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sexta-feira, 27 de setembro de 2013
"A escola poderia ensinar a arte de viver"
O filósofo Roman Krznaric atrai públicos numerosos para suas palestras sobre amor, trabalho e vida. Mas, apesar da popularidade, ele dispensa formalidades.
Senta-se no sofá do lobby de um elegante hotel na avenida Paulista, oferece um café e começa a falar com as pessoas que ele acabara de conhecer como se fossem velhos amigos. Fala sobre seus dias no Brasil, amigos em comum e já envereda para um de seus temas preferidos: o fato de os sistemas educacionais dos quais fez parte, como aluno ou como professor, não o terem preparado para a vida.
“Vamos para a escola ou universidade e não aprendemos sobre as coisas que mais nos preocupam na vida, como a forma de construir relacionamentos, de lidar com problemas familiares ou de escolher a carreira”, diz o australiano que passou parte da vida em Hong Kong e atualmente está radicado em Londres.
É principalmente na capital inglesa que Krznaric tem posto em prática a resposta que ele e um grupo de outras pessoas deram para esse descompasso entre vida e escola. Ele começou na cozinha de casa, convidando amigos, depois amigos de amigos, depois amigos de amigos de amigos, para conversar sobre o amor. Daí, claro, a cozinha ficou pequena e os encontros passaram a ocorrer em locais públicos. Era o início da School of Life, ou Escola da Vida, instituição que dá aulas, oficinas e cria materiais sobre temas relacionados a trabalho, amor, família, política e diversão e que agora chega ao Brasil para trazer para cá oportunidades de discutir os dilemas do cotidiano.
O próximo evento da School of Life Brazil está marcado para domingo, no Rio de Janeiro, ocasião em que Krznaric vai falar sobre outro tema que lhe é muito caro, a empatia (as inscrições, que custam R$ 100 ). Ele é tão ligado ao tema que uma de suas maiores ambições na vida é criar o Museu da Empatia, espaço em que estranhos podem tentar se conhecer e estabelecer conexões, um pouco à luz de outra iniciativa que liderou, quando estava à frente da organização Oxfam Muse. Na época, ele promovia encontros um tanto inusitados: chamava grupos heterogêneos – 100 empresários e 100 moradores de rua, por exemplo – e promovia espaços em que representantes de cada um dos grupos pudesse ter conversas pessoais e profundas com desconhecidos sobre suas experiências com as diferentes formas de amor, com a morte ou algum outro tema existencial.
“Primeiro, eu achava que só poderíamos mudar a sociedade por meio de partidos políticos. Mas então eu comecei a entender que a melhor forma de transformar a sociedade era mudando a maneira como as pessoas se relacionam”, disse Krznaric, que além de professor universitário de sociologia e política, já experimentou – e adorou – ser jardineiro, é apaixonado por tênis e gosta de fazer móveis. Dentre os livros que já escreveu, Sobre a Arte de Viver (Zahar) e Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida (Objetiva) estão disponíveis em português. Além disso, mantém o blog Oustrospection, em que divide seus pensamentos sobre a empatia e a arte de viver.
Em conversa com o Porvir, Krznaric falou ainda sobre como ele imagina um modelo de escola tradicional que fosse capaz de abordar os assuntos “que realmente importam” e citou modelos bem sucedidos de trabalhos com empatia.
Veja os principais destaques da conversa.
Porvir - Como começou sua inquietação com os modelos tradicionais de ensino?
Roman Krznaric - Quando eu olho para a minha própria educação – graduação, pós, doutorado – eu a considero um fracasso porque eu não aprendi nela habilidades para a vida. Nós vamos para a escola e não aprendemos sobre as coisas que mais nos preocupam na vida, como a forma de construir relacionamentos, de lidar com problemas familiares ou de escolher a carreira, como pensar sobre a criatividade e seu potencial. Nada disso se aprende nos nossos sistemas de educação. Sempre achei que tinha alguma coisa faltando na minha própria educação.
Na minha jornada pessoal, eu era um acadêmico tradicional, ensinava sociologia na universidade. Mas a burocracia estava me deixando louco. Eu achava que só poderíamos mudar a sociedade por meio de partidos políticos. Mas então eu comecei a entender que a forma de transformar a sociedade era mudando a maneira como as pessoas se relacionam. Na forma como eu e você aprendemos uns com os outros, como nos colocamos no lugar do outro, como agimos com empatia, como você se compreende enquanto pessoa.
P - Pode dar um exemplo?
RK - Comecei a trabalhar com isso na Oxfam Muse. A ideia era criar momentos de conversa entre estranhos e cruzar limites sociais. Reuníamos 100 empresários com 100 moradores de rua. Os convidávamos para um jantar em qualquer lugar, num museu, num parque. Entregávamos menus. Não menus de comida, mas de conversa. Havia perguntas sobre aspectos humanos universais: o que você já aprendeu com as diferentes formas de amor na sua vida? De que forma você acha que pode ser mais corajoso? A ideia era criar conversas de 1 para 1, em que as pessoas podiam se conectar umas com as outras para ir além do papo superficial.
Fizemos esses encontros também em escolas entre estudantes de diferentes idades, entre professores e alunos…
Quando você tem 14 ou 15 anos, você pensa sobre tudo isso. Pode ser que você não tenha a linguagem ou espaço para falar sobre esses assuntos, mas todo mundo é especialista em sua própria experiência.
