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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Ainda é pouco: 'Maior projeto de reflorestamento da história' recupera menos de 5% do desmatamento anual na Amazônia

Área degradada é estimada em 4 milhões de hectares, o que, segundo especialistas, supera em muito a recuperação de 30 mil hectares com plantio de 73 milhões de árvores até 2023, prevista no projeto.



Uma área de pelo menos 4 milhões de hectares, equivalente ao tamanho da Suíça ou a 4 milhões de campos de futebol, foi destruída na Amazônia nas últimas décadas e essa degradação, segundo especialistas, criou um abismo difícil de ser reduzido até mesmo parcialmente - como pretende fazer um projeto alardeado como "incrivelmente audacioso" e "o maior da história" nesse campo. 

A iniciativa, anunciada na abertura do festival de música Rock in Rio, em setembro, quer recuperar 30 mil hectares e devolver 73 milhões de árvores à floresta brasileira até 2023. A previsão é de que as ações sejam intensificadas em 2018. 

A perspectiva significa, na prática, recompor 4,52% do que foi desmatado somente entre agosto de 2016 e julho de 2017 (6.624 quilômetros quadrados, mais de 600 mil hectares) e resolver 0,75% do desmatamento total acumulado que atinge uma área de pelo menos 4 milhões de hectares. 

"Apesar de ser sempre louvável que algo seja feito, ao invés da inação, o projeto é completamente insuficiente para compensar, minimamente, o que é destruído", diz o pesquisador senior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Antonio Donato Nobre.

"Muvuca"

O projeto prevê a utilização de uma técnica de semeadura chamada "muvuca", uma mistura de sementes espalhada na terra para tentar chegar o mais próximo possível ao comportamento da floresta. 

O custo médio por hectare chega a ser 3 a 4 vezes menor do que os métodos mais tradicionais, como o plantio de mudas, diz Rodrigo Medeiros, da CI-Brasil. "Além da escala, o que torna o custo menor é o mix de técnicas que serão utilizadas, que vai desde a semeadura direta de sementes até a condução de regeneração natural", acrescenta. 

Na maioria das áreas a mistura é semeada com a ajuda de máquinas. Nas menos extensas, é feita manualmente. 

"Por meio dessa técnica, cada uma das espécies vai cumprindo uma função dentro do ecossistema, que vai desde ajudar a enriquecer o solo, até trazer mais diversidade, propiciar condições para que os dispersores de sementes (pássaros, insetos, répteis e mamíferos), possam entrar nessa área e o princípio básico é: tentar imitar a dinâmica da floresta. Imitar como ela faria por conta própria", descreve Junqueira, do Instituto Socioambiental. 

Segundo ele, será possível ver que as sementes viraram floresta - ou caminham para isso - depois de três anos, quando as árvores estarão com um porte mais avantajado. Em 10 anos, estima, será possível identificar as espécies que predominam. 

"Parte da solução"

Lançadas oficialmente à terra em novembro de 2016, as primeiras sementes da iniciativa começam a brotar na bacia do rio Xingu, onde 122,6 mil hectares de florestas foram desmatadas entre agosto de 2016 e julho de 2017. 

Agora, 2 milhões de árvores estão sendo restauradas em uma área de 800 hectares. 

"Hoje sabemos que no mínimo 4 milhões de hectares de florestas foram destruídos na Amazônia de maneira ilegal e desnecessária nas últimas décadas e precisam ser restaurados", diz Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservation International para o Brasil (CI-Brasil), uma das entidades que conduzem o projeto. "Queremos ser parte dessa solução". 

O reflorestamento é feito em parceria com o braço ambiental do Rock in Rio, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Socioambiental e o Banco Mundial. A restauração de cada hectare envolve, em média, cerca de 2 mil pessoas, em atividades que incluem coleta e beneficiamento de sementes, preparação das áreas, semeadura e monitoramento. 

Articulação

"A maioria das experiências anteriores de restauração registradas na Amazônia não alcançam 30 mil hectares, sem contar com o fato de que eram iniciativas singulares, sem a articulação que estamos promovendo agora", diz Medeiros. 

Quando oficialmente anunciada, em setembro de 2017, o CEO da Conservation, M. Sanjayan, descreveu a iniciativa como "incrivelmente audaciosa". 

