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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O drama da migração em Lampedusa e o fosso demográfico entre Europa e África, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A ilha de Lampedusa, no arquipélago das Ilhas Pelágias, no Mediterrâneo, pertence à Itália e é um dos pontos geográficos mais próximos entre os continentes africano e europeu. A ilha tem cerca de 5 mil habitantes e uma área de 20,2 km². A atividade econômica divide-se entre a agricultura, a pesca e o turismo. Lampedusa é um lugar pequeno e não tem muito a oferecer. Mas como fica a cerca de 100 km de distância da Tunísia se tornou uma porta de entrada dos migrantes não documentados que buscam abrigo na Europa.


Frequentemente, um grande naufrágio ocorre próximo à ilha de Lampedusa que, de destino turístico paradisíaco, se tornou palco de tragédias sociais e passou a ser foco de crise humanitária. O Papa Francisco, na primeira viagem apostólica de seu pontificado, foi à ilha em julho de 2013 denunciar as contradições do processo de globalização e, em suas palavras, foi ali para “chorar os mortos que ninguém chora”. Também criticou os traficantes e mercadores de vida, que exploram a pobreza alheia, cobrando por uma travessia que muitas vezes desemboca na morte.

Mas se Lampedusa se transformou na última esperança de populações pobres da África que buscam uma vida melhor no “velho continente”, a Europa, que mal consegue administrar sua crise interna, se amedronta diante do desafio de receber tantos migrantes do sul. Os imigrantes querem o sonho legítimo de melhorar de vida, enquanto a população europeia convive com o pesadelo da possibilidade de perda de qualidade de vida diante das dificuldades econômicas e da chegada de um número crescente de imigrantes pobres. A xenofobia tem crescido e os movimentos de exclusão se consolidam na Europa, diante das expectativas opostas.

O fato é que, além dos contrastes econômicos entre o Norte e o Sul, existe um fosso demográfico entre os dois continentes. A população da Europa era de 549 milhões de habitantes em 1950, para uma população de 229 milhões na África (diferença de 2,4 vezes). Por volta de 1996 houve empate de cerca de 730 milhões de habitantes entre os dois continentes. Em 2013, a Divisão de População da ONU estima uma população de 1,160 bilhão na África e de 740 milhões de habitantes na Europa. As projeções para 2025 indicam que a população africana de 1,468 bilhão de pessoas terá o dobro da população europeia.

São duas dinâmicas demográficas contrastantes. Como a queda das taxas de fecundidade já veem cainda há décadas, a partir do quinquênio 1995-2000 a Europa passou a apresentar decrescimento vegetativo, com uma taxa bruta de natalidade de 10,2 por mil e uma taxa bruta de mortalidade de 11,5 por mil (decrescimento de 0,13% ao ano). No mesmo período a África apresentava um crescimento vegetativo de 2,5% ao ano.

A população europeia continuou a crescer, mesmo que lentamente, devido à imigração, mas deve atingir um pico populacional em 2020. No restante do século XXI, as projeções indicam que a Europa, mesmo recebendo crescentes contingentes de imigrantes, vai apresentar declínio populacional, pois possui uma taxa de fecundidade muito baixa. Uma questão colocada se refere à capacidade europeia de receber volumes cada vez maiores de estrangeiros, pois se a redução da população pode “prejudicar” o crescimento do PIB, uma redução da densidade demográfica da Europa seria um indicador bom para o meio ambiente.

O fato é que a Europa seria incapaz de absorver sequer uma parcela significativa do crescimento populacional previsto para a África no atual século. Se a população africana será o dobro da população europeia em 2025, será mais do que o triplo até 2050 (2,39 bilhões versus 709 milhões). Para 2100, a projeção média da ONU indica uma população de 4,2 bilhões de habitantes na África e de 639 milhões de habitantes na Europa (6,6 vezes maior). Infelizmente, as forças nacionalistas, positivistas, familistas, machistas e do dogmatismo religioso patriarcal ainda defendem políticas pró-natalistas para a África, como se o continente precisasse de maior quantidade de gente em vez de melhor qualidade de vida humana e ambiental.

A chamada “migração de reposição” poderia contribuir para evitar uma diminuição muito rápida da população europeia e a emigração poderia aliviar a pressão demográfica da África. Um fluxo razoável de migrantes seria bom para todo mundo. Mas será impossível a Europa absorver o crescente volume de crescimento demográfico da África. Se o atual fosso demográfico persistir, os conflitos e as tragédias, provavelmente, vão aumentar. A solução tem que ser pensada em termos holísticos e com muita cooperação internacional.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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