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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Olimpíada? Não, obrigado

Como uma campanha popular enfrentou um poderoso lobby de empresários e ajudou a derrubar a candidatura de Boston para sediar os Jogos Olímpicos de 2024


Por Giulia Afiune, para a Agência Pública –

Faltando apenas seis meses para os Jogos Olímpicos de 2016, o Rio de Janeiro chegou aos assuntos mais comentados no Twitter por causa da poluição na baía de Guanabara – ao mesmo tempo em que pesquisadores da Universidade de Nova York chegaram a pedir que a Olimpíada fosse adiada ou até mesmo cancelada por causa da epidemia de Zika.

Sediar uma Olimpíada pode ter sido uma grande glória no passado, mas tem se tornado um fardo político e econômico que cada vez menos cidades estão dispostas a carregar.

Há um ano, Boston, no estado de Massachusetts, costa leste dos Estados Unidos, contemplava a possibilidade de realizar os Jogos Olímpicos de 2024 em sua região metropolitana. Parecia uma boa ideia levar o megaevento para um local onde o amor pelos esportes é visível por todo lado: em bares lotados durante partidas de futebol americano dos New England Patriots, em outdoors que estampam o time de basquete Boston Celtics ou nos incontáveis bonés de beisebol dos Red Sox vistos no metrô na hora do rush.

No entanto, a perspectiva de uma Olimpíada em Boston teve vida curta. Em janeiro de 2015, o município foi escolhido pelo Comitê Olímpico Americano (United States Olympic Committee, o USOC) para representar os Estados Unidos no concurso global para a cidade-sede de 2024. Sete meses depois, o USOC mudou de ideia.

O índice de apoio entre os moradores da região havia caído de 51% em janeiro para 40% em julho. Já a rejeição tinha aumentado de 33% para 53%, segundo pesquisas de opinião.

A intensa discussão que ocorreu na cidade nesse período ficou cristalizada em um debate organizado no dia 23 de julho de 2015 pelo jornal Boston Globe e pela emissora de TV Fox25. De um lado, estavam representantes do Comitê Olímpico americano e do Boston 2024, grupo privado de influentes executivos que estava por trás da candidatura (confira aqui). Para eles, a Olimpíada significava uma chance de criar empregos, atrair investimentos privados e catalisar o desenvolvimento da cidade. Do outro lado, estava um jovem membro do No Boston Olympics, o mais influente grupo de oposição ao plano, e também um economista que estuda os meandros financeiros das Olimpíadas (veja aqui). Ambos argumentavam que não valia a pena sediar os jogos: os recursos públicos deveriam ser investidos em áreas mais importantes para a cidade.

Quatro dias depois, ficou claro quem venceu o debate. Era o fim da candidatura de Boston.

O plano do Boston 2024

A possibilidade de realizar a Olimpíada na cidade começou a ser explorada em 2012. O plano ganhou fôlego no fim de 2013, quando chegou às mãos do empresário John Fish, CEO da Suffolk Construction, a maior empreiteira de Boston e uma das maiores empresas privadas dos Estados Unidos. Sob a liderança de Fish, foi formado o Boston 2024, um grupo privado de altos executivos ligados à construção civil, ao mercado financeiro e ao mercado dos esportes, que elaborou e sustentou a proposta para a Olimpíada.

No começo, tinham apoio de figuras influentes como o ex-governador de Massachusetts e candidato republicano à presidência em 2012, Mitt Romney; a Massachusetts Competitive Partnership, que reúne CEOs de diversas empresas do estado; e Steve Pagliuca, um dos donos do time de basquete Boston Celtics – que mais tarde substituiu Fish como presidente do conselho do grupo.

Segundo o Boston 2024, a Olimpíada em Boston seria econômica, rentável e inteiramente financiada com recursos privados. O plano iria reduzir o número de obras necessárias aproveitando estruturas esportivas e alojamentos já existentes nas 35 universidades espalhadas pela cidade. Para evitar “elefantes brancos”, o estádio olímpico e a vila dos atletas seriam erguidos como estruturas temporárias e depois transformados em conjuntos habitacionais.

Para sediar os jogos, eram necessárias algumas melhorias em infraestrutura, como transporte público e obras viárias, mas o Boston 2024 dizia que estas já estavam planejadas e financiadas com recursos públicos.

Mudando a conversa

O que o Boston 2024 não antecipou foi o barulho causado pela oposição, formada por acadêmicos e dois principais grupos de ativistas: o No Boston 2024 e o No Boston Olympics, que se tornou mais influente.

