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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Enfrentamento dos danos ambientais não pode ficar restrito ao aquecimento planetário. Entrevista com Álvaro Rodrigues dos Santos

“O quanto cabe à interferência humana no valor das taxas de aquecimento e no ritmo de seus incrementos ainda é um debate aberto”, diz o geólogo.


O enfrentamento dos problemas ambientais “crônicos”, tais como poluição atmosférica, poluição de águas superficiais e subterrâneas, contaminação de solos, enchentes urbanas, crise hídrica, não tem, necessariamente, relação direta com o aquecimento global e, portanto, “a solução não pode agora ser esperada e oportunistamente condicionada à redução das taxas de aquecimento planetário”, afirma Álvaro Rodrigues dos Santos à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail.

De acordo com o pesquisador, embora o debate sobre a contribuição humana na alteração das taxas de aquecimento global ainda seja um tema em discussão, as discussões acerca da questão climática não são “uma brincadeira dentro da qual se dê para ‘pagar para ver’. Mesmo que ainda não cabalmente comprovada, o homem deve trabalhar desde já com a hipótese de sua colaboração para o aquecimento estar sendo substancial, o que exige que promova urgentemente todas as alterações necessárias para a mais rápida redução dessa variável”, pontua.

Segundo ele, é preciso romper com as “dificuldades que têm marcado” as conferências do clima, especialmente em relação à “dificuldade dos governos dos países mais desenvolvidos em promover internamente as alterações que têm sido propostas nos meios de produção industrial”. E acrescenta: “Será fundamental que a comunidade científica e autoridades de maior responsabilidade, com visão civilizatória, mobilizem a participação popular como elemento de pressão sobre os grandes poderes econômicos, sem o que os avanços sempre serão muito menores do que os minimamente necessários para algo mais substancial na redução das taxas de aquecimento”.

Álvaro Rodrigues dos Santos é graduado em Geologia pela Universidade de São Paulo – USP. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT e diretor da Divisão de Geologia Aplicada e é diretor-presidente da ARS Geologia Ltda.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as “honestas e também as não muito honestas dúvidas que ainda subsistiam sobre a veracidade e consistência científica das teses e informações apontadas pelo IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas”?

Álvaro Rodrigues dos Santos – Os primeiros anos de intensos debates sobre o primeiro relatório do IPCC foram pontuados, nos dois extremos, por atropelamentos da ciência, sejam provenientes da falta de preparo e competência dos antagonistas, sejam provenientes de pessoas, mesmo da ciência, infelizmente contaminadas pelo impulso pessoal de busca de glória midiática, holofotes e altos cachês. Esse, vamos dizer, foi o cenário circense em que boa parte das discussões, infelizmente, aconteceram.

De outro lado, o debate mobilizou pesquisadores e centros de pesquisa de altíssima e reconhecida consistência científica que, independente de seus posicionamentos, enriqueceram e orientaram a enorme evolução dos conhecimentos registrada na matéria.

Mas há que se entender que as necessárias e urgentes reduções que se impõem na produção de gases que contribuem para o efeito estufa, por exemplo, mexem em impérios econômicos fortíssimos, que não têm em sua cultura empresarial o mais simplório hábito de lidar com limitações de mercado impostas por decisões externas, de caráter, digamos, civilizatório. Seria e foi natural que esses grandes interesses cooptassem homens de ciência e de mídia com o objetivo de desqualificar as teses do aquecimento global defendidas pelo IPCC e tantos centros de pesquisa. Esse é o lado desonesto a que me referi. Não há dúvida que se eventualmente grandes grupos econômicos vislumbrarem bons negócios no combate ao aquecimento global, o mesmo fenômeno de cooptação intelectual também se estabelecerá, apenas com sinal trocado. Nada a se estranhar, esse é um atributo do mundo em que vivemos.

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“Não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam as causas essenciais das enchentes nas médias e grandes cidades brasileiras”

IHU On-Line – Em seu artigo “Aquecimento Global, falácias e verdades”, você fala da necessidade urgente de enfrentamento dos problemas que levam ao aquecimento por parte dos governantes e poder público. Pode detalhar como imagina que deva ser esse enfrentamento?

