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quinta-feira, 23 de julho de 2015

A interdisciplinaridade das mudanças climáticas. Entrevista com Tercio Ambrizzi

“Mais que multidisciplinar, as mudanças climáticas são interdisciplinares. Por exemplo, um aumento de temperatura tem impactos na saúde, na produção agrícola, na economia, etc. Note que tudo está inter-relacionado e devemos tratar este tema de forma conjunta e não isoladamente”, afirma o pesquisador.


Um dos pontos mais elogiados, tratado como grande avanço da Encíclica Laudato Si’, é a abordagem ampla que é dada ao tema do meio ambiente. Dentro do conceito de Ecologia Integral, o Papa Francisco não apresenta uma, mas sim várias crises. A saída para esse estado de crise requer pensamentos e ações integrais. O meteorologista Tercio Ambrizzi, especialista em fenômenos atmosféricos, endossa essa perspectiva. Para ele, mudança climática é tema de várias disciplinas — ou áreas de conhecimento —, já que o aumento da temperatura impacta desde a saúde da população, passando pela produção agrícola e chegando à economia.Ambrizzi destaca que o fato de a Igreja se posicionar desta forma sobre o tema confere ainda maisurgência no debate ambiental. “A Igreja católica tem possivelmente bilhões de fiéis no mundo todo. Se ela puder motivar estes fiéis a se engajarem e pressionarem os governos, talvez consigamos efetivamente ter uma política internacional de emissões”, afirma.

Na entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador avalia os recentes acordos internacionais e fala sobre o polêmico mercado de compensação de carbono, uma mania no mundo corporativo. “Com toda a publicidade em torno das mudanças climáticas, o tema sustentabilidade virou um modismo também”, destaca. O lado bom é que, se todos falam nisso, as empresas buscam meios de associar suas produções a formas de minimizar impactos ambientais. “Por outro lado, a compensação pelo mercado de carbono sugere que se alguém está emitindo muito é possível pagar para outro que emita menos. Assim, vendendo os créditos dessa forma, estaria contribuindo para um mundo sustentável”, explica. No entanto, ressalta que “é excelente quando uma empresa se torna sustentável, mas isso não pode ocorrer à custa de outra ou pela transferência de culpa por degradação a um terceiro”.

Tercio Ambrizzi é doutor em Meteorologia pela Universidade de Reading, na Inglaterra. Foi Diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo – USP e professor do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP. Foi Chefe do Departamento de Ciências Atmosféricas e é membro da Comissão de Pesquisa do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Foi editor-chefe da Revista Brasileira de Meteorologia. Tem coordenado projetos nacionais e internacionais de pesquisa. Atua na área de Ciências Atmosféricas, com ênfase em Meteorologia Dinâmica, Modelagem Numérica da Atmosfera e Climatologia. É autor principal de um dos relatórios de mudanças climáticas regionais encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente em uma parceria entre USP e CPTEC/INPE.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como a Encíclica Laudato Si’ foi recebida entre os cientistas brasileiros? Quais as contribuições mais significativas do documento para o campo?

Tercio Ambrizzi – De forma geral, a Encíclica foi bem recebida. Demonstra uma preocupação com o planeta de forma geral e um apoio bem-vindo para as discussões que irão ocorrer na próxima COP [1]. Em termos de contribuições, ela faz, na verdade, uma revisão básica do estado da arte do conhecimento. Mas, por óbvio, não há contribuições científicas novas.

IHU On-Line – A grande questão ambiental que está presente em todos os capítulos da Laudato Si’ é o aquecimento global. Como é possível compreender esse fenômeno na perspectiva da Encíclica?

Tercio Ambrizzi – Não li todo o conteúdo da Encíclica, mas em vários trechos o texto tenta deixar claro o conceito doaquecimento global e o quanto nocivo pode ser para a humanidade.

IHU On-Line – A Laudato Si’ é elogiada pelo embasamento científico. No entanto, é criticada por ter excluído a vertente que pensa o aquecimento global de forma não antropogênica. Como avalia essa questão? Qual o impacto das ações humanas no aquecimento?

Tercio Ambrizzi – Na verdade, a fração de pesquisadores que são considerados negacionistas [2] é muito pequena comparado com aqueles que concordam que as mudanças climáticas, particularmente sua aceleração em relação à variabilidade natural, é fruto da ação do homem. Além do mais, as bases científicas utilizadas para negar o aquecimento global são fracas e têm muito mais incertezas do que as que afirmam que ele se deve à ação antrópica.

IHU On-Line – De que forma as mudanças climáticas impactam na organização da sociedade, na economia e até mesmo nas relações internacionais? Como podemos perceber isso desde o Brasil?