O No Boston Olympics nasceu no fim de 2013, em uma conversa informal entre amigos na sala de um apartamento em um bairro nobre no centro de Boston. Chris Dempsey, Conor Yunits e Liam Kerr, o dono do apartamento, estavam incomodados com o discurso positivo que a mídia divulgava sobre a Olimpíada – e decidiram se organizar para oferecer um contraponto.

“A gente precisava fornecer um ponto de vista alternativo, que não estávamos ouvindo de mais ninguém”, conta Kelley Gosset, de 35 anos, que se tornaria codiretora do No Boston Olympics. “Fomos tomar um café em uma manhã de domingo para discutir estratégias, o que nós poderíamos fazer para divulgar nossas ideias de forma mais efetiva e como argumentar de forma persuasiva.”

O pequeno grupo trabalhou sem parar pesquisando os efeitos dos Jogos Olímpicos em cidades-sede. “As pessoas não são necessariamente especialistas nas Olimpíadas – nós também não éramos. Eu mesma não sabia que não gostava das Olimpíadas”, conta Kelley. O principal objetivo do grupo era oferecer ao público informações e análises qualificadas sobre os jogos, para que tirasse as próprias conclusões. “As pessoas estavam sedentas por informações que nós estávamos felizes em fornecer”, resume.
Ela conta que ouvia muitas críticas no começo. “As pessoas diziam ‘Você não devia fazer isso’, ‘Essa é uma má ideia’, ‘Isso vai prejudicar sua carreira’”. No entanto, isso não a impediu de seguir em frente. “Eu sentia que era a coisa certa a se fazer.”

O No Boston Olympics era contra o evento principalmente por causa do alto custo pago pela população. “Todas as Olimpíadas nos últimos 60 anos custaram mais do que o previsto no orçamento. Esses são recursos públicos escassos e preciosos que poderiam ser mais bem utilizados em áreas mais importantes, como educação, habitação e transporte, em vez de em um evento de três semanas”, diz Kelley.

Cheque em branco

Ainda que o plano do Boston 2024 previsse só recursos privados, o Comitê Olímpico Internacional exige que as cidades-sede paguem pelos gastos acima do previsto – uma espécie de cheque em branco assinado pelos contribuintes. A exigência do COI está no contrato firmado com a cidade-sede e funciona como uma garantia de que a Olimpíada vai acontecer, mesmo que à custa da população.

O economista Andrew Zimbalist, autor do livro “Circus Maximus: O jogo econômico por trás das Olimpíadas e da Copa do Mundo”, estimou em um artigo publicado na revista da Universidade Harvard que cada Olimpíada custa, em média, 252% a mais do que o previsto. Os jogos de Londres de 2012, por exemplo, custaram US$ 18 bilhões, e a previsão inicial eram U$S 6 bilhões. Segundo ele, isso acontece porque as cidades-sede apresentam propostas com orçamentos baixos demais para ganhar o apoio do público – que irá pagar o excesso depois.

“O orçamento foi pensado assim para parecer que os jogos seriam acessíveis e que não haveria déficits para a população cobrir”, avalia ele, sobre a proposta de Boston. “[O Boston 2024] precisava de apoio político do governador e da atual legislatura e precisava que os cidadãos fossem a favor do plano. Para convencê-los, tentaram fazer parecer que o plano era economicamente viável, mas ele nunca foi”, analisa o economista em entrevista à Pública. Ele criticava, por exemplo, a proposta de construir estruturas esportivas temporárias. “Em teoria, a justificativa para sediar a Olimpíada é que você gasta muito dinheiro, mas depois você fica com coisas que você quer e precisa. Se elas são todas temporárias, não sobra nada”, resume.

Além dos US$ 4,7 bilhões de custos operacionais que viriam do Boston 2024, eram esperados US$ 3,4 bilhões da iniciativa privada para as obras, US$ 1 bilhão do governo federal para cobrir custos de segurança e US$ 5,2 bilhões que seriam direcionados para obras de infraestrutura que já estavam previstas no orçamento da cidade e do governo do estado. “Não dava para acreditar nos números. Na primeira versão do plano, eles diziam que US$ 5,2 bilhões seriam gastos em infraestrutura. Mas o líder do comitê de transportes da Câmara dos Deputados disse que seriam necessários cerca de US$ 13 bilhões”, acrescenta Zimbalist.

Robert Boland, professor de Administração em Esportes da Universidade de Ohio, acredita que o Boston 2024 não conseguiu deixar claros os potenciais benefícios de sediar a competição. “Um dos desafios para vencer o concurso e sediar um megaevento é identificar o bem público que isso trará. E também é preciso constatar as vantagens concretas que isso trará no longo prazo”, ele explica. No caso de Boston, diz, “claramente não havia um plano atraente para as pessoas”.

