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sábado, 16 de março de 2013

A água, hoje, não é para todos!!



Ana Echevenguá*

A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), realizada em Johannesburgo, África do Sul, tentou delinear os primeiros traços de um novo manejo dos bens globais. Mas o único consenso possível nesta primeira megaconferência do milênio envolveu a questão da água: 190 países prometeram reduzir à metade, até 2015, a população sem água potável e sem saneamento; e a restaurarem os recursos pesqueiros.

Embora algumas ongs do planeta tenham considerado o encontro um desastre, o Secretário-Geral da Cúpula, Nitin Desai, afirmou que "pela primeira vez, o mundo fez da questão da água e do saneamento uma prioridade política de alto nível".

Em decorrência deste acordo, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU declarou, em Genebra, em 27 de novembro de 2002, o acesso à água como direito humano indispensável e essa, um bem público, social e cultural, um produto fundamental para a vida e a saúde e não um produto básico de caráter econômico. E exigiu que os países adotem planos de ação nacionais para garantia desse direito. A declaração do Comitê deu-se em forma de "Comentário Geral", ou seja, uma interpretação das disposições do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Infelizmente, para o Estado-Maior Mundial da Água, esta ainda é tratada como bem econômico, sob o pretexto de melhor combate à escassez e à majoração do seu preço. A água tornou-se cara e será o "ouro azul" do século XXI! É, hoje, um bem negociável, com seu uso determinado por princípios mercadológicos e gestão submetida às leis da corrupção. Jorge Werthein, representante da UNESCO, visitou Florianópolis-SC, em janeiro de 2003, colocando à disposição do Estado os projetos já desenvolvidos. Ele se mostrou preocupado com a preservação do meio ambiente e alertou que a poluição dos recursos hídricos provocará, no futuro, a guerra pela água.

Desde o final dos anos 70, a conquista da água obedece a três princípios básicos: a mercantilização, a privatização e o oligopólio mundial entre os setores de água potável, de água engarrafada, de tratamento de água e de bebidas gaseificadas, num contexto beligerante pela hegemonia do mercado e de conflitos entre os Estados.

A privatização e a mercantilização das águas, no Brasil e no mundo, é uma exigência do FMI; trata-se de uma condição imposta a países pobres e subordinados para recebimento de empréstimos. À medida que a crise da água se intensifica, os governos, pressionados por corporações multinacionais, submetem-se à mercantilização e à subseqüente privatização como forma de resolução do problema. Ao mesmo tempo, assinam a renúncia sobre o controle de fontes d’água doméstica através da participação em tratados de comércio (NAFTA, Acordo de Livre Comércio da América do Norte e da OMC), concedendo a corporações transnacionais o seu direito sobre a água. Sob a proteção desses acordos internacionais de comércio, companhias exportam e/ou transportam água para revenda.

Ora, vender água ao melhor pagador somente exacerbará os piores impactos da crise mundial da água!

A concessão dos mananciais de água de Cochabamba, na Bolívia, para a empresa norte-americana Bachtel, em 1999. Este é um dos maiores exemplos de conflitos gerados pela privatização do sistema de abastecimento: assim que assumiu o controle da água, a empresa aumentou as tarifas entre 150% a 180%, sem ter melhorado o serviço.

O mundo, em protesto ao Fórum Mundial da Água, realizado no Japão (nominado de "Davos das Águas"), desenvolveu, simultaneamente, Fóruns Sociais das Águas, em Cotia (São Paulo - Brasil), Nova York (Estados Unidos) e Florença (Itália), na busca de alternativas à privatização dos recursos naturais. Seus integrantes pregaram que o gerenciamento dos recursos hídricos tem que passar por critérios diversos das leis do mercado. E que, se esses critérios ainda não existem, devem ser criados.

A água, hoje, não é para todos!! Seu consumo global duplica a cada 20 anos, duas vezes mais que a taxa o crescimento da população humana. 73% são utilizados na agricultura (atividade que mais desperdiça o bem: cerca de 60% de seu volume total se perde antes da irrigação da planta), 21% na indústria e 6% como água potável. EUA é o país que mais desperdiça água no mundo. Em especial, na manutenção dos seus 23.000 campos de golfe.

