúde -
publicou, no final de fevereiro de 2005, parte da revisão do relatório ‘Metas
de Desenvolvimento do Milênio’, uma lista de objetivos divulgada em 1990 para
melhoria das condições de vida nas nações em desenvolvimento por volta de 2015.
Apurou que 4.000 crianças morrem todos os dias pela falta de saneamento e pela
ingestão de água não potável. E denominou a situação de "crise humanitária
silenciosa".
Quatro de cada dez pessoas no mundo não têm acesso a uma
simples fossa de dejetos, e um quinto delas não recebem água potável. Os
produtores do relatório afirmam que, para reduzir a mortalidade infantil, não
basta atingir as metas de erradicação da pobreza extrema e melhorar a oferta de
educação escolar primária. É preciso resolver o problema da água.
Em alguns países, já se observam problemas de
produção agrícola por falta d'água: na China, na Índia, no Paquistão, no Iêmen
e no México, a produção agrícola carece de água subterrânea. E a quantidade de
água retirada do lençol freático é maior do que a capacidade natural de
recomposição dos aqüíferos. Calcula-se que, por ano, o volume de água que não
reposto é de aproximadamente 160 bilhões de toneladas3.
A crise da escassez de água está diretamente
ligada:
a. ao crescimento populacional. A ONU informou
que, nos últimos 50 anos, a população mundial aumentou em mais de três bilhões
de pessoas; e estima-se que, nos próximos 50 anos, aumentará em torno de 2
bilhões e 700 milhões de pessoas.
Não há
formas de aumentar a produção de água na mesma proporção do crescimento
populacional. O relatório mundial “Living Planet 2004”, da autoria da ong WWF,
mostra que o consumo de água dobrou entre 1961 e 2001 enquanto as fontes, como
o caso do Nilo, no Egito, e do Colorado, nos EUA, estão secando ou se
deteriorando.
b. ao desperdício: a agricultura, por exemplo, consome 70% dos
recursos hídricos do mundo, em média. Segundo o ambientalista José Henrique
Cortez, as plantações deveriam ser irrigadas com técnicas de gotejamento, de
microgotejamento e de microaspersão.
c. à poluição (segundo dados da ONU, para cada mil litros de água
consumido pelo homem, dez mil são poluídos) e
d. ao desmatamento, à destruição das florestas e à ocupação
desordenada do solo.
Carecemos de uma concepção integrada e
estratégica do gerenciamento dos recursos hídricos. A adoção de atitudes
simples pode diminuir o impacto da ação do homem sobre os recursos hídricos:
economia doméstica como fechar a torneira ao escovar os dentes e lavar a louça,
usar um balde, ao invés de mangueira para lavar o carro, aproveitar a água da
lavadora de roupas para limpar a calçada.
Além disso, devemos exigir políticas contrárias
ao desperdício e à destruição dos recursos hídricos. Para reverter o processo
de degradação, utiliza-se quatro fatores: legislação atualizada e rígida;
fiscalização eficiente; investimentos e conscientização ambiental, o mais
importante. Apenas ad argumentandum,
as regras contrárias à degradação encontram-se basicamente na Constituição
Federal e na Lei dos Crimes Ambientais.
Uma sugestão seria criar, como já ocorre
com a energia elétrica, um selo de consumo d’água. Por exemplo: se a água for
destinada ao insumo industrial, seu preço deve ser mais elevado. As usinas
hidrelétricas devem pagar royalties aos municípios próximos às barragens pelo
uso da água destinada a girar as turbinas. Outra, o incentivo ao reuso da água.
Exemplo interessante a ser copiado também é o
do tratamento dispensado ao petróleo nos Estados Unidos: eles dispõem de
reservas de carvão e de petróleo para garantir o consumo anual de combustíveis
fósseis pelo prazo de cinco séculos.
Enfim, canalizar energia e recursos para proteger e conservar o
manancial local existente:
-
socorrerá populações
vulneráveis,
-
incentivará o controle de
poluição e
-
fomentará a conscientização pública sobre esta crise iminente e letal.
Referências:
1 - Oriente Médio, Norte da África e México.
2 - Professor titular de História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3
- Para produzir um quilo de grãos, usa-se uma
tonelada de água, durante todo o ciclo da planta. Então, 160 bilhões de
toneladas de água permitem a produção de 160 milhões de toneladas de alimentos
– o suficiente para alimentar 480
milhões de pessoas. Essas pessoas são alimentadas de maneira não-sustentável
porque utilizam uma água que não é mais um recurso renovável.
