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terça-feira, 17 de maio de 2016

Regulamentação da Lei da Biodiversidade é um retrocesso e abre margem para judicialização, avalia especialista

Antes da publicação do decreto, a SBPC encaminhou, em 02 de maio, uma carta ao Ministério do Meio Ambiente, com cópia à Casa Civil e ao MCTI, em que alertava que o texto estabelecia procedimentos “excessivamente” burocráticos, que poderiam atrasar a pesquisa e o desenvolvimento científicos e tecnológicos do País

Apesar de esforços da comunidade científica, o decreto que regulamenta a chamada Lei da Biodiversidade (Lei 13.123/2015) representa um retrocesso e conseguiu agravar até mesmo pontos que já eram considerados negativos na legislação, diante da pressa para preencher “o vácuo” na legislação. A bióloga Nurit Bensusan, assessora do Instituto Socioambiental (ISA), diz que a lei continua burocrática, gera insegurança jurídica e nem sequer assegura os direitos dos detentores dos conhecimentos tradicionais sobre as riquezas naturais que devem ser exploradas pelo setor industrial.

Bensusan, especialista em biodiversidade do Instituto Socioambiental, disse que a regulamentação da lei representa uma “afronta” aos direitos dos povos detentores dos conhecimentos tradicionais em relação às normas estabelecidas na Convenção da Biodiversidade, que preveem repartição de benefícios de forma justa e equitativa. Dessa forma, ela entende que a nova legislação abre espaço para judicialização em sua execução.

O decreto (nº 8772/2016) gerou divergências no próprio governo. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), antes da unificação com a pasta das Comunicações, não assinou o decreto. Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) assinaram apenas em última hora o documento. O decreto regulamenta a lei que permite o acesso ao patrimônio genético e a distribuição de riquezas aos detentores de conhecimentos tradicionais que podem ser utilizados pela indústria para agregar valor a conhecimentos. Tais como chás, remédios caseiros e plantas que podem ser utilizadas para fabricação de cosméticos.

Grande parte das recomendações da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi ignorada na elaboração do decreto. Antes da publicação do decreto, a instituição científica encaminhou em 02 de maio carta ao Ministério do Meio Ambiente, com cópia à Casa Civil e ao MCTI, em que alertava que o texto estabelecia procedimentos “excessivamente” burocráticos, que poderiam atrasar a pesquisa e o desenvolvimento científicos e tecnológicos do País, levando à perda da competitividade econômica.

“De que serve sermos um país megadiverso, se de forma justa e sustentável não pudermos beneficiar a sociedade brasileira com o uso adequado desse patrimônio”, questiona a carta, disponível aqui.

Ausência de rastreabilidade

Na opinião da bióloga do ISA, o decreto “está cheio de problemas”. Segundo disse, um deles é a ausência de rastreabilidade do produto final derivado de conhecimentos tradicionais. Ela aponta falhas no processo de conhecimento prévio informado sobre a exploração comercial do uso do conhecimento tradicional, por faltar instrumentos de controle e de fiscalização. Disse que haverá apenas uma declaração do uso dos conhecimentos tradicionais.

“Isso é ruim para todas as partes envolvidas, principalmente para os detentores de conhecimento tradicional que não terão garantia de que o conhecimento está sendo essencial para agregação de valor do produto colocado no mercado”. Segundo ela, da forma como está regulamentada, a repartição de benefícios dos conhecimentos tradicionais será uma exceção e não uma regra.

“Esse ponto já estava ruim na lei e o decreto conseguiu piorar ainda mais, e isso vai estimular a judicialização, porque a repartição de benefícios que acontece somente de vez em quando não é justa e nem equitativa”, disse. Ela prosseguiu: “A indústria poderá colocar um produto no mercado, apenas pelo preenchimento de uma mera declaração e o processo de verificação vai se dar depois, se, eventualmente, alguém achar algo errado e que precisa correr atrás do prejuízo”.

Composição do CGEN

A composição do plenário do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente também é alvo de várias críticas. O decreto desconsiderou a recomendação da SBPC de incluir instituições mais abrangentes para representar a comunidade acadêmica nos assentos, como o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), por estar relacionado diretamente com o financiamento das pesquisas nos estados. Manteve apenas a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a própria SBPC.

Nurit Bensusan criticou o fato de o decreto ter derrubado a cláusula que impedia que instituições, como Fiocruz e Embrapa, usuários do patrimônio genético, fizessem parte do CGEN, para evitar conflito de interesse. Para ele, esse cenário é desfavorável aos detentores dos conhecimentos tradicionais.

“Isso é um absurdo porque são usuários. O governo deveria atuar de forma mais neutra, mas isso não vai acontecer, infelizmente”.

Ela disse ainda que a questão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que tinha assento no CGEN, terá de ser revista, já que o ministério foi extinto pelo presidente interino, Michel Temer. O MDA defenderia os interesses dos pequenos agricultores, um dos detentores dos conhecimentos tradicionais.

Fonte: EcoDebate

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