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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Obras Viárias: Cortes, Aterros, Túneis ou Viadutos? artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

Marcando a transição da tração animal para a tração motorizada (advento do trem e do automóvel), agitado período que se estendeu da segunda metade do séc. XIX às primeiras décadas do séc. XX, procedeu-se em todo o mundo uma verdadeira revolução técnica no que diz respeito aos parâmetros básicos de projeto para as obras de infraestrutura viária.


No Brasil, primeiramente tendo como condicionantes as características de tração mecanizada e os fatores de segurança próprios do transporte ferroviário, fortemente incrementado no país já a partir das últimas décadas do séc. XIX, e mais adiante, por força dessas mesmas características agora próprias do transporte rodoviário moderno, que marcava sua explosiva presença no país ao início do séc. XX, a engenharia viária brasileira obrigou-se a adotar diretrizes de projeto progressivamente mais exigentes no que diz respeito especialmente aos raios mínimos de curvatura horizontal e às rampas máximas admissíveis.

Em termos práticos isso implicou na necessidade de construção de vias a cada vez menos tortuosas e, especialmente em regiões de relevo ondulado a montanhoso, na necessidade de execução de grandes serviços de terraplenagem em cortes e aterros para o atendimento do greide de projeto.

Diversos fatores, alguns permanentes, outros circunstanciais, determinaram ao seu início a preferencialidade da engenharia viária brasileira, preferencialidade que veio a se tornar um traço cultural, por cortes e aterros sobre túneis e viadutos para vencer os desníveis topográficos que se colocavam ao longo do traçado: a abundância e a profundidade de solos no meio físico tropical; um desprezível valor monetário das terras de superfície a serem desapropriadas; um maior domínio tecnológico sobre obras de terra; a necessidade quase completa de importação de tecnologia, equipamentos e componentes para a execução de obras de arte; as dificuldades imensas da abertura de túneis por via das técnicas então disponíveis; a inexistência de pressões ambientais de ordem política ou legal; uma indisfarçável desimportância para os possíveis ganhos em quilometragem final que uma opção túneis/viadutos pudesse trazer; a pressão política de grupos empresariais originalmente especializados técnica e patrimonialmente em obras de terra…

Por óbvio que a preferencialidade brasileira por obras de terra não constituiu à época um erro de visão, e até pode-se dizer que se justificou inteiramente, tal o real significado e peso dos fatores envoltórios acima apontados. E, registre-se, válidos por um longo período de tempo. Considere-se também que a clássica diretriz de compensação de volumes de corte e aterro, consagrada normativamente no Diagrama de Massas, ou Diagrama de Bruckner, por muito tempo entendido como regra pétrea para a definição do greide otimizado, contribuiu, e tem contribuído, para, nos casos em que há compatibilidade geotécnica dos materiais de corte para seu uso na execução de aterros, reduzir ao menos em parte os impactos físicos, ambientais e econômicos negativos intrínsecos a essa alternativa técnica.

No entanto, se procedermos uma indispensável reavaliação desses fatores intervenientes à luz das alterações de contorno que se impuseram, e continuam em plena evolução, desde especialmente o final da década de 1960 e o início da década de 1970, é muito provável que a engenharia viária nacional identifique a necessidade de uma salutar revisão de seus, vamos dizer, “costumes tecnológicos”.

Como um parêntese, vale lembrar que, ainda que podendo trabalhar com rampas máximas um tanto menos exigentes, as obras dutoviárias (em um verdadeiro boom no país) merecem hoje, pelos mesmos motivos, também ser reavaliadas em seus critérios de projeto.

Consideremos então as novas e claras situações de contorno que hoje se apresentam: um considerável aumento do valor imobiliário das terras de superfície; ocorrência de uma verdadeira revolução tecnológica na engenharia tuneleira de rochas e solos e na engenharia das obras de arte, contabilizando grandes ganhos em tempo de execução, segurança estrutural e geotécnica e custos finais, diferentemente do que aconteceu na engenharia de obras de terra, onde as técnicas executivas básicas continuam essencialmente as mesmas, variando apenas a capacidade e porte dos equipamentos; nacionalização intensiva da engenharia tuneleira e de obras de arte; o surgimento da consciência ambiental e de um ostensivo aparato legal para exercê-la efetivamente; a valorização social, por seu rareamento geográfico, de mananciais superficiais de água doce, sempre ameaçados pelos perversos efeitos do binômio erosão/assoreamento próprio das obras de terra extensivas; a valorização econômica de reduções da extensão dos traçados viários, os altos custos relativos de manutenção e recuperação das obras de terra frente a opção túnel/viaduto…

Certamente, diante desse novo quadro de fatores de contorno, e considerando ainda, especialmente para relevos ondulados e montanhosos, a adoção de uma mais livre gestão geotécnica de greides regionais, muitas das situações em que, por cacoetes técnicos, adotaríamos uma sequência de grandes cortes e aterros, poderão ser hoje melhor equacionadas técnica, econômica e ambientalmente com a adoção de alternativas em túneis e viadutos. Uma elevação do greide em uma determinada região de desenvolvimento da obra viária possibilitaria, por exemplo, a redução da dimensão dos cortes, convidando a uma complementar adoção de obras de arte mais esbeltas para o vencimento de vales e depressões. Pelo contrário, um rebaixamento regional do greide possibilitaria a execução de obras de arte de menor porte ou até pequenos ou médios aterros para a travessia de vales e depressões, abrindo a conveniência de execução de túneis para a travessia dos grandes obstáculos de relevo. Uma outra posição do greide regional poderia, por sua vez, permitir a adoção de uma combinação mais generalizada entre túneis e obras de arte. Essas conjecturas tecnológicas sugerem o entendimento do greide como uma variável de projeto a ser mais livremente administrada na busca da otimização geotécnica do empreendimento.

Obviamente, estudos aprofundados e de detalhe serão sempre indispensáveis para determinar quais as combinações mais adequadas frente as condicionantes próprias do contexto geológico, geomorfológico e geotécnico que se apresenta para cada caso: processos naturais de dinâmica externa mais presentes, fenômenos geotécnicos induzidos característicos, densidade hidrográfica, propriedades morfométricas do relevo – amplitudes altimétricas, declividade e comprimento de vertentes, etc., mas o fato é que hoje seguramente há condições tecnológicas de suporte e fatores gerais de contorno muito mais favoráveis ao exercício de uma maior liberdade na consideração e escolha das melhores opções de projeto.

Exemplo sugestivo e virtuoso tivemos em nossa engenharia viária para regiões serranas tropicais úmidas, a exemplo de nossa Serra do Mar, para onde o melhor conhecimento da dinâmica geológico-geotécnica de suas encostas, aliado ao grande desenvolvimento tecnológico das engenharias tuneleira e de obras de arte, propiciaram ao país adotar como novo patamar tecnológico histórico de projetos a plena preferencialidade por túneis e viadutos.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia;
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”;
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente;
Colaborador e Articulista do Portal EcoDebate.

Fonte: EcoDebate

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