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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O Brasil não está inteiro na COP21

Metas para redução de emissão de gases do efeito estufa foram definidas sem participação das comunidades da Amazônia; desmatamento e hidrelétricas ameaçam liderança brasileira


Por Juliana Arini, de A Pública

O Brasil sempre foi uma liderança mundial nas negociações do clima. Primeiro porque teve um papel de protagonismo para que a Convenção do Clima fosse assinada por 196 países no Rio de Janeiro, em 1992. O acordo, foco dos debates da COP21, reconheceu pela primeira vez o agravamento das mudanças climáticas por causa das atividades humanas que emitem gases do efeito estufa (GEE). Segundo porque o Brasil está no rol dos poucos países do mundo que conseguiu reduzir as suas emissões para os índices de 1990, enquanto as emissões mundiais cresciam 16,2% de 2005 a 2012.

O país manteve o papel de destaque na COP21 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que encerra na próxima sexta-feira no centro de eventos Paris-Le Bourget. A ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, foi escolhida pelo presidente da conferência, o chanceler francês Laurent Fabius, para ser cofacilitadora do acordo, juntamente com o ministro de Cingapura, Vivian Balakrishnan. Ambos devem integrar um grupo de trabalho com a missão de levar à votação um texto de 48 páginas que na segunda-feira passada ainda continha mais de 900 tópicos sem acordo entre os negociantes.

Os desafios são enormes. Nos melhores cenários do IPCC, as emissões provenientes das atividades humanas deveriam estabilizar-se em 3.670 toneladas de CO2 até 2100.  Mas até 2011 já emitimos 2.670 toneladas, restando na conta apenas 1.000 toneladas de saldo se quisermos evitar o perigo que representa para o planeta um aquecimento superior a 2 graus. E é nesse ponto crucial que o Brasil deixou de se destacar na COP21. Os compromissos de todos os 191 países que deram Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas (INDCs) foram qualificados pelo Pnuma “como modestos e insatisfatórios”. Incluindo o Brasil. Somando tudo o que os países estão dispostos a fazer até 2030, o resultado projetado ainda seria de um aumento de temperatura de 3,5 graus até o fim do século.  Bem acima do limite considerado seguro.

“Considerando que o mundo atual está baseado em uma economia do carbono – o que envolve muito consumo de carne, transporte urbano movido a combustíveis fósseis, geração de energia por termoelétricas e queima de florestas – no ritmo atual, teremos estourado a cota do carbono já em 2035”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do Observatório do Clima no Brasil,  uma rede de pesquisadores e integrantes do terceiro setor que debatem e articulam estratégias para o enfrentamento das mudanças climáticas no contexto brasileiro.

Um desastre que afetará a agricultura e provocará diversas catástrofes climáticas, como a elevação do nível dos oceanos, a intensificação dos extremos climáticos, com muitas tempestades tropicais, secas, enchentes, ciclones e furacões. O IPCC estima que, esse cenário ocorrer, teremos 200 milhões de refugiados do clima no mundo até 2050 – um Brasil inteiro de imigrantes formado basicamente pela população mais pobre e vulnerável do mundo.

As metas propostas pelo Brasil
No caso da proposta brasileira, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil deve reduzir suas emissões absolutas em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo 2005 como ano-base. Os compromissos envolveram mudanças na matriz energética, no setor florestal, no uso da terra.

No INDC do Brasil, até 2030 a matriz energética brasileira deverá ter um aumento de 18% de participação de bioenergia. Isso inclui o uso de biocombustíveis – etanol e combustível de oleaginosas e biocombustíveis de segunda geração – e o aumento do biodiesel na mistura do diesel.

