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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Florestas e produção de água, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

Ao longo da atual crise de abastecimento de água, temos presenciado o lançamento de propostas de soluções que nem sempre estão fundamentadas em conhecimentos científicos já disponíveis. 
 Não há surpresa alguma quanto a este fato, já que ainda há um distanciamento, no Brasil, entre a academia e o público que tenta resolver questões práticas. Na hidrologia isso é mais do que evidente, pois o tratamento matemático que predomina nos trabalhos científicos torna a teoria muito complexa para a maioria dos técnicos de campo. Daí as tecnologias adotadas ficarem mais na esperança de um sucesso que poderá se transformar em futuras frustrações. Há, também, o risco das generalizações em situações cheias de especificidades locais e regionais, onde receitas de bolo não dão garantias de qualidades dos produtos. O “ouvir dizer” e o excesso de informações, que são usadas antes de se transformarem em conhecimentos, provocam riscos iminentes de fracassos.

Tenho visto constantemente em artigos, entrevistas e debates pessoas pregando o reflorestamento como única solução para aumentar a produção de água de mananciais de abastecimento. É um erro não considerar outras opções que tenham potenciais para produzir resultados em curto prazo. A princípio pode até haver uma lógica no raciocínio sobre os reflorestamentos, mas algumas pesquisas já realizadas no Brasil, contendo dados sobre produtividades de água em bacias hidrográficas florestadas, merecem consideradas. E é sobre isso que passarei a falar nos parágrafos seguintes.

Vou tomar como exemplos dois estudos feitos em áreas florestadas. Duas teses: a primeira de doutorado na USP (Câmpus de São Paulo, capital), defendida por Valdir de Cicco, em 2009, e a segunda de mestrado, também na USP (Campus de Piracicaba), defendida por Paulo Sant’Anna e Castro. As duas, ainda que com objetivos diferentes, mediram produções de água (deflúvios) em bacias hidrográficas florestadas. A segunda mediu, também, a produção em uma outra bacia vizinha da florestada e usada para exploração agropecuária.

O Valdir de Cicco (CICCO, 2009) estudou duas pequenas bacias hidrográficas: 1) A primeira de 36,7 ha, dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo de Cunha- SP (Mata Atlântica); com floresta secundária formada a partir de 1974, quando a área de pastagem foi incorporada ao Parque, que tem área total atual de 315.000 ha. A rocha predominante é o gnaisse , o solo classificado como latossolo vermelho amarelo câmbico e a conformação geomorfológica de mares de morros; o clima é o Cwb (Köppen), com temperatura máxima media de 26o, mínima de 16o e precipitação anual média de 1.646 mm. 2) A segunda de 59 ha, dentro do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga ( Mata Atlântica) que tem área total de 526,38 ha, encravado na Região Metropolitana de São Paulo, com rochas, solos e clima muito próximos aos da bacia de Cunha. A produtividade de água no mês de agosto (mês mais seco) foi de 15,13 L/Km2.s, em Cunha, e de 6,26 L/Km2.s, em Ipiranga. Com base em discussão do autor da tese, é possível justificar as diferenças de produtividades de água entre as duas bacias por duas razões: 1) A bacia do Ipiranga está sob influência da ilha de calor da área metropolitana, que transfere energia para a área do Parque, possibilitando maiores taxas de evapotranspiração e, consequentemente, menores produtividades superficiais de água; 2) A bacia de Cunha convive com elevada umidade do ar e presença de nevoeiros, o que concorre para menores taxas de evapotranspiração e maiores produtividades superficiais de água.

O Paulo Sant’Anna e Castro (CASTRO, 1980) estudou duas pequenas bacias hidrográficas na região de Viçosa-MG (Mata Atlântica). A primeira com 114 ha, coberta com floresta secundária formada a partir da década de 1960, quando a área foi entregue à regeneração natural. E a segunda com 192 ha, vizinha da primeira, com exploração agropecuária e pequenos capões de matas que, somados, não passavam de 25% da área. Em ambas, a rocha predominante é o gnaisse e os solos são argilosos e foram classificados como latossolo vermelho amarelo distrófico, nas seções côncavas, convexas e nos topos; já nos terraços, receberam a classificação de podzólico vermelho amarelo câmbico. A geomorfologia é de mares de morros, a precipitação de 1.880 mm no período de estudo (1978/1979), temperatura média máxima de 26o, mínima de 15o e clima Cwb (Köppen). A produtividade superficial de água do mês de agosto foi de 2,4 L/km2.s, na bacia florestada, e de 8,5 L/km2.s, na com exploração agropecuária. E foi um ano hidrológico com precipitação acima da média para a região de Viçosa que é de 1340 mm/ano. Passados 35 anos, a floresta está mais densa, com árvores maiores e a produtividade superficial de água do mês de agosto, para a bacia florestada, tem sido nula. A explicação para as diferenças de produtividades pode estar no fato de que a bacia florestada comporta-se como uma ilha de atração de energia, rodeada por áreas secas e que por deficiência de umidade na região das raízes das plantas, menos profundas. É importante lembrar que a evapotranspiração depende da disponibilidade de água e de energia.