A água, hoje, não é para todos!!
A Cúpula
Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), realizada em Johannesburgo,
África do Sul, tentou delinear os primeiros traços de um novo manejo dos bens
globais. Mas o único consenso possível nesta primeira megaconferência do
milênio envolveu a questão da água: 190 países prometeram reduzir à metade, até
2015, a população sem água potável e sem saneamento; e a restaurarem os
recursos pesqueiros.
Embora
algumas ongs do planeta tenham considerado o encontro um desastre, o
Secretário-Geral da Cúpula, Nitin Desai, afirmou que "pela primeira
vez, o mundo fez da questão da água e do saneamento uma prioridade política de
alto nível".
Em
decorrência deste acordo, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
da ONU declarou, em Genebra, em 27 de novembro de 2002, o acesso à água como
direito humano indispensável e essa, um bem público, social e cultural, um
produto fundamental para a vida e a saúde e não um produto básico de caráter
econômico. E exigiu que os países adotem planos de ação nacionais para garantia
desse direito. A declaração do Comitê deu-se em forma de "Comentário
Geral", ou seja, uma interpretação das disposições do Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Infelizmente,
para o Estado-Maior Mundial da Água, esta ainda é tratada como bem econômico,
sob o pretexto de melhor combate à escassez e à majoração do seu preço. A água
tornou-se cara e será o "ouro azul" do século XXI! É, hoje, um bem
negociável, com seu uso determinado por princípios mercadológicos e gestão
submetida às leis da corrupção. Jorge Werthein, representante da UNESCO,
visitou Florianópolis-SC, em janeiro de 2003, colocando à disposição do Estado
os projetos já desenvolvidos. Ele se mostrou preocupado com a preservação do
meio ambiente e alertou que a poluição dos recursos hídricos provocará, no
futuro, a guerra pela água.
Desde o
final dos anos 70, a conquista da água obedece a três princípios básicos: a
mercantilização, a privatização e o oligopólio mundial entre os setores de água
potável, de água engarrafada, de tratamento de água e de bebidas gaseificadas,
num contexto beligerante pela hegemonia do mercado e de conflitos entre os
Estados.
A
privatização e a mercantilização das águas, no Brasil e no mundo, é uma
exigência do FMI; trata-se de uma condição imposta a países pobres e
subordinados para recebimento de empréstimos. À medida que a crise da água se
intensifica, os governos, pressionados por corporações multinacionais,
submetem-se à mercantilização e à subseqüente privatização como forma de
resolução do problema. Ao mesmo tempo, assinam a renúncia sobre o controle de
fontes d’água doméstica através da participação em tratados de comércio (NAFTA,
Acordo de Livre Comércio da América do Norte e da OMC), concedendo a
corporações transnacionais o seu direito sobre a água. Sob a proteção desses
acordos internacionais de comércio, companhias exportam e/ou transportam água
para revenda.
Ora, vender
água ao melhor pagador somente exacerbará os piores impactos da crise mundial
da água!
A concessão
dos mananciais de água de Cochabamba, na Bolívia, para a empresa
norte-americana Bachtel, em 1999. Este é um dos maiores exemplos de conflitos
gerados pela privatização do sistema de abastecimento: assim que assumiu o
controle da água, a empresa aumentou as tarifas entre 150% a 180%, sem ter
melhorado o serviço.
O mundo, em
protesto ao Fórum Mundial da Água, realizado no Japão (nominado de "Davos
das Águas"), desenvolveu, simultaneamente, Fóruns Sociais das Águas, em
Cotia (São Paulo - Brasil), Nova York (Estados Unidos) e Florença (Itália), na
busca de alternativas à privatização dos recursos naturais. Seus integrantes
pregaram que o gerenciamento dos recursos hídricos tem que passar por critérios
diversos das leis do mercado. E que, se esses critérios ainda não existem,
devem ser criados.
A água,
hoje, não é para todos!! Seu consumo global duplica a cada 20 anos, duas vezes
mais que a taxa o crescimento da população humana. 73% são utilizados na
agricultura (atividade que mais desperdiça o bem: cerca de 60% de seu volume
total se perde antes da irrigação da planta), 21% na indústria e 6% como água
potável. EUA é o país que mais desperdiça água no mundo. Em especial, na
manutenção dos seus 23.000 campos de golfe.
