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sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Empoderamento e respeito à mulher durante o parto
Era começo de junho e tudo já estava encaminhado para o parto.
Completei 37 semanas de gestação na primeira semana daquele mês e, depois do pré-natal com a nossa obstetra, começamos a fazer as consultas na Casa de Parto de Sapopemba, em São Paulo (SP). Na primeira consulta veio a surpresa do melhor atendimento que já tínhamos recebido. Um ambiente carinhoso, elucidativo e de muito apoio, com enfermeiras claramente experientes e profissionais. Depois de uma pesquisa que durou toda a gravidez, na qual conhecemos as casas de parto, uma parteira e um hospital, havíamos decidido pela casa em Sapopemba.
Antes de ficar grávida já sabia que queria ter a experiência de um parto natural e humanizado, ou seja, queria fugir da lógica, disseminada no Brasil e combatida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de que o parto deve ser um procedimento cirúrgico (cesárea) ou submetido a diversos procedimentos que devem ser exceções, mas se tornaram rotina para agilizar o processo. Entre eles estão a injeção de um hormônio chamado ocitocina artificial, injetado durante o trabalho de parto (muita gente chama de soro) e que serve para a indução do parto, ou a episiotomia, que é um corte do períneo feito para prevenir lacerações e indicado pela OMS em raríssimos casos (não mais que 10%), mas se tornou rotina nos hospitais brasileiros. Ambos existem para enquadrar um parto normal na agenda do médico e do hospital, já que eles não querem esperar um parto natural tomar seu curso, porque, obviamente, quanto mais partos, mais grana.
Com essa ideia na cabeça, quando descobrimos que estávamos grávidos, decidimos procurar opções de parto humanizado. A primeira descoberta foi que, tcharan!, no Brasil, parto humanizado não é para todo mundo. Se você não tem uns bons milhares de reais para desembolsar, não terá seu filho com um parto humanizado em um ambiente hospitalar. Tem que escolher um ou outro. Seguimos então, com o apoio da nossa obstetra, para outras opções. Primeiro conhecemos a Casa Ângela, uma casa de parto privada muito boa (vale conhecer!), mas que também é paga para quem não é da comunidade atendida por ela, já que a gestão Kassab (ex-prefeito de São Paulo) negou o convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS)…
Fizemos também uma consulta com uma parteira, pensando no parto em casa, que nos deu grande segurança dessa possibilidade, mas também cobrava uma quantia alta. Seguimos então para uma visita na Casa de Parto de Sapopemba, um equipamento do SUS simplesmente fantástico, com a mesma infraestrutura da Casa Ângela e um ambiente acolhedor.
Durante todo esse processo, sempre nos deparamos com a discussão de como o parto se tornou um produto e não um acontecimento natural. Foi por isso que nos convencemos cada vez mais que não deveríamos pagar por isso e que é necessário fortalecer uma iniciativa do Estado que incentive essa ideia, combatida constantemente pela lógica hegemônica de nossa sociedade. E foi assim que a Casa de Parto de Sapopemba entrou nas nossas vidas…
O plano B
Infelizmente, descobrimos que, apesar de todas as tentativas de tratamento, o plano A não seria possível… Fiz um exame de uma bactéria chamada Streptococus B e descobri que era positiva (assim como 45% das mulheres brasileira), mas esse era um fator de risco para o bebê, e que não era aceito na casa de parto.
Parêntesis: Quem tem a bactéria Streptococus B não é aceito na casa de parto porque para garantir que o bebê não tenha contato com ela no momento do trabalho de parto é necessária a injeção de um antibiótico na veia da mãe. Como não existem médicos na casa de parto, não há quem receite o antibiótico. Aí você pode perguntar… “Pô, mas não rolava levar a receita do seu médico? Não rolava levar o antibiótico para alguém ministrar para você poder ter seu bebê onde queria?”. É aí que entra uma das dimensões políticas da dificuldade de acesso à casa de parto: como a cultura da cesárea está fortemente impressa na sociedade, absolutamente qualquer problema na casa de parto pode ser motivo para o fechamento deste espaço. Então, entre possibilitar acesso para os 55% das mulheres que não têm essa bactéria na sua flora e correr risco de negar esse acesso a todas, a instituição escolhe a primeira opção.
Minha última consulta na casa de parto foi na manhã do dia 21 de junho. O Pedro nasceu na madrugada do dia 21 para o dia 22. E assim começa o relato do nosso parto… Tive contrações ao longo de toda a sexta-feira, dia 21, e, pela manhã na consulta na casa de parto, já estava com 3 centímetros de dilatação. No entanto, as contrações estavam tranquilas e mantive os compromissos que eu tinha durante o dia, já que me sentia muito bem. Afinal, gravidez não é doença, né?