P - Qual era o propósito dessas conversas?
RK - Criar conexões. Quando você tem uma conversa legal com alguém, você sente que mudou um pouco, criou-se uma espécie de igualdade. Nas escolas, estamos sempre cercados de estranhos. O que as outras pessoas pensam são pontos obscuros para nós. Em empresas também. O diretor de uma empresa pode não saber que sua secretária é uma exímia cineasta. Existem muitas coisas que não sabemos sobre pessoas que estão próximas e assim se perde muito potencial. Conversas são importantes para abrir a cabeça das pessoas.
P - Isso foi o início da School of Life?
RK - Tive muitas conversas com pessoas sobre os diferentes aspectos da vida. Entendi que eu queria dar aulas sobre a arte de viver. Percebi que havia um tipo de educação que ainda não existia. E nós até sabemos muitas coisas sobre vida, amor e morte porque as pessoas estão pensando sobre isso há milhares de anos, mas sempre podemos aprender mais se entendermos o que as pessoas da Grécia Antiga pensavam sobre o amor, o que as pessoas do Renascimento pensavam sobre morte, como as pessoas no oeste africano pensam sobre relacionamentos, o que podemos aprender, que ideias podemos ‘roubar’.
P - Então você já tinha a ideia e era só começar?
RK - Eu não tinha um lugar. Aí minha mulher sugeriu que usássemos nossa cozinha no sábado seguinte. Chamei uns amigos para discutir, de manhã, como encontrar um trabalho que nos satisfaça e, de tarde, para repensar as ideias sobre o amor. Fui fazendo isso mais vezes e precisei sair da cozinha. Fui para espaços públicos e comecei a desenvolver uma metodologia sobre o que funcionava, que fosse um aprendizado pessoal e significativo.
Queria ensinar filosofia grega de um jeito que não fosse só teoria.
P - E como foi isso?
RK - Eu e outras pessoas desenvolvemos cursos em cinco grandes áreas da vida: trabalho, amor, família, diversão e política. Passamos um ano pesquisando, pensando, conversando com pessoas para definir essas cinco áreas.
Passamos dois anos desenvolvendo materiais, como as aulas seriam – mais do que um professor ir à frente e falar –, como seria a participação das pessoas, os debates, o tamanho das turmas, o material visual. Começamos a School of Life e foi um sucesso. Mais de 100 mil pessoas já vieram ouvir o que temos para falar. Fomos para outros países do mundo, agora estamos chegando no Brasil e na Austrália e vamos expandir para outros lugares.
Descobrimos uma espécie de ‘fome existencial’ e estamos agora em um momento de inflexão da história. Temos um nível recorde de insatisfação com a vida. As pessoas estão procurando por significado em suas vidas. É por isso que, mesmo que não saibam quem eu sou e o que eu faço, as pessoas comparecem para ver o que eu tenho a dizer sobre repensar o trabalho. Elas querem alguma coisa. A educação moderna está fracassando. Claro, existem muitas organizações como a School of Life que estão preocupadas com um aprendizado mais significativo, mas ainda é muito pouco. Educação para a arte de viver não existe para crianças e jovens na maior parte dos países.
P - Como você imagina uma escola que tenha um programa para ensinar a arte de viver?
RK - Imagine que, numa escola regular, uma tarde por semana seja dedicada para a aula de vida, com três componentes. Em um, é o aprendizado tradicional, na sala de aula e ensina, por exemplo, os seis tipos de amor da Grécia Antiga. O segundo seria de conversas. Os alunos sairiam às ruas para falar com estranhos, visitar casas de repouso para cegos. Essas conversas podem ser de muitas maneiras, inclusive on-line, em que se pode ter contato com crianças no Quênia. O ponto é ir além do papo superficial de duas linhas do Facebook. O terceiro componente seria destinado a experiências de diferentes tipos de vida. Poderia ser ajudar alguém a construir uma casa ou um voluntariado com pessoas muito diferentes de você. Eu adoraria ver as escolas oferecerem esse tipo de educação para a vida, mas também adoraria que as escolas ensinassem empatia.
P - Como funcionaria?
RK - A boa notícia é que 98% das pessoas têm a capacidade de desenvolver empatia, de se colocar no lugar do outro, ver o mundo pelos olhos de outra pessoa. Mas nós nem sempre usamos isso. Os outros 2% são psicopatas, pessoas com alguns tipos de autismo. Alguns acontecimentos na nossa vida erodem nossa capacidade de ‘empatizar’. A outra boa notícia é que empatia é uma habilidade que se pode aprender e se ensinar. Existem diferentes modelos de ensinar empatia. O mais famoso deles é o Roots of Empathy. Para mim ele é o melhor porque ele tem aqueles três passos sobre aprender, conversar e experimentar. Você coloca um bebê no centro de uma roda e as crianças interagem e falam sobre o bebê. Eles têm feito muitos estudos que mostram mudanças no comportamento das crianças. O programa torna as crianças mais empáticas, preocupadas com o outro, colaborativas, mas também as faz melhorar seus resultados em outras áreas, como autoconfiança e resiliência emocional. Mas há outros modelos.
Fonte: Mercado Ético
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