O futuro dos recursos
vitais da Terra é determinado pelos que lucram com seu uso e abuso!!
Concluiu-se,
no Fórum de Kioto, que os países devem considerar, também, o volume de água
embutida nas exportações e importações. O Brasil é o 10º maior exportador de
"água virtual" (conceito científico para calcular a quantidade de
água necessária à produção de um bem). Segundo dados do Conselho Mundial da
Água, cada quilo de pão gasta 150 litros de água para ser produzido. Para a
batata, utiliza-se de 100 a 200 litros de água; a mesma quantidade de arroz
consome 1.500 litros.
A ONU
apurou que, no mundo, mais de um bilhão de pessoas não possui acesso à água
potável. Nos distritos industriais do México, a água é tão escassa que bebês e
crianças bebem Coca-Cola e Pepsi ao invés de água. E mais de 2 bilhões carecem
de saneamento básico e infra-estrutura para o tratamento dessa. Isto provoca a
morte de crianças pobres: mais de 7 milhões morrem a cada ano, vítimas de
doenças relacionadas com a água de baixa qualidade: cólera, diarréia, malária,
cólera, hepatite infecciosa, diarréia...
Estima-se
que 80% de todas as doenças em desenvolvimento registradas no mundo são
provocadas pela ausência de água potável. Na América Latina, 130 milhões de
pessoas precisam de acesso regular a serviços de saúde. Conclui-se que, até por
uma questão de economia, a água precisa ser tratada! Estudos da Organização
Mundial de Saúde revelam que, para US$ 4 investidos em saneamento básico, são
economizados US$ 10 de investimentos em saúde pública.
Por isso,
2003 foi eleito o Ano Internacional do cuidado com a água potável, um bem em
extinção. Ainda que a superfície da Terra esteja coberta de água, somente uma
pequena fração, 2,5%, é de água doce. Deste porcentual, 70% estão nos pólos; ou
seja, menos de 1% da água doce é acessível para o uso humano. Além disso,
atualmente, mais de 250 milhões de pessoas sofrem os efeitos da desertificação
(um terço da superfície terrestre está ameaçada por este fenômeno).
O Brasil
possui a maior reserva hídrica do mundo: as bacias da Amazônia e do Rio da
Prata, o Pantanal de Mato Grosso, o Aqüífero Guarani, considerado a maior
reserva subterrânea de água do Planeta, com águas subterrâneas suficientes para
abastecer 170 milhões de pessoas durante 2400 anos. Apesar disso, nosso país
apresenta vulnerabilidade climática: com poucos anos de seca, e a incompetência
do Estado no gerenciamento da questão, enfrentou crise energética que compeliu
a maioria da população ao racionamento de energia elétrica e de água.
Mas o
domínio de nossas fontes de águas já experimenta privatizações. Os reflexos da
mercantilização da água já foram sentidos dramaticamente pela comunidade da
cidade mineira de São Lourenço, onde foi privatizada a exploração de águas de
reconhecido valor terapêutico. E a onda de privatização segue seu curso. O
projeto-de-lei 4147/01, que privatiza os serviços de água e esgoto -
compromisso incluído no Memorando de Política Econômica encaminhado ao FMI - é
meta governamental.
O que podemos fazer
para solucionar este problema?
Inicialmente,
é preciso capacitar os governos e as comunidades para utilizar os recursos
hídricos. Além de problemas como aumento de tarifas e diminuição do acesso
democrático à água, a falta de controle social sobre a água gera conflitos de
interesses internacionais.
Temos uma
legislação inaplicada até o momento. Em 1934, Getulio Vargas, "considerando
que o uso das águas era regido por uma legislação obsoleta, em desacordo com as
necessidades e interesses da coletividade nacional", decretou o Código
de Águas, considerado um dos melhores do mundo. Mas, ainda é inoperante. A Lei
9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos é clara em
afirmar que a água é bem de domínio público, que a gestão dos recursos hídricos
deve ser descentralizada e que deve contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
A população
precisa conscientizar-se da sua força e da importância do uso sustentável da
água e da gestão e proteção das fontes deste elemento vital. A gestão da água
deve ser justa, viável e ambientalmente sustentável. Os ecossistemas aquáticos
são finitos e devem ser respeitados em sua singularidade.
