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quarta-feira, 28 de junho de 2017

Seriam mesmo exageradas as exigências ambientais? artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

Vêm crescendo em número e intensidade as críticas e alegações sobre eventuais excessos nas exigências de cunho ambiental para a implantação de empreendimentos de médio e grande porte dos mais variados tipos.
Adicionalmente, essas críticas também incidem sobre a lentidão e a exagerada burocracia com que esses processos são tratados no âmbito das diversas instâncias públicas normalmente envolvidas na análise documental pertinente aos processos abertos pelos empreendedores interessados.

Essas críticas, ao associar o nível das exigências e seu lento processamento pelos órgãos fiscais a um suposto entrave ao desenvolvimento econômico do país e às políticas de redução do desemprego, tem sensibilizado considerável parcela da sociedade brasileira para a concordância e o apoio a suas teses, criando com isso a base política de sustentação para propostas que visam, como estratagema para a solução do problema, a redução das exigências ambientais legais e, como cunha para uma pretendida desburocratização de procedimentos, a delegação de decisões para instâncias públicas descentralizadas, como no caso, as municipais.

Enfim, lidamos com questão de enorme importância e que exige um tratamento antes de mais nada responsável, em que o foco central deva estar exclusivamente no atendimento dos interesses maiores do país e da sociedade brasileira. O reduzido espaço para esse artigo nos obriga a uma arriscada linguagem direta, onde faltarão certamente ponderações necessárias, pelo que me desculpo antecipadamente. Vamos então, por partes.

1 – Não existe, infelizmente, no país uma real consciência ambiental (fruto de uma cultura de responsabilidade social) por parte dos mais diversos empreendedores econômicos. Elaboradas peças institucionais de publicidade não correspondem à fria realidade do pragmatismo econômico-comercial que na verdade condiciona e determina as decisões e condutas dos grandes e médios empreendedores; privados e públicos, diga-se de passagem. A verdade crua é que não fossem os constrangimentos legais hoje reguladores das componentes ambientais dos empreendimentos, ou seja, fossem deixadas as decisões ao livre critério dos agentes econômicos, o país estaria, nesse quesito ambiental, em condição muito próxima de terra arrasada. A um custo enorme, insustentável, para a economia e para a qualidade de vida dos brasileiros. Ou seja, é-nos indispensável, no contexto cultural da sociedade brasileira, uma legislação ampla e rígida voltada à conservação ambiental. A solução dos atuais problemas não estará nunca no desmerecimento e no enfraquecimento dessa legislação.

2 – Há que se trazer à baila, corajosamente, como fator primordial na má condução dos procedimentos jurídicos envolvidos nas exigências de cunho ambiental, uma considerável e generalizada incompetência técnico-científica que se expressa tanto na elaboração da documentação ambiental de responsabilidade dos empreendedores (EIAs, RIMAs, etc.), que tem primado pela superficialidade e pela atitude de “esperteza” na consideração das questões ambientais, como nas análises e considerações que dela decorrem na área pública fiscalizadora e reguladora. Essa incompetência técnico-científica generalizada constitui, na verdade, o motivo maior de um sem número de idas e vindas de documentos e, decorrentemente, do excessivo tempo para se chegar a uma decisão final nos processos ambientais.

3 – A bem da verdade o próprio Código Florestal atual é carente de um maior peso da esfera técnico-científica, tendo várias de suas determinações sido fruto de arranjos e acordos possíveis entre partes, em detrimento do real entendimento científico das questões naturais e ambientais envolvidas. Outro relevante ponto nessa mesma seara, e fonte de inumeráveis conflitos, é a absurda prevalência para o singular espaço urbano de um Código Florestal fruto dos embates ambientais próprios de nossa realidade rural.