No setor de geração de energia elétrica, a proposta estima que a contribuição das energias renováveis deva ter uma participação de mais 5% na atual matriz energética nacional, indo dos atuais 40% para 45% até 2030. Isso inclui manter o ritmo de contribuição das hidrelétricas e expandir a oferta de fontes renováveis de 28% para 33% até 2030. E, também, aumentar o uso doméstico de fontes renováveis para até 23%, como a inclusão de energia eólica e solar, além das hidrelétricas. Outro ponto importante seria o aumento da eficiência energética em 10% até 2030.

No setor florestal e de mudança do uso da terra, existe o compromisso de fortalecer o cumprimento do Código Florestal em âmbito federal, estadual e municipal. E políticas e medidas para alcançar, apenas na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030. Também há o compromisso de compensar as emissões de gases do efeito estufa do desmatamento legal, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030.

No setor agrícola, as principais medidas foram a restauração adicional de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e a adesão de 5 milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas (iLPF) até 2030.

Para a indústria e o transporte, o Brasil não se comprometeu com metas objetivas e/ou quantitativas. O texto do INDC nacional diz apenas que o país deve promover o uso de tecnologias limpas e ampliar medidas de eficiência energética e de infraestrutura de baixo carbono. Para o transporte, há a indicação de promoção de medidas de eficiência e melhorias na infraestrutura de transportes e no transporte público em áreas urbanas.

O Brasil comprometeu-se também em colocar em atividade um mecanismo de REDD+ seguindo os requisitos da Convenção do Clima.  Esse mecanismo será criado pela Comissão Nacional de REDD+, implementada pelo Decreto 8.576/2015.

REDD+ no Brasil
 O mecanismo de REDD+ é uma das propostas que dividem opiniões entre o terceiro setor e governo brasileiro durante a COP21. O mecanismo envolve uma estratégia em discussão na Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas (UNFCCC) que oferece incentivos (compensações) para os países em desenvolvimento reduzirem emissões de gases que provocam o efeito estufa provenientes de florestas e investirem em desenvolvimento sustentável e práticas de baixo carbono para o uso da terra.

 A sigla REDD (Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal) vai além de desmatamento evitado e recuperação de florestas. O sinal + inclui a conservação, o manejo sustentável e o aumento de estoques de carbono nas florestas.

 Apesar de não haver um consenso mundial sobre o tema, há duas novidades sobre REDD+ no Brasil. A primeira foi a criação de uma Comissão Nacional de REDD+ pelo Decreto 8.576/2015 – quatro dias antes da COP21 –, e a segunda, a publicação da Portaria 370/2015 pelo Ministério do Meio Ambiente, que contém a chamada Estratégia Nacional de REDD+. A estratégia é um dos requisitos exigidos pela Convenção para acessar recursos para REDD.

 A participação desproporcional de membros dos governos federal (8), estaduais (2), municipais (1) e sociedade civil (2) é uma das principais críticas à proposta nacional de REDD+. “Esse problema ocorre especialmente na sociedade civil, pois há pelo menos cinco blocos de atores importantes para REDD+ nesse segmento, incluindo povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações não governamentais, setor empresarial e academia. No entanto, há apenas duas vagas para representar todo esse grupo com interesses nem sempre comuns”, afirma Brenda Brito, pesquisadora do Instituto Homem do Meio Ambiente (Imazon).

 Uma solução para essa questão seria seguir a mesma regra do comitê orientador do Fundo Amazônia (Cofa). Nesse modelo está prevista a votação em bloco entre os segmentos; ou seja, o governo federal tem apenas um voto, assim como os outros grupos. “No entanto, como o decreto que criou a comissão não prevê essa regra, será mais difícil aprová-la depois”, afirma Brenda.

 A falta de participação da sociedade civil é outro problema apontado por ela. Apesar de várias propostas consistentes terem sido apresentadas ao governo federal desde 2009, o texto da estratégia indica que a Comissão terá o papel de eleger os critérios de acesso a recursos e também de uso. “Ou seja, ao longo dos últimos anos o MMA criou diversos grupos de trabalho para discutir esse tema, mas na prática as contribuições foram desconsideradas, e será criada uma espécie de novo grupo de trabalho [a comissão] para discutir tudo novamente”, diz Brenda.