Tercio Ambrizzi – As mudanças climáticas podem impactar a sociedade de diversas formas. Se pegarmos apenas os impactos devidos a extremos climáticos (enchentes ou secas extremas, por exemplo), veremos que há um impacto grande sobre as pessoas mais vulneráveis (desabrigados devido a enchentes ou lavouras ou culturas de subsistência sem água em razão de períodos de secas extensas). Isso acaba se refletindo na economia local e mesmo do Estado. Como mudanças do clima não têm fronteiras, todos estão envolvidos. Sendo assim, a discussão das reduções de emissões de gases de efeito estufa (GEE), da mitigação de impactos e outros tem um carácter transfronteiriço.

No Brasil, a percepção da variabilidade climática tem aumentado em função das secas contínuas no nordeste do Brasil e dos dois anos seguidos de seca no sudeste. Isso acarretou diminuição drástica dos reservatórios de água, impactando na produção de energia. Tais fatores têm impactos enormes na economia como um todo, prejudicando a agricultura, a indústria e mesmo o turismo em algumas regiões.

“Todos nós vivemos no mesmo planeta, e o clima não tem fronteiras”
   

IHU On-Line – O senhor integrou o grupo que trabalhou na composição do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). De que forma a Encíclica dialoga com os principais apontamentos do estudo?

Tercio Ambrizzi – O PBMC seguiu muito de perto a estrutura doIPCC [3], mas com um foco na ciência das mudanças climáticas que estava sendo feita no Brasil, particularmente. Os princípios da Encíclica estão inseridos nos Relatórios preparados pelo Painel. No entanto, no nosso caso, o foco era a América do Sul com ênfase no Brasil.

IHU On-Line – Passados quase dois anos da apresentação dos estudos do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, de que forma os governos (da União e dos estados) vêm buscando soluções para questões emergidas da pesquisa?

Tercio Ambrizzi – Os relatórios produzidos pelo PBMC têm servido de base para alguns planos de ciência e tecnologia do governo. Servem, também, para apontar algumas deficiências em estudos específicos para o Brasil. Creio que, como uma primeira experiência, foi válido. No entanto, é necessário deixar claro que o PBMC deve continuar, e com ênfase e suporte do próprio governo. O objetivo deve ser o de contribuir para o aprimoramento da pesquisa neste tema e um desenvolvimento tecnológico para mitigar e se adaptar às mudanças do clima.

IHU On-Line – De que forma a ciência, em especial Ciência Atmosférica e estudos de clima, pode ser impactada pela Laudato Si’?

Tercio Ambrizzi – Creio que o maior impacto é na publicidade em relação à importância desta área para toda a humanidade e em sua expansão e conhecimento em termos científicos.

IHU On-Line – A Encíclica critica a segmentação e o tecnocentrismo do mundo da ciência. Como compreender as mudanças climáticas de forma multidisciplinar?

Tercio Ambrizzi – Na verdade, mais que multidisciplinar, as mudanças climáticas são interdisciplinares. Por exemplo, um aumento de temperatura tem impactos na saúde, na produção agrícola, na economia, etc. Note que tudo está inter-relacionado e devemos tratar este tema de forma conjunta e não isoladamente.
   

“Se pegarmos apenas os impactos devidos a extremos climáticos, veremos que há um impacto grande sobre as pessoas mais vulneráveis”

IHU On-Line – A onda de compensação pelo mercado de carbono é vista como forma de minimizar impactos ambientais pela ação do ser humano. No entanto, o Papa Francisco alerta que essa lógica não subverte o sistema de degradação do planeta. Qual a sua opinião? Por que essa compensação virou mania, indo de grandes corporações até pequenas organizações? Quais os riscos dessa política?

Tercio Ambrizzi – Primeiramente, com toda a publicidade em torno das mudanças climáticas, o tema sustentabilidade virou um modismo também. Assim, grandes corporações e mesmo as pequenas utilizam esse slogan para promover a relação entre seus produtos e a forma sustentável com que são gerados.

Por outro lado, a compensação pelo mercado de carbono sugere que se alguém está emitindo muito é possível pagar para outro que emita menos. Assim, vendendo os créditos dessa forma, estaria contribuindo para um mundo sustentável. A preocupação do Papa vai na seguinte direção: é excelente quando uma empresa se torna sustentável, mas isso não pode ocorrer à custa de outra ou pela transferência de culpa por degradação a um terceiro.

IHU On-Line – Como deve ser o impacto da Laudato Si’ na política internacional de emissão de gases? E de que forma pode inspirar as discussões da COP 21, em dezembro, em Paris?

