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terça-feira, 28 de abril de 2015

Ganges, um rio sacralizado, artigo de Roberto Naime

Na hora que o maior estado da federação, São Paulo, é castigado por uma das maiores secas registradas na história, é lícito conversar sobre águas.


E neste momento, com toda a grande respeitabilidade que a abordagem religiosa merece, é reveladora a dimensão espiritual. Evidentemente existem grandes problemas na manutenção e gestão do rio Ganges, e não se vai omitir nada, mas dentro do contexto de elevada respeitabilidade, pois ninguém detém conhecimento absoluto para digredir sobre este tema. Talvez na Índia se encontrem mais definitivamente miscigenadas as abordagens místicas e cotidianas ou pragmáticas da realidade.

Existe toda uma fábula mitológica para explicitar o nascimento do rio Ganges, representante da deusa Ganga, que quando desce dos céus escorre pelos cabelos de Lord Shiva, para amortecer seu impacto, até se circunscrever a fornecer água para mais da metade dos habitantes da Índia, mais de 600 milhões de habitantes, ou cerca de 10% da população mundial na atualidade. Shiva é um dos três deuses da mitologia hindu, sendo conhecido como “O transformador”. Os outros são Brahama, o criador e Vishnu o preservador.

Os indianos acreditam que, pelo menos uma vez na vida, devem fazer uma peregrinação que também serve como purificação ao rio Ganges. Embora os cuidados com a manutenção da qualidade da água e a de sua potabilidade tenham grandes problemas, reconhecidos pelos indianos, agora que a relação com a água ganha contornos de sacralização no cotidiano pragmático do maior estado brasileiro em contribuição econômica, não deixa de ser didática uma abordagem diferenciada.

Não é necessária uma abordagem mística para garantir o abastecimento de água em condições racionais e permanentes, embora do episódio de seca. Mas não custa nada tomar conhecimento, ainda que de maneira superficial, de outras formas de se apropriar do mundo e valorizar recursos naturais.

Evidentemente, existem grandes problemas de saneamento básico, descarga de esgotos e efluentes industriais neste rio, além de rituais funerários, mas o rio Ganges, cujas nascentes no Himalaia sofrem recuos anuais de dezenas de metros conforme ocorrem descongelamento de geleiras é mais do que um rio, uma entidade. A cidade, de Kanpur, com cerca de 3 milhões de habitantes no estado indiano de Uttar Pradesh, tem sua economia movimentada por aproximadamente 500 curtumes, que geram renda de aproximadamente meio bilhão de dólares. Se estima que, cerca da metade dos curtumes, não tenham qualquer tratamento de águas residuárias industriais. Isto obviamente gera consequências graves principalmente a jusante do curso de água, com contaminações das águas e dos peixes, que muitas vezes são a única fonte proteica de populações vulnerabilizadas e fundamentalmente pobres e empobrecidas.

Mas não deixa de ser didático e um pouco pedagógica esta visão, sacralizada do rio e sua origem mitológica. Mais do que postulado religioso, esta abordagem merece por parte de todos, profundo respeito e admiração, independentemente das apropriações que o pragmatismo da realidade, determine.

Com grande extensão, em torno de 2.500km, o rio Ganges tem a admiração quase sacralizada de todo povo da Índia, representando aquilo que é considerado uma das divindades mais poderosas da Índia. Não precisa ser assim, buscar sacralidade, mas se podia ter uma atitude de mais permanente respeito e responsabilidade no uso de recursos naturais como a água. Talvez agora, mais do que nunca está se entendendo a importância deste bem natural e da própria vida em harmonia com os ecossistemas e a natureza em geral.

Na Índia, a primeira cidade após as nascentes do rio se denomina Gongotri, e anualmente milhões de peregrinos indianos realizam migrações e peregrinações para este local, buscando purificação. Na Índia, o regime de castas denomina de “sádhus” aos ascetas e aos yogues virtuosos que buscam numa vida totalmente ascética dedicar o fervor de suas almas às divindades que professam. Estes indivíduos são muito respeitados na sociedade, assim como animais e o próprio idioma denominado de “sânscrito” no qual se estabelecem liturgias e comunicações e se mantém com muito vigor na cultura indiana.

Independentemente das enormes e relevantes desigualdades sociais que se observa no cotidiano do país, esta fusão de religiosidade com cultura traz ensinamentos que não se pode negligenciar ou relegar a esquecimentos, embora na visão da cultura ocidental sejam muitas vezes pouco compreensíveis ou muito determinados por ocorrências, que se considera místicas ou sobrenaturais.

Na resultante vetorial destas adições e determinações, resta o exemplo de apropriar os recursos naturais de forma sagrada, observando comportamentos e procedimentos que somente visões de carência e deflagração de conflitos parece ter gerado novas sensibilizações e novas percepções em nossa civilização.

Que o exemplo ainda que cheio de problemas do sacralizado rio Ganges não auxilie a todos a ter outra concepção da realidade, que não espere racionamentos ou conflitos para pensarem em se compatibilizar de modo harmônico com a natureza. Embora se respeite em toda a dimensão que se sabe que, humildemente, não se consegue abarcar, dentro dos parâmetros de nossa cultura e nossa religião, parece que sacralização não é viável ou necessária, mas racionalidade, compatibilização e bom senso sim, são muito úteis para que todos desfrutem de melhor qualidade ambiental e mais satisfatória qualidade de vida.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate

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