Às 20h acabou minha reunião e às 20h30 minha bolsa rompeu, ainda em casa. Segui as orientações da nossa obstetra e tomei um banho tranquilo, comi alguma coisa (olhando para trás, acho que ainda não tinha entendido que faltava tão pouco para me encontrar com o meu filho) e seguimos para o hospital. Chegando lá, tive que me separar do Maurício e entrar na fatídica triagem. Ele me esperaria do lado de fora, enquanto eu passava por exames iniciais, e depois me encontraria no quarto de pré-parto, já dentro do hospital.
A triagem
Lá dentro, me deparei com a realidade que já havia discutido algumas vezes com amigas a partir de seus relatos e principalmente com as colegas que tive na Faculdade de Saúde Pública sobre violência obstétrica e a necessidade de humanização do parto no Brasil.
Inicialmente, outras quatro grávidas e eu entramos em um salão com diversas cadeiras de plástico encostadas contra as paredes (sim, cadeiras de plástico, tipo aquelas de festa, duras, sabe? Ok. Agora imagina ter uma contração sentada nessa cadeira. Imaginou?). Uma enfermeira nos pedia que tirássemos toda a nossa roupa, colocássemos aqueles roupões de hospital e esperássemos pela consulta com a obstetra. Cada uma das grávidas estava em um momento diferente do trabalho de parto e algumas estavam sofrendo muito, sentindo muita dor, sentadas naquelas cadeiras e esperando pela consulta.
Chamaram a Maria (que no caso era eu, afinal são raros os que aceitam meu nome…) e lá fui eu, uns 40 minutos depois de entrar, ser examinada pela obstetra. Meus exames estavam na mão dela:
— Você tem plano de saúde? O que você está fazendo aqui?!
— Tenho, mas ia fazer o meu parto na casa de parto e não foi possível porque meu exame de strepto deu positivo.
Então me indicaram que este hospital fazia parto humanizado e vim para cá — respondi. Com 6 cm de dilatação decidi não entrar no debate de que queria ter meu parto num hospital público.
— Hum…
— Vocês usam ocitocina como medicamento de rotina aqui? Porque eu não queria usar… E episiotomia?
— Sim, ocitocina e episio são procedimentos de rotina aqui. Se você não quiser a ocitocina, terá que assinar um documento se responsabilizando pela vida do seu filho.
— Ok. Eu assino — concordei. Detalhes: li antes e durante a gravidez dezenas de artigos que comprovavam as evidências científicas de que a ocitocina artificial pode causar diversos males, principalmente a dificuldade na amamentação. Tenho certeza de que, se não tivesse tido acesso a essas informações, não teria a segurança de, num momento de absoluta fragilidade, negar a orientação médica. Sobre a Episiotomia recomendo um texto da Professora Simone Diniz.
— Você tem o exame do strepto impresso falando que você é positiva?
— Não… Achei que só falando já me dariam, já que coloca meu bebê em risco.
— Ah, não sei, viu? Vou ver…
— Mas eu tenho que tomar! Fiz o exame e sei que sou positiva. Posso pedir para o meu marido correr para algum lugar e imprimir.
— Não, não precisa — respondeu a obstreta. Para coroar, durante o exame, ou seja, enquanto tinha o dedo dentro da minha vagina, ela ainda completou: — Eu tive parto normal. Você vai ver a dor que você vai sentir.
Ok. Terminada a consulta, volto para a sala com as cadeiras de plástico e começo a sentir as contrações cada vez mais fortes. Tão fortes que me levantam fisicamente da cadeira. Comecei a tentar me concentrar e pensar na partolândia. Uma hora e meia depois, eu continuava lá. Nesse meio tempo, todas as outras grávidas já tinham entrado e me informaram que eu deveria me deitar em uma maca e ficar 20 minutos imóvel para o exame do ardiotoco. Eu disse que isso não era possível. Pedi por favor para me deixarem entrar na sala de pré-parto, onde o Maurício poderia estar comigo. Uma enfermeira se compadeceu comigo: “Tá bom, entra e você faz o exame lá mesmo”. Ufa!
No período da triagem, a coisa que eu mais desejava era que meu acompanhante estivesse comigo. Durante o trabalho de parto, estamos em um momento de vulnerabilidade e a presença de alguém íntimo, que te apoie e dê segurança, tem o poder de transformar a experiência pela qual você passa.
O pré-parto
Entro por um corredor e me sento em uma cadeira —bem fofinha— à espera de uma indicação de quarto. Acho que nesse momento minhas contrações já estavam muito próximas, porque a todo momento respirava fundo e pensava “partolândia, partolândia, partolândia”. Uma das enfermeiras olhou para mim e disse: “Você vai ficar nesse quarto aqui.”
