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sábado, 19 de agosto de 2017

Após dor e perda, eles voltam ao cemitério para discutir luto e encontrar alento

Pode parecer estranho, talvez até mórbido para algumas pessoas, mas há quem volte ao cemitério, numa manhã comum de sábado, para discutir a morte e suas consequências. Trata-se da palestra "Precisamos falar sobre o luto", ministrada pela psicóloga Raissa Ferreira, especialista em atender pacientes enlutados.


Raissa cresceu em meio à funerária mantida pelos pais. Por isso, o interesse em ajudar essas pessoas. "Eu percebi que a gente fazia só uma parte do trabalho. Depois, as pessoas iam pra casa sofrer sozinhas", relata. Agora, além de manter uma clínica de luto, ela realiza as palestras de maneira gratuita, para ajudar quem precisa.

O Lado B foi até a conversa e encontrou um grupo, de mais ou menos, 20 pessoas, dispostas a ouvir e a tirar dúvidas sobre o processo de superar a partida de algum ente querido. Algumas estavam bastante abaladas, provavelmente ainda se recuperando de uma perda recente. Tentamos conversar com uma jovem mas, depois de um contato simples, ela caiu no choro. "Não consigo falar. Estou muito emocionada, me ajudou sim, mas não consigo falar", justificou, e saiu rapidamente.

Outra tentativa foi parecida, com uma senhora, de guarda-sol azul, que quase se rendeu às lágrimas após ouvir apenas uma pergunta: "podemos falar sobre o luto?". A resposta embargada foi negativa e, de novo, a saída rápida.

Outra parte de quem foi ao cemitério, na manhã de sábado, era de pessoas apenas interessadas pelo assunto, por motivos profissionais ou pessoais. Como a estudante de psicologia Sâmia de Lima, de 20 anos. "É um tema super tabu. Porque as pessoas tendem a excluir a morte, não pode falar disso", ela explica. "Pode parecer estranho, mas eu gosto de estudar sobre o tema. A gente tem que ver a morte como algo que faz parte da vida", complementa.

A estagiária de psicologia Gislene Luis dos Santos, de 32 anos, trabalha com idosos. Por isso seu interesse na questão. "Eu queria entender um pouquinho mais. Eu passei por uma situação de luto há um tempo, então já consigo lidar melhor com a situação", disse. "Faço um trabalho com idosos, eles passam por muitos processos de luto, então é difícil você conseguir auxiliar", explicou.

Já Tiago Souza de Araújo, 26, começou a trabalhar no cemitério recentemente, como músico. Apesar da convivência no local, lidar com a morte ainda é difícil. Ele perdeu o tio, na semana passada, e ainda continha a emoção. "Quando você vê os outros passando por essa situação aqui, é como se você olhasse seu futuro. Você sabe que vai passar por aquilo, mas nunca está totalmente preparado", pontuou, sem deixar escapar muita coisa. "Perdi meu tio sábado passado. Da família, era o que mais era ligado".

Durante a palestra, na hora das perguntas, muita gente levantou questionamentos sobre "o que fazer" após a morte de alguém. O que fazer com os pertences pessoais da pessoa? Como explicar a morte para as crianças? O que dizer num velório para a pessoa que perdeu alguém? Até quanto tempo é normal sofrer pela perda de quem se ama?

"É uma questão de saúde pública. Por ano, morrem mais de 1,2 milhão de pessoas. Uma hora ou outra, vamos todos passar por isso. Quanto mais discutirmos o assunto, melhor para as pessoas", diz Raissa. Ela deixa claro que é preciso tratar a morte com mais naturalidade. Até por isso, escolhe sempre o cemitério como local de suas palestras. "Em lugares fora, o cemitério tem aulas de yoga, meditação, pista de corrida. Não precisa relacionar apenas com morte. Tem gente que corre todos os dias aqui dentro", diz.

A especialista explica que aquele conceito, muito visto até na ficção, dos 5 estágios do luto (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação), já está ultrapassado. Agora, se fala sobre o período de luto como uma montanha-russa de estágios, mas sempre em dois aspectos fundamentais: orientado para a perda e orientado para a reestruturação.

"Nossa vida é muito cíclica. São duas fases e dentro delas existe raiva, negação, todos esses elementos", ela explica. "A gente pode estar bem hoje, mas amanhã é aniversário da pessoa que se foi, e fica triste. Depois, pode ganhar um prêmio, e ficar feliz. É como uma montanha-russa".

Dentro disso, os comportamentos podem ter significados diferentes. A pessoa enlutada pode manter todos os pertences do ente querido como maneira de ficar preso ao sofrimento, orientado para a perda, ou como maneira de manter memórias felizes, orientada para a reestruturação. "Por isso não existe regra universal. Depende de porque a pessoa está mantendo aquilo".

Outra dúvida frequente é em relação às crianças. Raissa explica que é importante falar abertamente com a criança, não tentar esconder ou reprimir os sentimentos. "Mais tarde, conta sempre vem. A criança pode desenvolver até fobias por um período de luto mal resolvido".

Na saída da palestra, um sepultamento tomava início do lado de fora. Os familiares e amigos seguiam, juntos, para se despedir de um mais ente querido que se foi. Mais uma lição sobre como a morte é inevitável e está presente no nosso cotidiano. Por isso, deve ser encarada de maneira natural.

"A vida não é o contrário da morte", diz a estudante de psicologia, Sâmia. "A morte na verdade é um complemento, faz parte da vida", analisa.

Fonte: Campo Grande News

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