Tercio Ambrizzi – A Igreja católica tem possivelmente bilhões de fiéis no mundo todo. Se ela puder motivar estes fiéis a se engajarem e pressionarem os governos, talvez consigamos efetivamente ter uma política internacional de emissões de GEE. Dessa forma, teremos um novo “Protocolo de Kyoto” [4] mais abrangente e forte.

IHU On-Line – Como o senhor avalia os recentes acordos entre países sobre a redução na emissão de gases?

Tercio Ambrizzi – Os acordos ainda são tímidos e a visão de gastos econômicos para efetivá-los é o verdadeiro motor por trás disso. Por outro lado, os acordos recentes dos dois maiores poluidores mundiais, China e Estados Unidos, mostram que pelo menos há uma intenção de diálogo e propostas. Isso pode ser um avanço.

“As bases científicas utilizadas para negar o aquecimento global são fracas e têm muito mais incertezas do que as que afirmam que ele se deve à ação antrópica”

IHU On-Line – A Laudato Si’ concebe o clima como bem comum. Destaca a importância da Amazônia, Bacia Fluvial do Congo, grandes lençóis freáticos e glaciares. Como pensar nesses locais como bem comum, de todos, sem destituir a soberania dos países? Aliás, qual a responsabilidade dos países que detêm essas áreas tão fundamentais para equalização do clima? A preservação das áreas passa pela manutenção dessa soberania?

Tercio Ambrizzi – Todos nós vivemos no mesmo planeta, e o clima não tem fronteiras. Num primeiro momento, impedir que a Floresta Amazônica seja destruída, por exemplo, serviria para todos em termos de diminuição das emissões de carbono e impacto no clima global. Cabe ao país a preservação, sim. Não somente pensando no seu próprio povo, mas também em termos globais. Ações de manutenção devem ser feitas pelo próprio país ou então em colaboração com outros uma vez que pode beneficiar a todos. Obviamente toda e qualquer ação tem que ser liderada pelo país onde o ambiente deve ser preservado.

IHU On-Line – E em que medida a internacionalização dessas áreas, como a Amazônia, representa um risco para todo mundo?

Tercio Ambrizzi – Este é um tema mais difícil. Sem dúvida envolve a soberania discutida anteriormente. Creio que os governos devem ter ações próprias, amparadas pelo seu povo em função da importância de se preservar uma floresta tão importante como a Amazônia. Acredito que através da educação e do conhecimento possamos criar umaconsciência sustentável para toda a nação. Assim, desta forma, preservar, cuidar e monitorar fará parte do nosso dia a dia, a fim de salvar o planeta em que vivemos.

Por João Vitor Santos

Notas:

[1] COP 21: COP é a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. É a autoridade máxima para a tomada de decisões sobre os esforços para controlar a emissão dos gases de efeito estufa. Em 2015, a COP tem sua 21ª edição, a ser realizada em Paris, França, em dezembro. O objetivo é revisar o comprometimento dos países, analisar os inventários de emissões e discutir novas descobertas científicas sobre o tema. Foi criada na ECO-92 e teve sua primeira edição em 1995, em Berlim, na Alemanha. Desde então, ocorre anualmente. (Nota da IHU On-Line)

[2] No sentido de que negam o aquecimento global antropogênico. (Nota da IHU On-Line)

[3] Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática – IPCC: órgão das Nações Unidas responsável por produzir informações científicas em três relatórios que são divulgados periodicamente desde 1988. Os relatórios são baseados na revisão de pesquisas de 2.500 cientistas de todo o mundo. O documento divulgado pelo IPCC em fevereiro de 2007 afirmou que os homens são os responsáveis pelo aquecimento global. Sobre o tema, a IHU On-Line 215 produziu uma edição especial, intitulada Estamos no mesmo barco. E com enjoo. Anotações sobre o relatório do IPCC. O sítio do IHU tem dado ampla cobertura ao tema. No endereço eletrônico (www.unisinos.br/ihu) podem ser acessadas entrevistas sobre o assunto. (Nota da IHU On-Line)

[4] Protocolo de Kyoto ou Protocolo de Quioto: consequência de uma série de eventos iniciada com a Toronto Conference on the Changing Atmosphere, no Canadá (outubro de 1988), seguida pelo IPCC’s First Assessment Report em Sundsvall, Suécia (agosto de 1990) e que culminou com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CQNUMC, ou UNFCCC em inglês) na ECO-92 no Rio de Janeiro, Brasil (junho de 1992). Também reforça seções da CQNUMC. Constitui-se no protocolo de um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como causa antropogênica do aquecimento global.

Fonte: EcoDebate

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