Fora do mercado internacional
A estratégia de REDD+ não estabelece a criação de um fundo. Esse processo será decidido pela Comissão de REDD+. A princípio, o decreto que criou a comissão estabelece que não será permitida a utilização de créditos de REDD+ em mercados internacionais regulados, ou seja, para contribuir com redução de emissões de outros países.

No entanto, ele não impede que seja estabelecido um mercado doméstico de redução de emissões (por exemplo, entre estados) em que créditos de REDD+ sejam utilizados.

“No entanto, não houve ainda no Brasil uma discussão qualificada sobre esse tema, e a forma como o decreto proibiu acesso a mercados internacionais de REDD+ sem discussão prévia acabou desagradando grupos no país que veem essa opção com interesse”, conclui Brenda.

 REDD+ dos índios
A proposta nacional, ainda em construção, também desagrada os povos indígenas. Segundo Adriana Ramos, coordenadora do programa de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), os povos indígenas propõem outro tipo de instrumento para REDD+. Eles defendem o estabelecimento de um fundo.

“A Coica [Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica] tem defendido que REDD+ tem que ir além do carbono e incluir os outros serviços florestais. Eles defendem REDD+ como financiamento público, não vinculado ao crédito de carbono, no mesmo modelo do atual Fundo Amazônia”, explica Adriana. “A grande contradição é o que o governo brasileiro não reconhece o fundo como um mecanismo de REDD, porém a Noruega, a principal doadora, divulga o fundo como uma das maiores iniciativas de REDD do mundo.”

Quem ficou de fora?
Um dos primeiros pontos de fragilidade do INDC brasileiro foi a ausência de consulta pública. A proposta foi apresentada pouco tempo antes da COP21, e as contribuições para sua elaboração só ocorreram através de uma plataforma, mediada pelo Itamaraty, na qual universidades, a sociedade civil organizada e a população contribuíram livremente, porém sem acesso ao texto final do INDC.

“Foi uma proposta totalmente unilateral. A consulta foi aberta depois da COP20 de Lima, no Peru, e fechada antes de junho de 2015, e ocorreu apenas através de um monte de perguntas a serem respondidas. Ninguém viu o texto final ou opinou diretamente sobre ele”, afirma Tasso Azevedo, do Observatório do Clima.

Para Azevedo, um ponto positivo do compromisso nacional é o fato de a proposta apontar para uma meta absoluta, que envolve todas as emissões anuais do país. Outros pontos destacados é que ela não está condicionada a recursos financeiros ou a índices de crescimento, e o Brasil propôs uma temporalidade de revisão dos seus compromissos a cada cinco anos (estes devem sempre subir, de acordo com o mecanismo do INDC).

O grande problema da proposta seria a sua insuficiência diante do desafio das mudanças climáticas. “Acreditamos que o Brasil deveria assumir um compromisso de reduzir suas emissões anuais para 1 bilhão de toneladas de CO2, sendo que hoje emitimos 1,5 bilhão, e a proposta fala de 1,2 bilhão”, afirma Azevedo.

Desmatamento na Amazônia
A redução do desmatamento em até 80% em relação a 2004 é a grande responsável pelos dados positivos nacionais quando o tema é redução das emissões. Porém, o cenário de controle dos últimos três anos já apresenta fragilidades e pode ser um alerta para uma possível ineficiência do INDC proposto pelo Brasil.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que houve um aumento de 16% no desmatamento no último ano.  Segundo a estimativa do sistema Prodes, do Inpe, o desmatamento da Amazônia subiu 16% entre agosto do ano passado e julho deste ano, na comparação com o período de agosto de 2013 a julho de 2014. Foram derrubados 5.831 km² de floresta apenas na Amazônia, desconsiderando-se os biomas Cerrado e Mata Atlântica.

