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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Resíduos florestais viram joias e móveis, e ganham mercado externo

O desenvolvimento sustentável já deixou de ser apenas teoria para alguns marceneiros e designers de joias no Amazonas. A partir de resíduos florestais, profissionais estão produzindo biojoias e móveis com características genuinamente amazônicas. As peças feitas com madeiras, sementes e fibras, conquistaram espaço no mercado internacional, com exportações para países europeus e da América do Norte. Em 2013, numa instituição que fabrica móveis e peças de decoração, o lucro girou em torno de R$ 1,8 milhão.


O engenheiro florestal Robervando Gonçalves, líder do Núcleo de Design Tropical, na Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi), uma das instituições que trabalham com a produção de peças em madeira regional, informou que o resgate da riqueza artística das culturas caboclas da Amazônia tem despertado interesse do mercado mundial. Segundo ele, diversos países querem comercializar as peças.

“Nós trabalhamos com uma estratégia de inovação dos nossos produtos. Pensando nisso, nós promovemos em cada peça o resgate das habilidades artesanais e dos traços de culturas tradicionais da nossa região. Para isso, o uso sustentável dos insumos da floresta é indispensável”, explicou.

O processo de construção das peças envolve técnicos e artesãos de Manaus, mas também de comunidades ribeirinhas de outros municípios do Amazonas. Cerca de 700 trabalhadores do interior, dentre eles indígenas, participam da confecção das peças em diversos municípios do estado, como Itacoatiara, Maués, Novo Airão e Barcelos. O projeto promove ainda programas de qualificação para melhor utilização dos recursos naturais no interior do estado.

Gonçalves informou que o projeto já teve itens premiados em feiras nacionais e internacionais, como a Bienal de Designer e o Prêmio Idea Brasil. Além disso, uma linha de móveis do projeto deverá compor a decoração dos principais salões da Arena da Amazônia durante o período da Copa do Mundo, que tem Manaus como uma das sedes.

Para ele, apenas no ano passado, a comercialização desses produtos superou a meta de R$ 1,8 milhão e o objetivo, segundo Gonçalves, é faturar R$ 2 milhões ao ano. “Uma loja na Califórnia, inclusive, abriu com peças que foram produzidas por nós. No ano passado, exportamos um contêiner com peças de médio e grande porte”, disse. Atualmente, Portugal, França e Espanha também já receberam peças para exposições. O trabalho ganhou destaque na Europa, em virtude da raridade para encontrar madeiras com tonalidades diferentes do branco.

Há 40 anos, o marceneiro Rosalvo Mendes, de 58 anos, por meio do projeto, transforma madeira em arte. “Acompanhei todo o crescimento da marcenaria no Amazonas. Vi coisas horríveis acontecerem com nossas riquezas. Tudo o que eu pensava era que eu queria perpetuar as árvores, usando elas sem desperdício ou agressão”, relatou.

Rosalvo Mendes disse que o processo de fabricação das peças aproveita desde a casca da árvore até as raízes. Segundo ele, são resíduos que não possuem valor comercial para a indústria. “Eu sempre tive um carinho especial pelas árvores. Elas também são seres vivos, assim como nós. Esse sentimento cresceu ainda mais depois que comecei a trabalhar aqui. As árvores eram tiradas de qualquer jeito e grande parte não era aproveitada”, disse.

Fabricação – O projeto desenvolve peças de movelaria e artigos de decoração que utilizam como matéria-prima resíduos de madeiras certificadas ou de áreas de manejo, além de sementes e fibras florestais. Atualmente, cerca de 30 espécies diferentes de madeira são utilizadas na confecção das peças. Até folhas de árvores já passaram por tratamento para integrar os detalhes dos móveis.

O processo para a fabricação dos móveis e dos artigos decorativos é demorado. Para construir um jogo de apenas quatro cadeiras, é necessário, aproximadamente, dois meses de dedicação. “É tudo trabalhado com muita riqueza de detalhes, com curvas, acentuações, todas feitas manualmente. É como se fosse uma cirurgia na madeira. O tempo de produção não importa. A perfeição de cada item é o que é levado em conta”, disse.

De acordo com a designer Luçana Mouco, as peças não passam por processo de pintura, já que a diversidade amazônica possibilita a mistura de cores. A técnica resulta em produtos exclusivos. “A inspiração vem a partir de muita pesquisa, viagens e leitura. Os tipos variados de madeira, a coloração diferenciada e o modo de produção levam ao surgimento de peças únicas”.

Além de decorar casas e escritórios, insumos da floresta amazônica também servem de matéria-prima para a confecção de biojoias, que levam em colares, brincos e anéis, um traço diferente da cultura tradicional da região. A designer de joias, Rita Prossi, incorpora a cada peça a sustentabilidade, a história e a beleza indígena e cabocla.

Segundo a designer, a iniciativa de integrar a floresta aos seus trabalhos surgiu em 1995, a partir do interesse de americanos em peças indígenas. “Sempre trabalhei com joias feitas com ouro. Um dia uma cliente disse que precisava levar algo para a filha, que morava nos Estados Unidos, para que ela lembrasse do nosso Amazonas. Fiz vários pingentes com artefatos como flechas, muiraquitã, tipiti, e usei palha de arumã e sementes de açaí. Quando a menina foi para a faculdade com o colar as amigas adoraram e eu não parei mais desde então”, contou ao G1.

A oportunidade, surgida por acaso, abriu portas primeiramente para o mercado externo. Mais tarde, a cliente se tornou a primeira revendedoras de produtos de Rita. Segundo ela, os processos de aquisição dos materiais incluem tribos indígenas como os Waimiri Atroari e Apurinãs, que dispõem de fibras de arumã e tucumã para a confecção das joias.

“Existem trançados exclusivos dos indígenas, que dão identidade regional às peças. Além desses insumos, fios de tucum, palhas e couro de peixe também são aproveitados. Tudo sem agredir ou prejudicar o meio ambiente”, disse Prossi. De acordo com ela, resíduos de madeira de movelarias também são utilizados. “Os restos de madeira que não servem para móveis, viram joias nas minhas mãos”, afirmou Rita.

A mesclagem de joias com produtos ecológicos leva tempo relativo, segundo a designer. A inspiração para idealizar as peças, por outro lado, chega rápido quando a artista “sente o ambiente”. “É só observar. Em uma viagem de barco que eu fiz a Manacapuru, cidade do interior do Amazonas, passamos perto de igapós. Eu vi plantas aquáticas lindas e fiquei encantada. No outro dia estava pensando em uma nova coleção para executar”, relatou.

A biojoalheria já teve produtos exportados para países da Europa e Estados Unidos, além da participação em feiras de joias no estado de São Paulo. Para Rita, os produtos sustentáveis ainda precisam ser melhor valorizados pelos amazonenses. “Essa aceitação de produtos feitos com materiais florestais ainda é um processo lento no estado. Agora sim, 19 anos depois da fundação, que as biojoias chamam atenção das pessoas da nossa região. Esperamos que estas sejam tão valiosas quanto as joias de ouro”, enfatizou Prossi. 

Fonte: G1

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