O futuro dos recursos vitais da Terra é determinado pelos que lucram com seu uso e abuso!!

Concluiu-se, no Fórum de Kioto, que os países devem considerar, também, o volume de água embutida nas exportações e importações. O Brasil é o 10º maior exportador de "água virtual" (conceito científico para calcular a quantidade de água necessária à produção de um bem). Segundo dados do Conselho Mundial da Água, cada quilo de pão gasta 150 litros de água para ser produzido. Para a batata, utiliza-se de 100 a 200 litros de água; a mesma quantidade de arroz consome 1.500 litros.

A ONU apurou que, no mundo, mais de um bilhão de pessoas não possui acesso à água potável. Nos distritos industriais do México, a água é tão escassa que bebês e crianças bebem Coca-Cola e Pepsi ao invés de água. E mais de 2 bilhões carecem de saneamento básico e infra-estrutura para o tratamento dessa. Isto provoca a morte de crianças pobres: mais de 7 milhões morrem a cada ano, vítimas de doenças relacionadas com a água de baixa qualidade: cólera, diarréia, malária, cólera, hepatite infecciosa, diarréia...

Estima-se que 80% de todas as doenças em desenvolvimento registradas no mundo são provocadas pela ausência de água potável. Na América Latina, 130 milhões de pessoas precisam de acesso regular a serviços de saúde. Conclui-se que, até por uma questão de economia, a água precisa ser tratada! Estudos da Organização Mundial de Saúde revelam que, para US$ 4 investidos em saneamento básico, são economizados US$ 10 de investimentos em saúde pública.

Por isso, 2003 foi eleito o Ano Internacional do cuidado com a água potável, um bem em extinção. Ainda que a superfície da Terra esteja coberta de água, somente uma pequena fração, 2,5%, é de água doce. Deste porcentual, 70% estão nos pólos; ou seja, menos de 1% da água doce é acessível para o uso humano. Além disso, atualmente, mais de 250 milhões de pessoas sofrem os efeitos da desertificação (um terço da superfície terrestre está ameaçada por este fenômeno).

O Brasil possui a maior reserva hídrica do mundo: as bacias da Amazônia e do Rio da Prata, o Pantanal de Mato Grosso, o Aqüífero Guarani, considerado a maior reserva subterrânea de água do Planeta, com águas subterrâneas suficientes para abastecer 170 milhões de pessoas durante 2400 anos. Apesar disso, nosso país apresenta vulnerabilidade climática: com poucos anos de seca, e a incompetência do Estado no gerenciamento da questão, enfrentou crise energética que compeliu a maioria da população ao racionamento de energia elétrica e de água.

Mas o domínio de nossas fontes de águas já experimenta privatizações. Os reflexos da mercantilização da água já foram sentidos dramaticamente pela comunidade da cidade mineira de São Lourenço, onde foi privatizada a exploração de águas de reconhecido valor terapêutico. E a onda de privatização segue seu curso. O projeto-de-lei 4147/01, que privatiza os serviços de água e esgoto - compromisso incluído no Memorando de Política Econômica encaminhado ao FMI - é meta governamental.

O que podemos fazer para solucionar este problema?

Inicialmente, é preciso capacitar os governos e as comunidades para utilizar os recursos hídricos. Além de problemas como aumento de tarifas e diminuição do acesso democrático à água, a falta de controle social sobre a água gera conflitos de interesses internacionais.

Temos uma legislação inaplicada até o momento. Em 1934, Getulio Vargas, "considerando que o uso das águas era regido por uma legislação obsoleta, em desacordo com as necessidades e interesses da coletividade nacional", decretou o Código de Águas, considerado um dos melhores do mundo. Mas, ainda é inoperante. A Lei 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos é clara em afirmar que a água é bem de domínio público, que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e que deve contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

A população precisa conscientizar-se da sua força e da importância do uso sustentável da água e da gestão e proteção das fontes deste elemento vital. A gestão da água deve ser justa, viável e ambientalmente sustentável. Os ecossistemas aquáticos são finitos e devem ser respeitados em sua singularidade.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, Coordenadora do Programa co&Ação – Ecologia e Responsabilidade, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Águas, email: ana@ecoeacao.com.br

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