O MMA afirma que o aumento de 16% no desmatamento não era desejado, tampouco esperado, mas não compromete de forma alguma a meta estipulada no INDC nacional. O aumento das derrubadas também não comprometerá a meta de desmatamento de 3.925 km2 para 2020, de acordo com o ministério.

Segundo a assessoria do MMA, o número divulgado pelo Prodes também poderá ser alterado. “Os Estados não divulgaram os números relativos ao que é desmatamento ilegal e o que é supressão de vegetação. Se tivéssemos isso, com certeza anunciaríamos um número menor”, afirmou Luciana Abade, assessora da ministra Izabella Teixeira.

Uma das surpresas da COP21 foi o anúncio do governo do Mato Grosso de zerar todo o desmatamento ilegal do estado até 2020. A proposta lançada na segunda-feira (7) constrangeu o MMA, que se comprometeu em zerar as derrubadas ilegais apenas em 2030.

Segunda a proposta lançada pelo governador Pedro Taques, com um investimento total de R$ 39 bilhões, em 15 anos será possível alcançar essa meta. Os recursos virão dos governos estadual e federal, fundos de investimentos estrangeiros e iniciativa privada. “Esse é um plano de Estado, e não do governo do Mato Grosso. E, para dar certo, será necessária a união de diversos setores”, declarou Pedro Taques durante o evento de lançamento da proposta, em Paris.

A meta pretende barrar a retomada do desmatamento no estado verificada no último ano, que totalizou 40% a mais, atingindo 1.508 km² de floresta, segundo dados recentes divulgados pelo MMA. A estratégia “Produzir, conservar e incluir” também propõe a redução de emissões de CO2 em 6 gigatoneladas até 2030.

Especulação fundiária
O enfraquecimento das políticas nacionais de combate ao desmatamento seria a causa do cenário atual. “Na Amazônia, o desmatamento ainda ocorre por conta da especulação fundiária. Desmatar ainda é um instrumento de posse”, explica Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que também monitora o desmatamento na região.

Outro ponto importante para controlar a situação seria investir em políticas de controle das derrubadas nos assentamentos de reforma agrária, a segunda causa do desmatamento segundo o Imazon. “A própria ministra do Meio Ambiente reconheceu que o padrão mudou e que as derrubadas ocorrem em pequenas áreas hoje. E pelo nosso monitoramento cerca de 30% dessas derrubadas estão ocorrendo nos assentamentos”, diz Barreto.

A solução seria investir em sistemas de regulamentação fundiária, como melhor fiscalização do Imposto Territorial Rural (ITR). O imposto foi criado justamente para evitar a grilagem, mas hoje é autodeclaratório e possui distorções gigantescas. Os dados sobre quanto é sonegado são alarmantes. “Este ano no Pará foram arrecadados R$ 5 milhões. O Imazon fez uma análise do potencial de arrecadação de 55% da área tributária no estado, e, se o ITR fosse cobrado de forma correta, o valor de arrecadação seria R$ 250 milhões. Grilar e desmatar ainda é um bom negócio”, diz Barreto.

No caso dos assentamentos, a solução seriam políticas que poderiam induzir e apoiar seus moradores no reflorestamento, o que pode ser uma oportunidade para o cumprimento da meta do INDC de recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. “O Brasil possui muito espaço para isso. No caso, o compromisso foi modesto. No país todo, existem mais de 50 milhões de hectares de pastos abandonados. É nessa região que podemos investir em reflorestamento”, diz Barreto.

Hidrelétricas
No entanto, todas essas propostas acabarão fragilizadas se não houver integração entre as ações de todos os ministérios. Os megaprojetos na Amazônia, sobretudo hidrelétricas, ainda são grandes indutores de desmatamento. “Basta buscar os mapas recentes do Imazon e você verá que, na faixa contínua das novas hidrelétricas de Belo Monte [PA] e Santo Antônio [RO], estão os novos desmatamentos da Amazônia. O combate ao desmatamento precisa incluir ações para evitar que essas obras continuem desencadeando novas derrubadas”, conclui Barreto.