4 – Frente à insuficiência da capacidade operacional dos órgãos públicos federais e estaduais responsáveis pela fiscalização ambiental vem crescendo exponencialmente a intervenção do Ministério Público nas questões ambientais de mais diversa ordem, com destaque ao GAEMA – Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente, ao qual estão ligados os promotores com atuação específica em questões ambientais. Muito bem vinda para uma mais permanente e ágil defesa da sociedade nas questões ambientais, há que se convir que ao lado de seus aspectos muito positivos a atuação do MP também tem carecido da mesma insuficiência técnico-científica no cumprimento de suas funções, o que tem gerado um sem número de conflitos desnecessários, decisões equivocadas e prejuízos às imagem do MP e das políticas ambientais perante a própria sociedade. O fato é que o MP, no sentido de proporcionar suporte técnico e científico às decisões de seus promotores, que pela sua formação acadêmica naturalmente não são afeitos aos âmagos científicos das questões tratadas, criou instâncias internas próprias de apoio, o que pode ter configurado um erro estratégico. São duas essas instâncias internas de apoio, o corpo de ATPs – Assistentes Técnicos de Promotoria, constituído por técnicos diretamente ligados aos promotores da área ambiental, e o CAEX – Centro de Apoio Operacional à Execução, centralizado e diretamente ligado à Procuradoria Geral de Justiça. Diante da carência de uma diversidade técnica que lhe proporcionasse cobrir todo o universo das questões ambientais, ou seja, na área química, física, biológica, geológica, hidrológica, etc., e também diante da precariedade da formação técnico-científica e da comum baixa experiência profissional de boa parte de seus componentes, o corpo de ATPs lida com uma dificuldade enorme para bem cumprir suas funções, muitas vezes procurando compensar essas carências com a adoção de uma cultura de poder de polícia no trato com os empreendedores fiscalizados ou autuados. Além disso, frente a uma contestação técnico-científica anteposta pelos empreendedores autuados, o MP age com indisfarçável espírito de corpo, pelo que quase nunca um outro ATP se dispõe a contradizer um parecer emitido por um seu colega; e o próprio Promotor, e mesmo o CAEX quando chamado a opinar, procuram evitar a todo modo conflitar ou desautorizar seus ATPs. Nesse caldo de cultura torna-se psicologicamente extremamente difícil a possibilidade de reconhecimento e reversão pelo MP de um parecer técnico emitido por suas próprias instâncias internas, mesmo que intimamente reconheça um equívoco cometido. Frente a esse paradoxo, além dos cuidados com a contínua formação técnico-científica de seu corpo técnico interno e com maiores exigências para a aceitação de seus constituintes, o GAEMA, frente a um conflito de opiniões estabelecido entre seu corpo técnico e o corpo técnico dos agentes econômicos porventura autuados, deveria adotar como norma obrigatória o desempate via a manifestação de uma terceira opinião externa, a ser obtida via convênios de colaboração com órgãos para tanto naturalmente abalizados como as Instituições de Pesquisa e as Universidades.

5 – No âmbito do objetivo de aperfeiçoar as legislações e os procedimentos adotados no país para trato das questões ambientais envolvidas nos projetos e na instalação de médios e grandes empreendimentos, as considerações expressas nos itens anteriores apontam para uma medida essencial: o melhor aprimoramento técnico-científicos dos profissionais que, seja na área pública, seja na área privada, lidam com as questões ambientais. A demanda de profissionais em meio ambiente tem, ao contrário dessa preocupação, proporcionado a proliferação de cursos oportunistas que se auto-proclamam capacitados a formar os Técnicos Ambientais, Analistas Ambientais, Gestores Ambientais, etc., habilitados ao cumprimento das funções ambientais exigidas pelos órgãos públicos e para o atendimento das necessidades da área privada nesse mesmo campo. Algumas dessas novas profissões inclusive não exigentes de um diploma universitário. Um enorme erro educacional que precisa ser urgentemente corrigido. Os geólogos, biólogos, químicos, engenheiros, etc, que se formaram em boas faculdades e que se dedicam à temática ambiental sabem perfeitamente que apenas algumas pinceladas superficiais de informações, à guisa de cursos de especialização, são totalmente insuficientes para a produção de um profissional minimamente capacitado a exercer funções na área.

6 – Pode-se concluir, em resumo, que a questão central dos enormes problemas que hoje contaminam as relações entre os órgãos públicos fiscalizadores e reguladores e os empreendedores privados e públicos reside na generalizada precariedade da formação técnico-científica dos profissionais que militam nessas duas esferas republicanas. Obviamente, sem que isso signifique qualquer desprezo da necessidade de um contínuo aprimoramento de nosso aparato ambiental legal e de indispensáveis aperfeiçoamentos operacionais. Nesse contexto, fica ressaltado o papel fundamental que deve ser oficialmente delegado às nossas Universidades e Instituições de Pesquisa na organização e oferecimento de consistentes e validados cursos de formação e aperfeiçoamento científico e tecnológico em todos os campos de conhecimento envolvidos com a questão ambiental.

Em outras palavras, é preciso retirar as polêmicas associadas à aplicação das legislações ambientais do atual contexto estéril de “mocinhos” e “bandidos” e trazê-las para o terreno fértil, virtuoso e incontestável da Ciência e da Tecnologia.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
•Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
•Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
•Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
•Articulista da EcoDebate

Fonte: EcoDebate

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