A água (que ninguém vê) na guerra
Ana Echevenguá
“Para além das manchetes do conflito do Oriente
Médio, há uma batalha pelo controle dos limitados recursos hídricos na região.
Embora a disputa entre Israel e seus vizinhos se concentre no modelo terra por
paz, ''há uma realidade histórica de guerras pela água'' - tensões sobre as
fontes do Rio Jordão, localizadas nas Colinas de Golã, precederam a Guerra dos
Seis Dias”. Raymond Dwek -
The Guardian, [24/NOV/2002] *
A nossa sobrevivência na Terra
está ameaçada. Sem alimento, o ser humano resiste até 40 dias; sem água, morre
em 3 dias. Somos água! Mas, enquanto a população se multiplica e a poluição
recrudesce, as fontes de água desaparecem.
Na
guerra do momento – Israel em Gaza -, por que a mídia sensacionalista não fala sobre a água
- um dos itens mais importantes dos conflitos no Oriente Médio?
Oriente Médio... uma região aonde água vale
mais do que petróleo... E sempre nos
passam a idéia de que lá as guerras ocorrem pela conquista das reservas de
petróleo.
E a conquista das
reservas de água? Em 1997, o então
vice-diretor geral da UNESCO, Adnan Badran, no seminário “Águas
transfronteiriças: fonte de paz e guerra” (que centrou os debates nas águas do
Mar Aral, do rio Jordão, do Nilo...) disse que “a água substituirá o petróleo como principal fonte de conflitos no
mundo”.
Embora Israel tenha
sérios problemas com recursos hídricos, detém o controle dos suprimentos de
água, tanto seus como da Palestina.
Além
de restringir o uso d’água, luta pela expansão do
seu território para obter mais acesso e controle deste recurso natural. Ali,
ele é o “dono” das:
- águas
superficiais: bacia do rio Jordão (incluindo o alto Jordão e seus tributários),
o mar da Galiléia, o rio Yarmuk e o baixo Jordão;
- águas
subterrâneas: 2 grandes sistemas de aqüíferos: o aqüífero da Montanha
(totalmente sob o solo da Cisjordânia, com uma pequena porção sob o Estado de
Israel), aqüífero
de Basin e o aqüífero Costeiro que se estende por quase toda faixa litorânea
israelense até Gaza.
Tais águas
são ‘transfronteiriças’, são recursos naturais compartilhados. Segundo recente inventário da
UNESCO, 96% das reservas de água doce mundiais estão em aqüíferos subterrâneos,
compartilhados por pelo menos dois países.
Há regras internacionais para o
uso dessas águas. Algumas destas obrigam Israel a fornecer água potável aos palestinos.
Mas
Israel não compartilha a água; afinal, tais regras internacionais não prevêem
mecanismos de coação ou coerção; é letra
morta. O Tribunal
Internacional de Justiça, até hoje, condenou apenas um caso relacionado com águas
internacionais.
A
estratégia de Israel é outra. Em 1990, o
jornal Jerusalém Post publicou que “é difícil conceber qualquer solução política consistente com a sobrevivência de
Israel que não envolva o completo e contínuo controle israelense da água e do sistema de esgotos, e da infra-estrutura associada, incluindo a distribuição, a rede de estradas, essencial para
sua operação, manutenção e acessibilidade”**. Palavras do
ministro da agricultura israelense sobre a necessidade de Israel controlar o uso dos recursos hídricos da
Cisjordânia através da ocupação daquele território.
O Acordo de Paz de
Oslo de 1993, por exemplo, estipulou que os palestinos deveriam ter mais
controle e acesso à água da região.
Nessa época, segundo o professor
da Hebrew University, Haim Gvirtzman, dos 600 milhões de metros cúbicos de água
retirados anualmente de fontes na Judéia e Samaria, os israelenses usavam quase
500 milhões, satisfazendo cerca de um terço de suas necessidades hídricas. Para
ele, isso gerou um ‘direito adquirido sobre a água’. Questionado sobre o acesso
palestino à água, o professor respondeu que “Israel
deve somente se preocupar com um padrão mínimo de vida palestino, nada mais, o
que significa suprimento de água para eles só para as necessidades urbanas.
Isso chega a cerca de cinqüenta/cem milhões de metros cúbicos por ano. Israel é
capaz de suportar essa perda. Portanto, não deveríamos permitir que os
palestinos desenvolvessem qualquer atividade agrícola, porque tal
desenvolvimento virá em prejuízo de Israel. Certamente, nunca permitiremos aos
palestinos suprir as necessidades hídricas da Faixa de Gaza por meio do
aqüífero montanhoso. Se purificar a água do mar é uma solução realista, então
deixemos que o façam para as necessidades dos residentes da Faixa de Gaza”**.