“O governo decidiu construir essas novas hidrelétricas na Amazônia, porém não criou política alguma para evitar o desmatamento. Não foram criadas áreas protegidas nem alternativas econômicas, muito menos intensificadas as ações de comando e controle. O pior é chamar uma hidrelétrica na Amazônia, que impulsiona o desmatamento, de energia limpa”, alerta Tarcísio Feitosa, consultor do Ministério Público e um dos autores do relatório do Imazon que aponta os riscos do desmatamento gerado pela hidrelétrica de Belo Monte.

“Em 2014, nessa mesma data, havia 3 mil focos de calor no Pará, hoje têm 8 mil focos de calor. Todas as florestas do Pará estão cobertas de fumaça. De Tucuruí a Belém está tudo pegando fogo. Os aeroportos de Marabá e Tucuruí estavam fechados por conta da fumaça. A situação é alarmante”, destaca Feitosa.

A criação de políticas públicas que invertam a lógica do desmatamento seria um ponto crucial para mudar essa realidade. “Acho interessante que, em discussões como da COP21, não há nada que aponte para esse caminho, enquanto as pessoas que vivem na floresta e cuidam dela não receberem incentivos para manterem o seu modo de vida. Eles vão continuar sendo expulsos dessas áreas por grileiros, e o desmatamento continuará crescendo, pois é o caminho mais lucrativo”, diz Feitosa.

Segundo dados do Imazon, a lógica de ocupação atual da Amazônia é uma das mais ineficientes do ponto de vista da queima de carbono. O que emitimos e ganhamos de retorno (lucro) é uma das piores contas que existem no Brasil.

Refugiados do clima
Uma das propostas debatidas na COP21 é justamente a criação de  mecanismos de apoio às populações atingidas pelas mudanças climáticas. No texto que será votado nos próximos dias pelos chefes de Estado que estão em Paris, está previsto um fundo de US$ 100 bilhões para adaptação às mudanças climáticas e a transferência de tecnologias limpas. O apoio aos refugiados do clima ocorreria também por meio de fundos que, por exemplo, poderiam ajudar a reduzir o desmatamento nas florestas tropicais.

As secas dos anos 2005 e 2010 revelaram o grau de desamparo dessas populações. “Eles migram toda vez que as condições de vida ficam difíceis e acabam na periferia das cidades da Amazônia. Em Rondônia, por exemplo, os peixes não subiram as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, como era previsto no projeto. E esse povo que vivia do peixe para pescar ou como fonte de proteína já está migrando”, alerta Rubens Gomes, diretor do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).

Gomes, porém, vê com desconfiança a ideia de que um fundo possa solucionar os problemas dos atingidos pelo clima no Brasil. “Hoje não há a menor chance das comunidades acessarem o Fundo Amazônia, por exemplo. Se você analisar hoje, a maioria esmagadora dos projetos aprovados é proposta pelo governo. O dinheiro vai justamente para ações institucionais, e não para os povos da região”, explica Gomes. “Nós estamos lutando desde o início pra criar instrumentos e mecanismos – há experiências piloto –, mas ainda há um regramento muito severo, as regras do banco são duras e impossíveis para pequenas associações. Se essa mesma lógica for aplicada a esse fundo do clima, o que teremos é muita pouca eficácia em atendimento direto aos mais atingidos e vulneráveis às mudanças climáticas.”

Para um dos representantes dos povos indígenas brasileiros na COP21, o líder André Baniwa, o modelo correto desse tipo de fundo deveria justamente conter possibilidades de acesso múltiplo. “Os povos indígenas apresentaram uma proposta de criação de fundo específico para enfrentamento de mudanças climáticas que possibilite o uso integrado segundo o princípio de originalidade de entendimento e da vida dos povos indígenas. Pois, nas outras formas indiretas de fundos, como as que tempos hoje, os povos indígenas pouco acessam. Há muita burocracia”, diz.

