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terça-feira, 25 de março de 2014

Debaixo do tapete, artigo de Nara França

Se houve alguma época em que dava para acumular sujeiras, debaixo do tapete, já foi, já era – hoje, já não dá mais. Sujeiras continuam procriando, mas não existe tanto tapete, para cobri-las. Apesar do esforço, ninguém mais consegue colocar problemas sociais, debaixo de tapete, simplesmente. Pior é que a sujeira mesmo está nas mãos de quem ainda tenta varrer para debaixo do tapete.

A humanidade inteira descamba para o capitalismo, e não quer assumir as consequências disso. Por exemplo, assistimos, diariamente, pelo Brasil, indígenas exigindo direito à terra. Eles – os índios – justificam a reivindicação, recontando a história do Brasil, que aprendemos nos primeiros anos de escola. Os quilombolas, também, estão sempre exigindo direito à terra. Lá atrás, muita gente cometeu erros, os quais, até hoje, regurgitam consequências, que deveriam ter sido previstas. Não foram. Varreram tudo para debaixo do tapete, deixando, às gerações futuras, o sofrimento das consequências. E ainda há os agricultores sem terra, que querem terra para plantar, produzir. O desastre maior é que, enquanto não houver solução para isso tudo, mais consequências serão geradas – isso é óbvio demais. Lastimável.

Existe uma frase – “toda ação gera uma reação” -, que, apesar de ser antiguinha, e tão repetida, ou justamente por causa disso, não é levada a sério. Se, há séculos atrás, ainda dava para ingrupir incautos, presenteando-lhes com espelhos, ou qualquer outro badulaque, hoje, não temos mais condições de varrer mais sujeiras para debaixo do tapete. O tapete rasgou – as sujeiras aumentaram.

Citei o capitalismo, por considerá-lo o deus-motor da sociedade atual. Hoje, sem dinheiro, você não come, não mora, não vive, sem contar que, sem dinheiro, você não recebe o que chamam “respeito” (o que restou da palavrinha). Isso tudo acontece, com a nossa anuência, a permissão e a escolha de cada um de nós. No Brasil, especificamente, onde nasci, onde vivo, onde posso pensar a respeito, até o coronelismo faz qualquer coisa, para se manter. Por isso, enxergamos tanta gente, ainda, escravizando outras gentes, que se permitem a isso. A chibata, o tronco, a palmatória ainda existem, além dos museus – tudo maquiado, modernizado, mas com idênticas funções. Consequentemente, o dito poder fica nas mãos de quem tem dinheiro, e paga para ter prestígio, fama, amedrontando os morros de favelas e as mansões, os apartamentos de cobertura, e até os nossos três poderes soberanos. Como tudo isso aconteceria, sem consequências?… Estamos recebendo o troco, pelo que pagamos, quando permitimos que tudo isso continuasse acontecendo. Pior que isso: continuamos permitindo.

Não há efeito sem causa. Indígenas, quilombolas e sem terras querem o direito à propriedade. Empresários querem o direito de pagar menos impostos. Famílias sem teto querem o direito à moradia. Trabalhadores querem o direito à participação nos lucros das empresas. Cidadãos do mundo querem o direito de ir e vir, em todos os países. Desempregados querem o direito ao trabalho digno e justo. Mães querem o direito a creches e escolas, para os filhos. Todo mundo quer ter o direito de – até mesmo aqueles que têm o dever de. Direito e dever caminham sempre juntos – onde existe desequilíbrio, pode ser que aquele que tem o dever de esteja priorizando o próprio direito de, que também tem.

Diante de tudo isso, ainda tem gente que consegue enxergar apenas as consequências, o que sobrou, e se multiplica, acima do tapete, sem poder ser varrido para baixo. Tem gente que ainda estuda a história do Brasil (a registrada em livros, obviamente, por que a oculta continua bem ocultada), sem fazer qualquer associação com a atualidade. A essa gente, só posso dizer: é isso mesmo, houve massacre de etnias e classes sociais, neste grande País, mas, pelo visto, nós não temos nada a ver com isso. Que cada um continue cuidando do seu – o que não é meu, nem teu, que seja meu, ou teu. E viva o capitalismo!

O problema é que não podemos fazer como os antepassados: varrer a sujeira para debaixo do tapete. A sujeira atual resolveu se manifestar, impelida pelo capitalismo, coisa que não fazia, antigamente, e começou a cometer barbaridades, atacando a sociedade, que, atingida, sem ter como varrer para debaixo do tapete, se vê obrigada a viver cercada por homens fortes e armados, câmeras, veículos blindados, clamando e reclamando por segurança pública (para quem?).

E a história do Brasil continua (claro, com mais consequências)…

Nara França é jornalista gaúcha, tendo sempre trabalhado em redação de jornal, e hoje atuando em entidades sindicais e movimentos sociais, no sul do Brasil. Também, mantém o blogue http://ironia-cronica.blogspot.com.br/

Fonte: EcoDebate

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