E na Guerra pela
Água vale tudo: os israelenses bombardeiam tanques d'água, grandes ou pequenos
(muitas vezes construídos nos telhados de suas casas), confiscam as bombas
d’água, destroem poços, proíbem que explorem novos poços
e novas
fontes d’água (a Cisjordânia, em 2003, contava com cerca de 250 fontes ilegais
e a Faixa de Gaza, com mais de 2 mil). Israel
irriga 50% das terras cultivadas, mas a agricultura na
Palestina exige prévia autorização.
Então, furto de água das adutoras de Israel é comum naquela região.
A
regra do jogo é esta: enquanto o palestino não tem acesso à água para beber, o
israelense acostumou-se ao seu uso irrestrito.
Sendo
assim, dá pra imaginar uma outra forma de divisão ou de uso compartilhado desses
recursos hídricos para os próximos anos? Dá pra imaginar a sobrevivência de
qualquer estado e, nesse caso, da Palestina sem o controle efetivo do acesso e da distribuição dos recursos
hídricos que necessita?
Botar
a mão na água é coisa antiga. Britânicos e franceses no Oriente Médio definiram
as fronteiras (em especial da Palestina) de olho nas águas da bacia do rio
Jordão.
Desde
1948, Israel prioriza projetos, inclusive bélicos, para garantir o controle de água
na região. Dentre estes:
- a
construção do Aqueduto Nacional (National Water Carrier);
- em 1967, anexou os territórios palestinos de Gaza
e Cisjordânia e tomou da Síria as Colinas do Golã, ricos em fontes de água,
para controlar os afluentes do Rio Jordão.
Sobre esta guerra, Ariel Sharon falou
que a idéia surgiu em 1964, quando Israel decidiu controlar o suprimento d’água;
-
em 2002, a
construção o ‘muro de segurança’ viabilizou o controle israelense da quase
totalidade do aqüífero de Basin, um dos três maiores da Cisjordânia, que
fornece 362 milhões de metros cúbicos de água por ano. Segundo Noam Chomsky, “o Muro já abarcou
algumas das terras mais férteis do lado oriental. E, o que é crucial, estende o
controle de Israel sobre recursos hídrico críticos, dos quais Israel e seus
assentados podem apropriar-se como bem entenderem...”***. Antes do muro, ele já fornecia metade da água para
os assentamentos israelenses. Com a destruição de 996 quilômetros de
tubulação de água, à população palestina do entorno
do muro falta água para beber;
- antes de devolver (simbolicamente) a
Faixa de Gaza, Israel destruiu os recursos hídricos da região. E, até hoje, não há
infra-estrutura hídrica nas regiões palestinas.
Quantos
falam a respeito disso??? Em 2003, na 3ª Conferência Mundial sobre Água, em
Kyoto, Mikhail Gorbachev bateu na tecla dos conflitos mundiais pela água:
contabilizou, na época, 21 conflitos armados objetiva apropriação de mais
fontes de água; destes, 18 ocorreram em Israel.
Gestão
conjunta, consumo igualitário de água, ética e consenso na água – palavras
bonitas no papel, nas mesas de negociação, na mídia... Na prática, é utopia.
O
que a ONU e os donos do planeta estão esperando para exigir que Israel cumpra as
regras internacionais sobre águas mesmo que estas contidas em convenções,
acordos, declarações (e outras abobrinhas)...
Quem
vai ter coragem de criar regras claras e objetivas para punir a violação dos direitos
dos povos e nações à sua soberania sobre
seus recursos e riquezas naturais?
* -
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/internacional/2002/11/23/jorint20021123004.html
** - Do livro
de Noam Chomsky: Novas e Velhas Ordens Mundiais, São Paulo, Ed. Scritta, 1996.
*** -http://www.galizacig.com/actualidade/200403/portoalegre2003_muro_humilhacao_e_roubo.htm
Ana Echevenguá, advogada ambientalista,
coordenadora do programa Eco&Ação, presidente da ong Ambiental Acqua Bios e
da Academia Livre das Águas, e-mail: ana@ecoeacao.com.br, website:
www.ecoeacao.com.br
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