Aquecimento para quem, cara-pálida?
Para Baniwa, que foi à COP21 justamente apresentar dados de monitoramentos feitos pelas populações de sua região, o aquecimento global já é uma realidade. “Os povos indígenas do rio Negro e povos indígenas do Xingu que se juntaram aqui vêm nas últimas décadas desenvolvendo uma parceria com a Aliança pelo Clima, da Áustria [Brasil/Áustria], e com a Noruega no âmbito de mudanças climáticas. Foi nesses monitoramentos que saíram os casos concretos, como do Xingu sobre queima da floresta e outros que foram tratados no documentário Para onde foram as andorinhas?, diz Baniwa.

“O povo do rio Negro falou da sua percepção política sobre mudanças climáticas e os problemas enfrentados no Brasil sobre os direitos indígenas, uso e importância das florestas e os resultados da pesquisa intercultural [pesquisadores indígenas – povo Tukano, Dessano e Tuyuka do rio Tiquié], demonstrando como o sistema de vida indígena do rio Negro já é afetado pelas mudanças climáticas.” O documentário e os resultados do estudo “Ciclos anuais do rio Tiquié” foram apresentados em um evento realizado pelo Instituto Socioambiental, no Espaço do Clima da Sociedade Civil na COP21.

Modelo de desenvolvimento

Indígenas e outros movimentos sociais da Amazônia criticam a falta de ambição das metas no texto do INDC nacional e, principalmente, o fato de apontar a necessidade de transição para uma economia de baixo carbono sem tocar no modelo de desenvolvimento. Nos tópicos transporte e cidades, as medidas são vagas ou estão ligadas ao aumento das monoculturas de cana-de-açúcar e oleaginosas, o que, sem o devido controle, pode induzir mais desmatamento. Nesse ponto, a Bolívia é o único país que estabelece claramente em sua proposta o modelo econômico como indutor das emissões.

“Durante a Rio+20, em 2012, fizemos um debate árduo para incluir no documento da convenção mecanismos de proteção aos povos da floresta, mas tudo foi retirado do documento votado. Esse é um dos problemas de todas as COPs.  Elas são sempre uma discussão pautada na economia e na política. E isso impede qualquer mudança real”, diz Rubens Gomes.

Para Adriana Ramos, coordenadora do programa de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental, a mudança no modelo de desenvolvimento terá de vir através dos próprios mecanismos da COP21, em que já há consenso sobre a necessidade de o mundo construir uma economia de baixo carbono.

“O que existe é o modelo atual, não há outro que aponte esse caminho. O ponto positivo é que podemos perceber que dentro da COP existem outras questões surgindo que serão a base dessa proposta. Questões que tocam justamente no consumo e na produção ilimitada. Isso tudo acaba inserido também na discussão do clima. Acho que o caminho será lento, mas poderá vir justamente dessa discussão sobre o carbono e a necessidade de novos modelos de civilização”, afirma Adriana. “Porém, as propostas que vemos hoje nas mesas de negociação ainda não incluíram os povos tradicionais do planeta.”

“Não dá para ter uma expectativa positiva neste contexto, muito menos para povos indígenas, que historicamente vêm sendo e continuam como problema na visão do Estado brasileiro. Evidente que nos traz a certeza de não parar e continuar lutando como os povos indígenas vêm fazendo no mundo inteiro. O Brasil precisava ter um posicionamento livre, segundo sua consciência, para o bem da sua nação, não ficar cobrando os outros. Assim deveriam ser outros países também, porque tem a ver com o futuro da humanidade. Fazer uma política – estou fazendo, mas você também tem que fazer – é não ter protagonismo, é não se propor como modelo a ser seguido. A proposta que vemos aqui foi formulada pensando no governo, não no Brasil”, conclui André Baniwa

Fonte: EcoDebate

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