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quinta-feira, 9 de junho de 2016

Produção de pinhão cai 40% e araucária está na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas

Produção de pinhão cai 40% e araucária está na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas. Entrevista especial com Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez


“A invisibilidade do mercado do pinhão também é um empecilho para mensurar seus impactos socioeconômicos, pois a comercialização clandestina e a falta de controle fiscal impedem dimensionar a magnitude da comercialização e seus impactos”, afirmam as pesquisadoras.

Entre os fenômenos ambientais que explicam a redução de 30 a 40% na safra do pinhão no Rio Grande do Sul neste ano, destacam-se o acúmulo de chuvas e os invernos menos frios, mas outros aspectos devem ser considerados na análise, afirmam Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez, entre eles, “o incremento do setor turístico”, “o contexto socioeconômico e a precarização do trabalho” na região de São Francisco de Paula, uma das maiores produtoras de pinhão no Rio Grande do Sul, “o êxodo rural” e “as dificuldades de acesso à terra”. Além desses fatores, outro ponto importante a ser considerado “é o ciclo vegetativo da própria araucária”, afirmam.

Integrantes do grupo de pesquisa “Fortalecimento do Desenvolvimento do Território Rural dos Campos de Cima da Serra: a cadeia extrativista do pinhão em São Francisco de Paula/RS”, as pesquisadoras da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul –UERGS informam que, segundo produtores do município de São Francisco de Paula, “a grande safra virá em 2018”, visto que em 2015 e 2016 houve queda na produção de pinhão, e o mesmo deve ocorrer em 2017. É comum escutar destes produtores que a araucária tem um ciclo de três anos de baixas produções, para no quarto ano apresentar alta produção”, dizem.

Apesar de o ciclo vegetativo da araucária variar, as pesquisadoras alertam para o “risco de extinção” da planta, que está na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas de 2014, organizada pela Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. “A Araucaria angustifolia encontra-se dentro da categoria ‘ameaçada–vulnerável’. Tais listas apenas divulgam o que as populações locais já vinham percebendo em seu dia a dia. É fato, a araucária está desaparecendo da paisagem dos Campos de Cima da Serra e da Serra e, com ela, uma tradição centenária de utilização do pinhão na alimentação humana. Basta ver que as receitas à base de pinhão estão mais difíceis de serem encontradas na culinária sulina”, alertam.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, as pesquisadores dizem ainda que “o que mais tem chamado a atenção” na elaboração da pesquisa que desenvolvem “é a pouca ou quase nula motivação/intervenção do poder público municipal e estadual em relação à preservação e cultivo de araucárias. Parece-nos simples – não existe produção de pinhão sem os cuidados necessários ao manejo das araucárias!”.

Outro ponto a ser investigado, frisam, “é a da não flexibilização da normatização oficial, pois se sabe, por meio dos catadores/coletores/produtores, que o pinhão está amadurecendo cada vez mais cedo, como informa o agricultor da feira de São Chico: ‘o pinhão amadurece cada vez mais cedo, é possível ter pinhão já no final de fevereiro’”. Segundo elas, é “urgente, para uma produção mais sustentável do pinhão”, “rediscutir a Portaria 20/1976”, a qual determina que “a coleta e venda do pinhão só pode ser efetivada a partir de 15 de abril”.

Patrícia Binkowski é doutora em Desenvolvimento Rural e Aline Reis Calvo Hernandez é doutora em Metodologia e Psicologia Social. As professoras lecionam na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS, na Unidade Universitária em São Francisco de Paula, onde desenvolvem a pesquisa “Fortalecimento do Desenvolvimento do Território Rural dos Campos de Cima da Serra: a cadeia extrativista do pinhão em São Francisco de Paula/RS”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Evidenciam uma queda na safra do pinhão nos últimos anos? É possível identificar quais são as razões? Desde quando isso vem ocorrendo?

Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Sim, conforme a pesquisa “Características do Extrativismo do Pinhão e Situações de Conflito no Nordeste do Rio Grande do Sul, Brasil”, realizada no município de São Francisco de Paula e região, é possível identificar uma queda na safra do pinhão nos últimos anos (VIEIRA-DA-SILVA et. al., 2012). As variáveis são múltiplas e vamos comentar algumas delas. Uma variável importante é o incremento do setor turístico e, consequentemente, o aumento na procura pelo pinhão e produtos derivados. O contexto socioeconômico e a precarização do trabalho em São Francisco de Paula e região, além do êxodo rural e das dificuldades de acesso à terra, também contribuíram para um incremento no número de catadores de pinhão, que nem sempre extraem as pinhas ou coletam as sementes de forma correta. Em muitas ocasiões a pinha é colhida ainda verde, não respeitando as práticas tradicionais (de subida no pinheiro e coleta no chão após debulha natural). A colheita prematura reduz as possibilidades de reprodução da árvore, pois diminui a dispersão natural das sementes, além de impedir que sirvam como fonte alimentar à fauna nativa.

No imaginário serrano há uma forte tendência em defender que a gralha azul é a responsável por dispersar as sementes, após se alimentar delas, mas há controvérsias quanto a essa afirmação. Alguns biólogos afirmam que são os pequenos roedores terrestres os principais vetores, pois enterram grande quantidade de sementes no solo, sendo esquecidas e assim gerando novas árvores.

Segundo a legislação vigente, Portaria 20/1976, a coleta e venda do pinhão só pode ser efetivada a partir de 15 de abril, no entanto é comum encontrar pinhão antes dessa data. Por outro lado, existem aqueles catadores que preferem estocar o produto para ser vendido em momentos de ápice turístico para que assim a venda atinja valores elevados. Esse último aspecto reduz a oferta do produto na região, pois há muita demanda e pouca oferta. No período próximo àFesta Municipal do Pinhão em São Francisco de Paula, o preço de R$ 5,50 cobrado em feiras locais pode dobrar. Cabe considerar, ainda, que a cada três ou quatro anos o pinheiro tem vasta produção, depois a planta fica exaurida e a produção fica menos extensa, havendo uma oscilação na produtividade. As chuvas em excesso e condições climatológicas atípicas também interferiram na safra.


“O pinhão pode gerar mais renda que a madeira da araucária, desde que sejam utilizadas as técnicas adequadas de manejo.”

IHU On-Line – Como se dá o cultivo do pinhão no estado hoje?

Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Entre 1930 e 1970 a madeira da araucária teve grande importância econômica no Brasil, ocasionando seu desmatamento. Atualmente, a árvore está ameaçada de extinção. Alguns referenciais teóricos (DANNER et. al. 2012) indicam que o pinhão pode gerar mais renda que a madeira da araucária, desde que sejam utilizadas as técnicas adequadas de manejo. A invisibilidade do mercado do pinhão também é um empecilho para mensurar seus impactos socioeconômicos, pois a comercialização clandestina e a falta de controle fiscal impedem dimensionar a magnitude da comercialização e seus impactos (SANTOS et al., 2002; SILVA e REIS, 2009).

Para Floriani (2007) seria interessante um sistema de certificação do pinhão, organizando a cadeia de comercialização em associações, cooperativas etc., ampliando a comercialização para os mercados institucionais como o PNAE(Programa Nacional de Alimentação Escolar) favorecendo a geração de renda aos agricultores e, ainda, fortalecendo a valorização de um produto com identidade regional e de relevância ecológica, cultural e econômica.

O fomento para a produção de pinhões exige conjugar forças entre diferentes segmentos: agricultores familiares, extratores, comerciantes, universidades e órgãos governamentais. A produção de pinhão está vinculada ao corretomanejo da araucária, ao melhoramento das sementes e à elaboração de normas e controles de mercado do pinhão e dos plantios comerciais de araucária. Para Vieira-da-Silva et. al. (2012), é preciso considerar os fatores biológicos e ecológicos da araucária, valorizando os saberes locais. Ainda, a prática de coleta deveria considerar a estimativa de produção para a safra seguinte.

IHU On-Line – Em quais locais do estado do Rio Grande do Sul a produção tem diminuído significativamente?

Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Tipicamente no RS a maior produção de pinhão se dá na região dos Campos de Cima da Serra e da Serra. Dados de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, nos mostram que os maiores produtores de pinhão do RS são: São Francisco de Paula com 72 toneladas; Bom Jesuscom 41 toneladas; Ilópolis com 32 toneladas; São José do Herval com 30 toneladas; Cambará do Sul com 28 toneladas; Carlos Barbosa com 27 toneladas; e Gramado com 26 toneladas. Estes sete municípios totalizam 256 toneladas, representando um terço da produção do estado, que no ano de 2013 foi de 823 toneladas.

Dados da Emater-RS/ASCAR, afirmam que houve uma queda de 30 a 40% na safra de 2016 (PÁGINA RURAL, 2016), atingindo os municípios citados anteriormente. Nos últimos anos o acúmulo de chuva foi muito alto e os invernos menos frios, tais aspectos são causadores da diminuição da safra. Outro ponto que cabe ressaltar é o ciclo vegetativoda própria araucária.

Os revendedores/produtores de pinhão da feirinha de agricultores de São Francisco de Paula comentam que a grande safra virá em 2018, já que em 2015, 2016, e possivelmente 2017, a produção de pinhão reduziu. É comum escutar destes produtores que a araucária tem um ciclo de três anos de baixas produções, para no quarto ano apresentar alta produção. Alguns pesquisadores irão dizer que a araucária necessita de uma “recuperação fisiológica das suas energias” e que por isso alterna baixas e altas produções.

IHU On-Line – A qualidade do pinhão também tem diminuído?

Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – O pinhão é fonte de proteínas, vitaminas e minerais e a qualidade do pinhão guarda relação com a safra e com as formas de armazenamento. Na Festa do Pinhão de São Francisco de Paula, em 2015, foram poucos os pontos de venda do produto e somente duas bancas venderam produtos derivados (pães, cucas, bolos, paçoca, doces de pinhão). Além disso, algumas bancas venderam pinhões pequenos e ainda verdes (de difícil cozimento). Freccia et. al. (2013) realizaram pesquisa sobre condições de armazenamento do pinhão, analisando fatores relacionados à desidratação, peso, comprimento, diâmetro, cor da epiderme, incidência de fungos.

Os resultados indicam que pinhões armazenados em redes plásticas e pinhões armazenados a granel desidrataram mais que aqueles acondicionados em bolsas plásticas, os congelados e os a vácuo. A armazenagem em bolsas, na pinha, congelados e a vácuo indicaram melhor aparência, pois conservaram melhor a cor da epiderme. Os pinhões embalados em bolsas plásticas mantiveram textura e sabor semelhantes aos observados na colheita.

Os pinhões congelados se esfarelavam mais facilmente. Como já comentamos anteriormente, é comum a estocagem do pinhão como uma estratégia de mercado, pois há maior demanda nos meses turísticos e nos períodos próximos às festas. Assim, a qualidade do pinhão dependerá substancialmente do período da colheita (a semente não pode estar verde) e também das formas de armazenamento utilizadas na estocagem.


“A araucária está desaparecendo da paisagem dos Campos de Cima da Serra e da Serra”

IHU On-Line – Qual é a atual situação das araucárias e do cultivo de araucárias no estado?

Patrícia Binkowski e Aline Reis Calvo Hernandez – Segundo dados do Livro Vermelho da Flora do Brasil (MARTINELLI eMORAES, 2013), a araucária está em “risco de extinção”; já naLista Vermelha das Espécies Ameaçadas de 2014, organizado pela Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul – FZB/RS, aAraucaria angustifolia encontra-se dentro da categoria “ameaçada–vulnerável”. Tais listas apenas divulgam o que as populações locais já vinham percebendo em seu dia a dia. É fato, a araucária está desaparecendo da paisagem dos Campos de Cima da Serra e da Serra e, com ela, uma tradição centenária de utilização do pinhão na alimentação humana. Basta ver que as receitas à base de pinhão estão mais difíceis de serem encontradas na culinária sulina. Nos estados do Paraná e Santa Catarina, a araucária vem sendo alvo de pesquisas com foco na conservação da espécie.