A declaração foi propagada por diversos veículos nacionais e internacionais, e acrescentava: "Juntamente com uma aliança de parceiros, estamos realizando o maior projeto de restauração de florestas tropicais no mundo, reduzindo o custo de restauração no processo". 

E a ideia, segundo o vice-presidente da Conservation no Brasil, é agregar mais parceiros e recursos para ampliar as ações.

"Temos um horizonte de 6 anos com recursos garantidos, mas não podemos esquecer que a meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris, com restauração, vai até 2030. Então, temos muito trabalho pela frente".

Acordo

O acordo de Paris, que ele cita, é um compromisso mundial para reduzir a emissão de gases que causam mudanças no clima. 

Por meio desse acordo, o Brasil quer restaurar 12 milhões de hectares de vegetação, até 2030 - número que corresponde a 60% dos 20 milhões de hectares estimados como passivo, ou tamanho do problema gerado pelo desmatamento em todo o território nacional. E isso vai além da Amazônia. 

Medeiros considera que o objetivo do projeto que conduz é "grande" se comparado à escala do que foi feito anteriormente, mas admite que "pode parecer pequeno" se considerada "a escala do compromisso assumido pelo Brasil". 

Embora não zere o passivo que existe, a expectativa é que os 30 mil hectares da iniciativa se somem a outros para que os 12 milhões pretendidos como parte do Acordo sejam atingidos. 

A meta brasileira é chegar ao ano 2025 com emissões de gases 37% menores que em 2005 e alcançar 43% de queda em 2030. 

Para isso, além de estimular o replantio e a restauração da vegetação, o governo se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética para aproximadamente 18% e a alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz. 

Hoje, energia eólica, energia solar e biomassa, que integram a lista das fontes renováveis, representam uma fatia somada de 16,75% da potência instalada, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

País teria que plantar 2 mil árvores por minuto

Mesmo que do ponto de vista do reflorestamento não seja o único caminho vislumbrado para o cumprimento desse acordo, o projeto da Conservation International é usado como base por especialistas para mostrar o longo caminho que o país tem a percorrer. 

De acordo com Antonio Donato Nobre, do INPE, as 73 milhões de árvores previstas no projeto "representam apenas 25 dias de destruição pelo ritmo médio do desmatamento nos últimos 40 anos" e, se plantadas em um ano, corresponderiam a algo em torno de 13% do requerido para repor o que foi destruído no mesmo período. 

O cálculo considera a perda provocada por corte raso, que é a eliminação da vegetação, normalmente para dar lugar a pastos ou plantações.

"Para plantar um número de árvores equivalente ao que foi destruído seria necessário, em um ano, plantar por volta de um bilhão de árvores ou 2 mil por minuto", estima.

Pelo projeto, entretanto, seriam cerca de 14,16 milhões de árvores por ano, até 2023. 

Segundo o pesquisador, "para que a recuperação de florestas na Amazônia tenha qualquer chance de fazer frente às mudanças climáticas locais e regionais - decorrentes do próprio desmatamento - é preciso que o passivo de desmatamento seja eliminado. 

"A não recuperação desse passivo continuará a permitir a degradação de florestas devido à mudança climática em curso (mortalidade por secas sucessivas e degradação por fogo), e esta degradação comprometerá - e já está comprometendo - o compromisso mínimo do Brasil no acordo de Paris". 

Área maior que a Paraíba estaria em risco

Em um cenário em que a marcha pró-recuperação da floresta mede forças - em posição de desvantagem - com uma escala enorme de desmatamento, a realidade descrita por pesquisadores é avaliada como "alarmante". E a tendência preocupa. 

"Se houver um comportamento futuro igual ao do passado, significa que, entre 2023 e 2030 (anos considerados marcos para o projeto da Conservation International e para o Acordo de Paris), teremos um desmatamento de 65 mil a 75 mil quilômetros quadrados, uma área bastante superior a todo território da Paraíba e mais de 3 vezes o território de Sergipe", diz o doutor em economia, professor visitante do Middlebury College (EUA) e pesquisador da Universidade Federal do Paraná, com trabalhos sobre a Amazônia, Rodolfo Coelho Prates. 

O cálculo toma por base uma média de desmatamento de 11 mil quilômetros quadrados por ano, ou de 1 milhão e 100 mil hectares, que ele diz ter sido alcançada nos últimos 15 anos. 

Só no período de agosto de 2016 a julho de 2017, dados do INPE mostram que a taxa atingiu 6.624 quilômetros quadrados de corte raso. 