Álvaro Rodrigues dos Santos – No artigo citado eu me refiro ao ataque urgente aos nossos problemas crônicos que não têm qualquer relação com o aquecimento global, e cuja solução não pode agora ser esperta e oportunistamente condicionada à redução das taxas de aquecimento planetário. Entre esses problemas, poluição atmosférica, poluição de águas superficiais e subterrâneas, contaminação de solos, enchentes urbanas, áreas de risco em encostas e margens de cursos d’água, perda e empobrecimento agronômico de solos agricultáveis, depauperação de corpos florestais ativos, crises hídricas, binômio erosão/assoreamento, degradação de mananciais de boa água, depleção do lençol freático, penúrias de mobilidade urbana, etc.

IHU On-Line – Há pesquisadores e cientistas que defendem que o aquecimento global não é causado pela ação do homem, e sim mais um dos ciclos que ocorrem no Planeta. Qual sua consideração sobre essa linha de raciocínio?

Álvaro Rodrigues dos Santos – O quanto cabe à interferência humana no valor das taxas de aquecimento e no ritmo de seus incrementos ainda é um debate aberto. Como a movimentação térmica na atmosfera é decorrência do que ocorre na superfície do planeta em resposta às irradiações solares, e entendendo que o homem, em apenas 10 mil anos do Neolítico, e dentro desse período, concentradamente nos últimos 400 anos, alterou radicalmente as condições ambientais da biosfera, é de se imaginar que essa nova condição tenha gerado substanciais reflexos na movimentação térmica da atmosfera.

De qualquer forma, não se trata de uma brincadeira dentro da qual se dê para “pagar para ver”. Mesmo que ainda não cabalmente comprovada, o homem deve trabalhar desde já com a hipótese de sua colaboração para o aquecimento estar sendo substancial, o que exige que promova urgentemente todas as alterações necessárias para a mais rápida redução dessa variável.

IHU On-Line – Considerando o “fracasso” das Conferências do Clima em relação à tomada de decisões a serem adotadas pelos países, o que se espera para 2015 nas negociações de Paris?

Álvaro Rodrigues dos Santos – As mesmas dificuldades que têm marcado todas essas conferências, qual seja, a enorme dificuldade dos governos dos países mais desenvolvidos em promover internamente as alterações que têm sido propostas nos meios de produção industrial. Será fundamental que a comunidade científica e autoridades de maior responsabilidade, com visão civilizatória, mobilizem a participação popular como elemento de pressão sobre os grandes poderes econômicos, sem o que os avanços sempre serão muito menores do que os minimamente necessários para algo mais substancial na redução das taxas de aquecimento.

IHU On-Line – Em 2009, você escreveu sobre os efeitos da geotécnica dos rebaixamentos de lençóis freáticos e da abertura indiscriminada de poços por empreendimentos individuais. Na época, destacou que as autoridades que deveriam gerir recursos hídricos não vão além de discursos. Recentemente, a estiagem em São Paulo fez crescer a procura por perfuradoras de poços. Autoridades estimam que mais de 80% dos poços são ilegais. De 2009 até agora nada mudou? Como resolver esse problema da exploração indiscriminada dos lençóis?

Álvaro Rodrigues dos Santos – Ao menos no Estado de São Paulo, que conheço mais de perto, basicamente nada mudou de mais substancial na gestão da exploração das reservas hídricas subterrâneas. Pelo contrário, a atual crise hídrica promoveu a entrada no mercado técnico de instalação de poços profundos um sem número de aventureiros, do que mais dificuldades deverão ser esperadas no que toca ao registro e monitoramento dos poços assim abertos, como até na qualidade operacional desses poços.

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“Nossas cidades perdem a capacidade de reter boa parte do volume das águas pluviais lançando-as rápida e diretamente sobre o sistema de drenagem”



IHU On-Line – Um dos temas que ocupa sua pesquisa é a questão das enchentes. Esse tipo de fenômeno está se tornando mais frequente no Brasil? Por quais razões?