No Paraná, o professor Flávio Zanette, do Laboratório de Micropropagação Vegetal, da Universidade Federal do Paraná – UFPR, pesquisa técnicas de enxertia da araucária. O professor comenta que esta pode ser a solução para estimular o plantio econômico da espécie e que a vantagem da araucária enxertada está no início de produção dos pinhões que se dá em média em 10 anos (sem essa técnica, a produção só começa entre 12 e 15 anos).

No Rio Grande do Sul, temos alguns pesquisadores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, de São Leopoldo, que trabalham principalmente com pesquisas relacionadas à importância ecológica da araucária. Temos ainda a iniciativa de conservação da biodiversidade e da identidade cultural dos Campos de Cima da Serra, do Centro de Tecnologias Alternativas Populares – CETAP, com sede em Passo Fundo.

Na publicação “Frutas Nativas: alimentos locais, sabores e ingredientes especiais”, um dos produtos resgatados é o pinhão. Na pesquisa “Fortalecimento do Desenvolvimento do Território Rural dos Campos de Cima da Serra: a cadeia extrativista do pinhão em São Francisco de Paula/RS”, que está sendo realizada por professores da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS, o que mais tem chamado a atenção é a pouca ou quase nula motivação/intervenção do poder público municipal e estadual em relação à preservação e cultivo de araucárias. Parece-nos simples – não existe produção de pinhão sem os cuidados necessários ao manejo das araucárias!

Na região de São Francisco de Paula, não é realizado qualquer tipo de educação ambiental em relação ao plantio, ao manejo e tampouco à extração dos pinhões das árvores. Por exemplo, na Festa do Pinhão, realizada anualmente, não encontramos nenhum material de divulgação e conscientização sobre o histórico do pinhão, seu valor ecológico, social e cultural, divulgação de receitas, distribuição de mudas ou outras ações que valorizem e multipliquem iniciativas de conservação.

Outro ponto que chama a atenção é a da não flexibilização da normatização oficial, pois se sabe, por meio dos catadores/coletores/produtores, que o pinhão está amadurecendo cada vez mais cedo, como informa o agricultor da feira de São Chico: “o pinhão amadurece cada vez mais cedo, é possível ter pinhão já no final de fevereiro”. Isto se deve às diferentes etnovariedades de pinhão já encontradas nessa região, entre elas o pinhão-macaco, o caiuvá e o pinhão de março (VIEIRA-DA-SILVA et. al., 2012). Ou seja, rediscutir a Portaria 20/1976 nos parece urgente para uma produção mais sustentável do pinhão.

Por Patricia Fachin

Referências

DANNER, M. A.; ZANETTE, F.; RIBEIRO, J. Z. O cultivo da araucária para produção de pinhões como ferramenta para a conservação.Pesq. flor. bras., Colombo, v. 32, n. 72, p. 441-451, out./nov. 2012. Disponível aqui.”>. Acesso em: 25 Mai. 2016.

FLORIANI, G. S. Debulhando pinha, semeando pinhão: propostas de uso e conservação para a araucária. Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p. 1803-1806, 2007.

FRECCIA, C. F. et. al. Conservação de Pinhões em diferentes tipos de Acondicionamento e seus efeitos sobre a qualidade pós-colheita. Revista Técnico-Científica do IF SC, 2013. Disponível aqui. Acesso em: 25 Mai. 2016.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura 2013. Disponívelaqui.”>. Acesso em: 25 Mai. 2016.

MARTINELLI, G.; MORAES, M. A. Livro vermelho da flora do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2013.

PÁGINA RURAL. Dados EMATER-RS-ASCAR sobre a safra do pinhão. Disponível aqui.”>. Acesso em: 25 Mai. 2016.

SILVA, C. V.; REIS, M. S. Produção de pinhão na região de Caçador, SC: aspectos da obtenção e sua importância para comunidades locais. Ciência Florestal, Santa Maria, RS, v. 19, n. 4, p. 363-374, 2009.

VIEIRA-DA-SILVA, C. et. al. Características do extrativismo do pinhão e situações de conflito no Nordeste do Rio Grande do Sul, Brasil. In: PRINTES, R. C. (Org). Gestão Ambiental e negociação de conflitos em unidades de conservação do nordeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG, 2012.

Fonte: EcoDebate

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