O resultado indica uma diminuição de 16% em relação a 2016, quando ficou em 7.893 quilômetros quadrados, e de 76% ante a taxa registrada em 2004, quando o Governo Federal lançou o Plano para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). 

Nobre, do INPE, afirma que não há, porém, o que comemorar. "Há que se confrontar o passivo", diz, avaliando a degradação de florestas como "catastrófica". 

Cabeceira dos rios

Pará, Mato Grosso, Rondônia e Acre estão entre os Estados onde o problema é mais crítico. Estão também entre os alvos prioritários no projeto que a Conservation International desenvolve na floresta, com parceiros. 

O projeto abrange áreas nas cabeceiras e ao longo dos rios considerados essenciais para manter a regularidade hídrica na região. 

O ponto de partida das ações foi a bacia do rio Xingu, onde o plantio começou em novembro de 2016 e se estendeu até 2017, na porção da bacia situada no Mato Grosso. 

O plantio chegou a 1,5 milhão de árvores, com sementes colhidas e beneficiadas por índios e agricultores familiares, diz Rodrigo Junqueira, coordenador do programa Xingu - do Instituto Socioambiental (ISA) - e conselheiro da Associação Rede de Sementes do Xingu, que forneceu as sementes usadas nessa etapa do projeto. 

Na área, foi utilizada a técnica muvuca de plantio, mais adequada às características locais. 

Na lista das que foram plantadas estão, por exemplo, Abóbora, Angelim da Mata, Angico Cuiabano, Jatobá, Ipê Amarelo, Ipê Roxo, Baru, Carvoeiro, Caroba da Mata, Mirindiba, Murici, Guadu, Banana Brava, Oi da Mata, Feijão de Porco e Urucum. 

Reflorestamento demandará US$ 10 milhões

Para chegar à área pretendida de 30 mil hectares, o projeto demandará um investimento total de US$ 10 milhões, equivalente a R$ 33 milhões. O custo médio por hectare gira em torno de US$ 3 mil (R$ 9,93 mil). 

O custo do primeiro milhão de árvores foi bancado pelo Rock in Rio, com recursos próprios e angariados junto ao público. O segundo milhão será pago pela CI e os demais pelo projeto Paisagens Sustentáveis da Amazônia, iniciativa financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e implementado no Brasil pelo Banco Mundial tendo a CI e o Funbio como executores. 

Em 2018, diz Medeiros, serão selecionadas as áreas e organizações que irão trabalhar na restauração dos próximos 28 mil hectares. A escolha será feita nos Estados do Pará, Amazonas, Acre e Rondônia. A expectativa é que os trabalhos em campo comecem no segundo semestre. 

"Esse é de fato o início do processo de destravamento dessa agenda no Brasil e esperamos que, dentro dos próximos anos, a área em restauração cresça exponencialmente com várias iniciativas como essa", ressalta o executivo. 

"Divisor de águas"

Para o governo federal, políticas lançadas em 2017 são "um divisor de águas" do ponto de vista da restauração da vegetação e ações como o projeto da Conservation International não são inexpressivas. Mas há desafios. 

Segundo o diretor do Departamento de Florestas e Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, Jair Schimitt, a lista inclui fortalecer a cultura de recuperação no país, viabilizar fontes de financiamento e criar - além de dar musculatura - a uma cadeia produtiva, com produção de mudas, coleta de sementes e aperfeiçoamento das técnicas usadas, por meio de pesquisa e desenvolvimento. 

Iniciativas nesse sentido são previstas no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), lançado em novembro de 2017 como principal instrumento de implementação da Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), instituída em janeiro. 

Tais políticas, diz Schimitt, dão diretrizes e estímulos para que mais ações aconteçam. 

"Agora que temos instrumentos políticos robustos queremos induzir a disponibilidade financeira (para projetos na área)", exemplifica o diretor. 

Com base em estimativas da academia, ele afirma que seriam necessários R$ 50 bilhões ou mais para recuperar os 12 milhões de hectares previstos no Acordo de Paris. "Mas não quer dizer que o governo tenha que aportar esse recurso. Grande parte desse desmatamento é ilegal e é dever de quem fez isso recuperar o que foi destruído." 

Schimitt estima que os projetos de recuperação no Brasil somem, atualmente, 70 mil hectares. Mas afirma que a lista deverá crescer. 