Álvaro Rodrigues dos Santos – Não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam as causas essenciais das enchentes nas médias e grandes cidades brasileiras, a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de nossas drenagens pelo volumoso assoreamento promovido por sedimentos originados dos intensos processos erosivos que ocorrem nas frentes periféricas de expansão urbana e por muito lixo e entulho de construção civil descartados irregularmente.

Esse quadro determina o que podemos chamar de a equação das enchentes urbanas: “Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”. Ou seja, nossas cidades perdem a capacidade de reter boa parte do volume das águas pluviais lançando-as rápida e diretamente sobre o sistema de drenagem.

Na verdade, do ponto de vista da drenagem urbana e, por conseguinte, do fenômeno das enchentes, a base da cultura técnica que vem comandando a expansão de nossas cidades está radicalmente equivocada. O fundamento dessa cultura técnica viciosa está na intenção de nos livrarmos das águas de chuva o quanto mais rapidamente possível. Para isso lança-se mão da extensa impermeabilização da superfície urbana, de uma intensa rede de drenagens construídas – valetas, bueiros, galerias – também totalmente impermeável e da retificação e canalização dos córregos e rios. O crescimento em número e intensidade dos episódios de enchentes têm sido cruel na demonstração que não há capacidade de vazão instalada para dar conta de tanta água em tão curto espaço de tempo. Por outro lado, uma outra cultura técnica deletéria tem caracterizado nossa expansão urbana, o uso intensivo de terraplenagens para produção artificial de áreas planas para a construção. Aliada a essa deformidade urbanística e arquitetônica, é dominante o total descaso com os processos erosivos e consequente assoreamento da rede de drenagens naturais e construídas. Ou seja, uma cultura técnica que acumula erros sobre erros, impondo pesados ônus de todas as ordens às populações urbanas.

IHU On-Line – Quais são os principais erros técnicos cometidos pelos agentes públicos na tentativa de barrar as enchentes?

Álvaro Rodrigues dos Santos – O grande erro está em não atacar as enchentes em suas reais causas. Todos os programas de combate às enchentes têm privilegiado as medidas estruturais de ampliação da capacidade de vazão de seus principais cursos d’água. A par disso, as cidades continuam a crescer por espraiamento espontâneo, atingindo mananciais e incorporando seguidamente mais espaços impermeabilizados à mancha urbana, canalizando cursos d’água, promovendo a erosão e não disciplinando o lançamento irregular de entulho de construção civil e lixo urbano. O resultado não poderia ser outro, atingimos uma situação de extremo grau de periculosidade frente ao aumento de frequência e intensidade das enchentes urbanas.

IHU On-Line – Em que consistiria um programa para barrar as enchentes?

Álvaro Rodrigues dos Santos – A primeira e elementar medida seria parar de errar, ou seja, parar de cometer os erros básicos que estão na origem de nossas enchentes urbanas. Incrivelmente, nossas cidades continuam a se expandir impermeabilizando totalmente as novas áreas urbanizadas e, por operações pontuais ou generalizadas de terraplenagem, expondo os solos a intensos processos erosivos. É algo kafkiano, investem-se bilhões de reais em obras estruturais de combate às enchentes e simplesmente não se toma a decisão de parar de provocar as enchentes.

De qualquer forma, há um enorme elenco de medidas não estruturais que podem e devem ser tomadas pelas municipalidades, voltadas a aumentar a capacidade urbana de retenção das águas de chuva e reduzir o assoreamento do sistema de drenagem: multiplicação de bosques florestados, execução de calçadas e valetas drenantes, pátios, estacionamentos e pavimentos drenantes, implantação de reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva… Enfim, são providências conhecidas e adotadas com sucesso em muitas cidades americanas, europeias e japonesas. São a expressão de uma nova cultura técnico-urbanística em que o objetivo está no esforço em se recuperar a original capacidade da área hoje urbanizada em reter águas de chuva, ou por acumulação ou por acumulação e infiltração.

Um programa dessa natureza terá a competência para reduzir a incidência e a dimensão das enchentes urbanas e, virtuosamente, tornar menos dispendiosas as obras estruturais que se mostrem ainda necessárias.

Fonte: EcoDebate

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