Dentro, estava uma menina que gemia muito de dor durante a triagem. Já havia me chamado a atenção quando uma das enfermeiras disse para ela parar de gritar porque estava atrapalhando as outras. Fiquei revoltada com aquilo e comentei com ela para não se preocupar, mas naquele momento conclui que durante o parto seria difícil se concentrar e encontrar a partolândia se eu estivesse do lado de outra mulher urrando de dor.
Devo ter feito uma cara de coitada, porque a enfermeira na hora percebeu que ficar ali não seria uma boa ideia para mim. “Vou tentar achar outro quarto para você”. Foi aí que as coisas começaram a mudar de rumo.
O parto
Elena**, a enfermeira que fez meu histórico e me acompanhou a partir desse momento, olhou para meus exames e soltou: “Ah! Você é paciente da Dra. Andrea?! Ela é do parto humanizado, né? Conheço!”. E foi aí que consegui uma parceria dentro do hospital, que foi determinante para que tivéssemos o parto que eu queria. Logo chamaram o Maurício, e ele ficou ao meu lado o tempo todo. A enfermeira me receitou um banho de chuveiro para aliviar a dor, trouxe uma bola de pilates que ajudaria o bebê a descer e nos orientou a fazer posições que ajudariam durante o trabalho de parto. Respeitou meus desejos e não fez episiotomia, nem me deu ocitocina mesmo quando as outras enfermeiras pressionaram por isso. Nos apoiou quando eu, exausta, quis desistir. Afinal, a dor existe, mas faço questão de afirmar que ela é uma dor suportável, já que é natural, e, para mim, foi uma experiência inesquecível sentir meu bebê chegando. No momento em que o Pedro nasceu, pude abraçá-lo, sem deixar de garantir o corte tardio do cordão umbilical: “Tem que esperar um pouquinho, né?!”.
A dor existe, mas afirmo que é suportável.
A presença e o apoio constante do Maurício também fizeram toda a diferença. Muitos não valorizam a necessidade de um acompanhante que participe ativamente do processo e o contato pele a pele com outra pessoa nesse momento.
Ele estava ao meu lado no chuveiro, me equilibrava na bola de pilates, me segurou durante todas as contrações no período expulsivo, cortou o cordão umbilical e o tempo todo reafirmou a minha força. O parto não teria sido como foi sem ele. Existe uma lei de 2005 que protege a parturiente e garante a presença do acompanhante durante o trabalho de parto.
A minha experiência foi uma exceção, mesmo no hospital em que fomos atendidos. Conversei com outras quatro mães que tiveram seus partos na mesma madrugada, e nenhuma delas teve acesso aos equipamentos que me foram oferecidos pela sorte de ter sido atendida pela Elena, que, mesmo questionada por outras enfermeiras, manteve-se firme e respeitou meus desejos.
Em três horas eu já estava recuperada. Pude me levantar, tomar um banho, cuidar do meu filho, receber as visitas das/os amigas/os que vieram conhecer o novo serzinho que nasceu. Além de ter tido o privilégio de ter o meu parto como eu queria, também tive um parto saudável, o que é o mais importante.
Muitas mulheres, devido à propaganda, a monopolização do conhecimento, o corporativismo dos médicos e a linha de produção que se tornou a obstetrícia no Brasil, acabam por escolher não o que é bom para elas e seus filhos, mas pelo que é determinado pelo lucro que esse sistema desumano proporciona. Já li e ouvi dezenas de relatos de mulheres que tiveram experiências traumatizantes de parto, seja pelo desrespeito durante do trabalho de parto ou pela recuperação de uma cesárea ou uma episiotomia desnecessária. São marcas permanentes cujo combate deve fazer parte da luta cotidiana da mulher pelo poder sobre seu próprio corpo.
Foi a combinação de empoderamento —que só existiu pelo conhecimento acumulado antes e durante a gestação e pelo apoio do meu acompanhante— e respeito da profissional que nos atendeu, dando confiança, que garantiu que meu parto fosse, apesar dos trancos e barrancos do começo, exatamente como eu queria que fosse. Hoje ele é uma lembrança linda, que é recordada toda vez que eu olho para o bebê lindo e forte que é o Pedro.
* Maia Fortes é assistente de coordenação na Repórter Brasil e mantém o blog “Espiando o Cotidiano”, no qual escreve sobre reflexões do dia a dia e a luta por um mundo mais justo
** Nome alterado para proteger a privacidade da enfermeira, que colocou seu emprego na linha para respeitar a vontade da autora
Fonte: Mercado Ético
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