Por meio do "Paisagens Sustentáveis", por exemplo, a pretensão é recuperar 28 mil hectares nos próximos seis anos, o que deverá demandar um aporte de US$ 60 milhões (R$ 198 milhões) junto ao GEF, principal fundo de financiamento ambiental no mundo. 

Também foi lançada uma chamada pública da ordem de R$ 200 milhões para recuperação da vegetação na Amazônia. "Espera-se (com isso) de 15 mil a 20 mil hectares ou mais sendo financiados", diz, ressaltando que, "na história do país, recuperar a vegetação nunca esteve em uma agenda prioritária", mas que "o assunto começou a se tornar importante" ao ser posto como compromisso dentro do Acordo de Paris e ao ser objeto de novas políticas. 

"Essa iniciativa da Conservation International, se olharmos outras que estão em execução, é bastante robusta, porque promover a recuperação da vegetação nativa não é algo simples e fácil, que vai acontecer da noite para o dia", diz Schimitt. "Então, a exemplo dessa iniciativa, o que a gente quer é fomentar outras dessa natureza ou ainda maiores para que, gradativamente, possamos atingir os resultados almejados". 

Por que preservar e reflorestar importa?

Pós-doutor em Ecologia e Gestão da Biodiversidade, Rodrigo Medeiros, da Conservation International, explica que manter a floresta em pé traz benefícios como a regulação do clima do planeta e do ciclo hidrológico - o movimento contínuo da água dos oceanos, continentes (superfície, solo e rocha) e na atmosfera. 

"Cada hectare de floresta restaurada funciona como uma espécie de bomba dupla que ao mesmo tempo absorve carbono da atmosfera, reduzindo os efeitos das mudanças climáticas, enquanto bombeia para a atmosfera milhares de litros de água, sob a forma de vapor, essencial para a manutenção do regime hidrológico do continente", explica. 

A retirada de árvores contribui para tornar o clima "inóspito", segundo os especialistas, e pode transformar grandes extensões territoriais do Brasil em desertos.

"Devemos lembrar que aproximadamente 60% das chuvas que caem sobre o Sudeste, Sul e Centro Oeste são provenientes da Amazônia. E sem floresta a chuva não alcança tais regiões", diz o pesquisador Rodolfo Coelho Prates.


Zerar

Mas mais importante do que recuperar a vegetação é zerar o desmatamento, reforça o pesquisador. Mas ele opina que o ambiente atual não conspira a favor disso.

"Atualmente, é possível observar que, no ambiente institucional, o setor ruralista enfrenta um momento favorável, que reflete em segurança jurídica e políticas voltadas ao setor. Isso propicia o aumento do desmatamento", afirma.

Ele faz referência, por exemplo, ao "Novo Código Florestal, que anistiou desmatamentos anteriores e flexibilizou restrições, principalmente a área de reserva legal; o perdão de dívidas previdenciárias (Funrural) - o que eleva a capacidade financeira dos produtores potencializando a expansão das atividades e, consequentemente, elevando o desmatamento - e mudanças na legislação trabalhista". 

Na visão do especialista, políticas públicas ligadas à questão envolvem ações para coibir o desmatamento ao mesmo tempo em que, de outro lado, o levam a avançar. Como exemplo do que gera a expansão das áreas desmatadas, ele cita o crédito rural e gastos para ampliação do sistema rodoviário que possibilitam, segundo o pesquisador, o avanço e a penetração de atividades econômicas em áreas que não alcançavam. 

"Mas o maior problema na Amazônia é em relação aos direitos de propriedade. Pelo fato dos direitos não estarem bem definidos, há um imenso conflito pelas terras e suas riquezas minerais e florestais, envolvendo indígenas, ribeirinhos, madeireiros e grandes produtores rurais", diz, acrescentando que "os dois últimos grupos detêm capital e consequentemente poder econômico e poder político e têm grande interesse no desmatamento". 

Prates também analisa que o Planaveg, na sua concepção geral, não tem novidades em relação ao Plano Nacional de Florestas, de 2000, por exemplo. E aponta: "Apenas nesses 17 anos o desmatamento totalizou 452.302 quilômetros quadrados, o que representa uma área superior a todo o território da Suécia". "Portanto, é mais um que se soma a tantos outros planos ineficazes". 

Fonte original: BBC Brasil
Fonte: G1

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