“Outro grande problema foi que, quando Boston foi escolhida pelo USOC, o plano para os Jogos Olímpicos não tinha sido divulgado. Então ninguém sabia o que eles iam fazer. Era só ‘acredite na nossa palavra, nós temos um bom plano que não vai custar dinheiro público’”, diz Zimbalist. Os documentos que detalhavam o plano foram divulgados pouco a pouco, graças à pressão da população, de políticos locais e da mídia, que fez vários pedidos por meio da lei de acesso à informação americana.

No Boston Olympics: ativismo online e presencial

Enquanto o Boston 2024 escondia seus documentos, a tática do No Boston Olympics era disponibilizar informações para jornalistas e para o público.

A conta no Twitter e a página no Facebook estavam sempre repletas de dados e análises. “As mídias sociais ajudaram a amplificar os argumentos que a oposição estava tentando trazer para um público maior”, observa Jules Boykoff, professor da Pacific University Oregon e estudioso dos movimentos sociais relacionados às Olimpíadas.
O grupo usou estratégias diversas para divulgar sua mensagem. “Nós ficamos associados com as mídias sociais, mas também escrevemos editoriais, fizemos comentários em rádio e em outros canais de comunicação, demos respostas para reportagens, demos informações para legisladores que tinham perguntas”, conta Gosset.

Boykoff diz que foi uma estratégia poderosa. “É impressionante como eles influenciaram a discussão nos círculos midiáticos tradicionais. Se você olhar a cobertura dos jornais Boston Herald, Boston Globe e outros, percebe pelo jeito que os jornalistas escreviam as matérias que eles estavam seguindo esses grupos no Twitter.” No entanto, essa estratégia foi combinada com táticas mais tradicionais, como reuniões com a população, prefeito, governador e até mesmo com o Boston 2024. “A mistura entre fazer ativismo online e comparecer a reuniões é parte do nosso momento contemporâneo”, diz Boykoff.

Walsh recua

A oposição vocalizada por ativistas, pelas redes sociais e pela mídia tradicional cresceu tanto que o Boston 2024 não podia mais ignorá-la. Em março de 2015, o grupo anunciou que faria um referendo sobre o tema. Mas não deu tempo. Em julho, mais da metade da população se dizia contra a realização da Olimpíada em Boston.

A falta de apoio deixou o prefeito Marty Walsh em uma situação desconfortável. Inicialmente defensor da Olimpíada, ele estava sendo pressionado para firmar o contrato de cidade-sede, o que selaria seu compromisso de que a população arcaria com todos os custos extras dos jogos.

Em 27 de julho, Walsh se recusou a assinar o contrato. “Eu não vou assinar um documento que arrisque nenhum dólar do dinheiro dos contribuintes para cobrir custos excedentes na Olimpíada”, disse à imprensa. Horas depois, o USOC e o Boston 2024 decidiram retirar a candidatura de Boston.

Ativismo anti-Olimpíadas no mundo

Depois do que aconteceu em Boston, o Comitê Olímpico Americano escolheu Los Angeles para representar os Estados Unidos no concurso para sediar os jogos de 2024. Também competiam Hamburgo, Roma, Budapeste e Paris.

No entanto, a oposição à Olimpíada está se espalhando e ganhando fôlego também nessas cidades. E o sucesso tornou o No Boston Olympics uma referência.

Em novembro do ano passado, Hamburgo decidiu que não iria mais ser a candidata alemã após um referendo mostrar que 52% da população era contra. O No Boston Olympics esteve lá em outubro de 2015, a convite dos ativistas alemães. “Foi maravilhoso. Nós discutimos a importância das mídias sociais, da pesquisa que nós criamos”, conta Kelley Gosset.

Já em Roma, o grupo de esquerda Radicali Italiani começou uma campanha no início deste ano para levar a questão para as urnas. Ativistas em Budapeste buscam o mesmo. “Eles entraram em contato com a gente”, revela a codiretora do No Boston Olympics. “Por enquanto, é uma conversa preliminar, e o interesse deles é no nosso trabalho, na nossa história e nas lições aprendidas. Essa conexão é importante porque dá continuidade a um mergulho nas análises sobre as Olimpíadas que permite um olhar crítico para os custos e benefícios para as cidades-sede.”

Para Jules Boykoff, a “atmosfera” que envolve os jogos tem mudado. “Esse é o legado da Olimpíada de inverno em Sochi, na Rússia, em 2014, quando o custo ultrapassou US$ 50 bilhões”, diz. “Há uma tendência clara de populações em potenciais cidades-sede de estarem mais conscientes dos possíveis lados negativos de sediar as Olimpíadas. As pessoas estão falando sobre isso. Mais pessoas estão tendo a chance de dizer: obrigado, mas não, obrigado.”

Fonte: Envolverde

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