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segunda-feira, 10 de março de 2014

Vestindo o hábito, crônica de Nara França

Existe sempre um momento – crucial -, quando a gente vai vestindo o hábito, que, depois, tão repetido e impensado, torna-se vício. É mais ou menos com esse olhar (sempre estrábico), que tenho acompanhado as informações sobre as barbáries de pessoas desatualizadas, retrógradas, que pararam, lá atrás, no tempo, quando os espetáculos de arena reduziam-se a carnificinas. Pior de tudo: as barbáries estão acontecendo no nosso Brasil, em nome da “justiça com as próprias mãos” – nesses casos que me refiro, acho que ficaria melhor usarem a expressão ‘justiça com as próprias patas’ (que me perdoem o animais irracionais).


Em nome da justiça, para conter a violência, tem gente virando bicho – animal selvagem mesmo. A selvageria é tamanha, que nem ousam mais justificar-se, dar explicações – apenas cometem linchamento contra quem nem se importam de saber os nomes. A partir dessa violência, já não se pode mais falar em um só crime, ou um só criminoso, né gente?…

Ainda tem mais: tanta gente reclama dos altos salários dos poderes públicos. É bom não esquecer que o judiciário faz parte desses poderes. Resumindo: vamos deixar os altos e baixos funcionários do judiciário trabalharem!… dá licença, né gente?… Afinal de contas, o pessoal do judiciário pode, ou não pode, trabalhar em paz, fazer jus aos salários?… se continuar essa sessão carnificina (antes, era só na televisão), não vai mais haver trabalho judicial, análise de processos, julgamentos, veredictos, etc etc etc. Está na hora de essa gente, que tem tempo de sair linchando, “a qualquer momento, em edição extraordinária”, se decidir: ou dá trabalho ao judiciário, ou não reclama mais que tem gente, lá, que ganha sem trabalhar. Não há terceira alternativa. Simples assim.

Se a dita população civilizada (bípede) continuar batendo em batedores de carteira, as salas de cinema podem ficar vazias, entregues às baratas, às traças. De que jeito?… Oras carambolas, os filmes épicos já não farão sucesso de bilheteria. Ninguém mais vai querer atravessar a cidade, pagar estacionamento, enfrentar filas enormes, gastar com pipoca, pra assistir o que pode ver na esquina de casa. Alguém tem dúvida?… Até por que a maioria gosta mesmo é ao vivo (sangue vivo) – muito mais do que em sala de cinema, ou pela televisão, que tortura, sem dó, nem piedade, os que necessitam receber sangue, com todas aquelas cenas sanguinolentas, dia e noite, noite e dia, jorrando sem parar.

Diante das multiplicadas tentativas públicas de linchamento, enquanto os apresentadores de televisão gozam orgasmo sádico, fico eu a pensar – eu, impotente, diante da violência, semelhante àqueles que apanham, àqueles que batem. Será que está havendo alguma comemoração da ditadura, que não me contaram?… Quem dera. Alguém, daqueles “tempos de chumbo”, pode até festejar (orgasmos múltiplos), enquanto outros me informam que os socos e pontapés não fazem parte de cena de filme algum, nem eram para estar na história. Não digam que tudo isso é muito “punk” – o conceito de cultura punk é outro. Nem ofendam o nosso samba, citando tratar-se de “samba do crioulo doido”. Punk é punk. Samba é samba. Violência gera violência – mesmo quando causada em nome da paz mundial. Ninguém merece – nem o afamado, nem o difamado. E pronto.

(Por favor, se alguém aguentou ler até aqui: não me julgue desmemoriada. Em tudo que escrevi, aqui, não citei a ação policial – ignorei essa parte do processo, e tratei logo da questão judicial. Não foi à toa – reservo meu direito de questionar as ações policiais, sem concluir coisa alguma, por que conseguem sempre surpreender o que acho que sei. Desse jeito, não há possibilidade de conclusão, mesmo se houvesse intenção.)

Nara França é jornalista gaúcha, tendo sempre trabalhado em redação de jornal, e hoje atuando em entidades sindicais e movimentos sociais, no sul do Brasil. Também, mantém o blogue http://ironia-cronica.blogspot.com.br/

Fonte: EcoDebate

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