Usando estes dados de pesquisa na prática de produção de água, vale a pena discutir, como exemplo, a situação do Sistema Cantareira, que está presente cotidianamente na mídia e é responsável pelo abastecimento de grande parte da Região Metropolitana de São Paulo. Algumas pessoas e entidades têm sugerido, como solução, o reflorestamento de entornos de corpos d’água componentes do Sistema. Chegam a citar números, como 400 ha, por exemplo. Ora, como as bacias que compõem o Cantareira somam 2.280 km2, a área recomendada representa apenas 0,17 % do total. Além do mais, mesmo que tais matas ciliares viessem a se comportar como produtoras de quantidade de água, conforme o imaginário de muitos hidrologicamente desavisados, e com valores médios entre Cunha e Ipiranga, ou seja, 10,78 L/km2/s, nas épocas de estiagens, isso representaria um acréscimo de apenas 0,12 % da vazão outorgada, que é de 36.000 L/s.

Para ir um pouco mais além na análise do possível efeito do aumento da cobertura florestal em áreas das bacias contribuintes do Cantareira, poderão ser usados dados da Fundação SOS Mata Atlântica, mostrando que as florestas ocupam 21,5 % da área total das bacias e que são 5.000 km de cursos d’água, com parte deles, 1.190 km, já protegidos por matas ciliares, computadas nos 21,5 %. Como, em grande maioria, são cursos d’água com até 10 m de largura e em áreas com usos consolidados, pode-se adotar, para cumprimento do Código Floresta em vigor, uma faixa média de 40 m (20 m de cada lado dos cursos d’água) para recomposição da mata ciliar. Isso representaria um acréscimo de 152,4 km2, ou seja, 6,7 % da área de 2.280 km2, elevando a cobertura para 28,2 %. Mesmo que tais matas ciliares viessem a ter efeito positivo na produção de água, como acreditam muitos, e usando os 10,78 L/km2/s, o acréscimo não passaria de 4,56 % da vazão outorgada.

O mais certo, entretanto, e com base em fundamentos hidrológicos da produção de água na região Sudeste, é que, pelo menos nos primeiros 30 anos após os reflorestamentos, o aumento de cobertura florestal, através das matas ciliares, acarretaria uma diminuição das vazões de estiagens. Isso porque as árvores estariam em franco crescimento e com altas taxas de transpiração, pois ocupariam, em grande parte, áreas de contribuição dinâmica que tendem a ficar sempre úmidas; isso por serem zonas de ligação dos aquíferos subterrâneos com as nascentes e cursos d’água. Tal comportamento é corroborado por simulações feitas pelo pesquisador Paulo Guilherme Molin, (MOLIN, 2014) para a bacia hidrográfica do rio Piracicaba. Ele simulou, para sua tese de doutorado na ESALQ-USP, o aumento da cobertura florestal da bacia e sua ação na produção de água. Os estudos mostraram que, tomando por base o ano de 2010 e como horizonte o de 2050, quaisquer aumentos de cobertura florestal no intervalo considerado resultaria em redução das vazões dos cursos d’água, nos períodos de estiagens.

As informações apresentadas mostram, portanto, que é temerária a certeza, expressa com certa frequência, que o reflorestamento é a única alternativa para aumentar a oferta de quantidade de água de nossas bacias hidrográficas. Um horizonte de 30 anos talvez seja o mínimo para um equilíbrio ambiental floresta/hidrologia capaz de apontar uma produtividade de água em média confiável. Mas como a demanda é a curtíssimo prazo, teremos que adotar alternativas de manejo dos volumes de água recebidos pelas chuvas, conduzindo boa parte deles para os aquíferos subterrâneos e armazenando outros em represas e em reservatórios urbanos. Para privilegiar o armazenamento subterrâneo, há de se trabalhar com tecnologias alternativas ao reflorestamento e que aumentem a rugosidade das superfícies das bacias hidrográficas, dificultando a formação de enxurradas e favorecendo a infiltração de água no solo. Tais tecnologias já existem, comprovadas e economicamente viáveis.

Literatura Citada:

CASTRO, P.S. Influência da cobertura florestal na qualidade de água em duas bacias hidrográficas na região de Viçosa, MG. Piracicaba, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – USP, 1980. 107p (Tese de Mestrado)

CICCO, V. Determinação da evapotranspiração pelos métodos dos balanços hídrico e de cloreto e a quantificação da interceptação das chuvas na Mata Atlântica. Disponível em: www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/…/pt-br.php . Acesso em: 15 jun. 2015

MOLIN, P. G. Dynamic modeling of native vegetation in the Piracicaba River basin and its effects on ecosystem services.
Disponível em: www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/…/pt-br.php .Acesso em: 15 jun. 2015

Osvaldo Ferreira Valente, Articulista do Portal EcoDebate, é engenheiro florestal e autor de dois livros sobre hidrologia e produção de água: “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas”e “Das chuvas às torneiras – A água nossa de cada dia”. ( valente.osvaldo@gmail.com)

Fonte: EcoDebate

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