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terça-feira, 17 de abril de 2018

Impactos da revolução verde, Parte 2/2 (Final), artigo de Roberto Naime

Essa revolução foi introduzida no país na época da ditadura militar, nos anos 60 e 70, com as mesmas características do restante do mundo, uma vez que o modelo sustenta a premissa de que a agricultura pode ser industrializada.


Um dos impactos marcantes dessa modernização do setor está na incidência de monoculturas com plantas híbridas, além de ser fortemente apoiada em energias não renováveis, nos agrotóxicos, nos adubos e na intensa mecanização e alteração genética dos alimentos, sendo bastante questionada.

“Essa necessidade de insumos é decorrente da não valorização da biodiversidade funcional nos agroecossistemas, caracterizando-se por ser um pacote tecnológico desenvolvido para a produção em larga escala, em grandes monoculturas”, explica José Maria Gusman Ferraz.

Na época em que foi introduzida, foram criadas políticas públicas para adoção do novo modelo por parte dos agricultores. Entre elas, pode-se citar o crédito subsidiado atrelado à compra de insumos como agrotóxicos e adubos.

A criação de órgãos de pesquisas nacionais e estaduais para dar suporte ao modelo também é considerada como um incentivo, junto ao treinamento, no exterior, dos professores das faculdades de agronomia e a criação de um serviço de extensão rural para levar a tecnologia até o agricultor.

Pedro Abel Vieira Júnior, doutorando do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), afirma que o Brasil e a Índia foram grandes beneficiados economicamente pelo novo sistema e pela modernização da cultura agrícola.

Para ele, parte disso se deve ao fato de, no Brasil, ter sido desenvolvida uma tecnologia própria para a chamada agricultura tropical, o que culminou, atualmente, na liderança do país em tecnologia para a produção agrícola nos trópicos.

“A partir da década de 1990, a disseminação dessas tecnologias em todo o território nacional permitiu que o Brasil vivesse um grande desenvolvimento agrícola, com aumento das fronteiras de produção e disseminação de culturas em que o país é recordista de produtividade, como a soja, o milho e o algodão, entre outros. Há quem denomine esse período da história brasileira de a Era do Agronegócio”, sustenta Pedro Abel.

Sem dúvida, uma das mais acaloradas discussões sobre as consequências da Revolução Verde reside nos alimentos transgênicos ou geneticamente modificados. Ainda não se chegou a um consenso sobre o assunto, que divide a opinião de especialistas e da sociedade civil. Há quem defenda que os transgênicos possam acabar com a fome no mundo. Contudo, há quem afirme que eles podem acarretar inúmeros danos à saúde humana e animal e também ao meio ambiente.

Em artigo publicado na “ComCiência”, Lavína Pessanha aponta que Estados Unidos e União Européia representam visões distintas sobre o tema e que se contrapõem. Os primeiros são a favor da liberação, alegando não haver nenhuma comprovação científica dos malefícios dos alimentos geneticamente modificados, já os europeus defendem que é preciso pesquisar melhor antes de disponibilizar os transgênicos para consumo.

Não faz sentido exercer qualquer condenação prévia e apriorística da biotecnologia ou de qualquer substância química, com apropriação dogmática. Qualquer inovação tecnológica teve como estimulação, os benefícios que podem ser gerados, embora possam ter trajetória tão diferenciada quanto são as intenções e predisposições.

Assim, todos os procedimentos merecem isenção e avaliações em cada caso, e não condenações gerais de qualquer natureza, que respondam a anseios dogmáticos ou políticos.

Conforme já se referiu, mesmo que não se apregoe qualquer restrição às evoluções científicas que inegavelmente são representadas por incrementos na transgenia, não custa nada admoestar a todas as partes interessadas que é preciso ter um pouco de humildade.

Mecanismos de proteção que podem até interferir na seleção natural, e produzem complexas reações bioquímicas, são temerários, sem compreender todas as relações implícitas ou explícitas, e não lineares ou cartesianas da homeostase dos ecossistemas.

Logo, parece um pouco pretensioso na atual fase de conhecimentos da civilização humana, implementar estes incrementos sem considerar os princípios de precaução e sem mobilizar tentativas mais sistêmicas e holísticas de se apropriar da realidade.

Ferraz alerta para um dos problemas ambientais e de saúde que podem resultar da implementação das sementes transgênicas, seguida da utilização de agrotóxicos. “O uso de um produto seguidamente leva à seleção das plantas resistentes, que passam a competir com a cultura. Num primeiro momento, aumenta-se o uso do herbicida, aumentando o impacto ambiental pelo aumento dos resíduos. Como isso não tem resolvido o problema, agora aparecem plantas transgênicas chamadas de ‘piramidadas’, que são resistentes a mais de um herbicida, ou plantas transgênicas que usam herbicidas com maior toxicidade, e em alguns casos sob suspeição de causarem graves danos à saúde e ao meio ambiente”, explica.

De acordo com Antonio Márcio Buainain, professor do Instituto de Economia da UNICAMP, existe uma mistificação sobre o uso e consumo de alimentos geneticamente modificados. “O último relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico) sobre perspectivas para a agricultura até 2020 indica a necessidade de expansão da produção em torno de 30% para dar conta do aumento populacional e de renda. E, para isso, não podemos nos dar ao luxo de negar alternativas com base apenas em hipóteses, às vezes, mal fundamentadas e em fantasmas ideológicos sem nenhuma base objetiva”, afirma.

Para Antonio Márcio, a proibição dos transgênicos seria o equivalente a negar os medicamentos. “Só podemos negar alternativas que não atendam às restrições institucionais, que são cada vez mais duras e envolvem o meio ambiente, as relações trabalhistas, entre outros. Portanto, não se trata de negar os transgênicos em geral. Isso equivaleria a negar os remédios. O que temos que recusar é produto transgênico que fuja dessa conformidade, da mesma maneira que negamos remédios que não atendam ao conjunto de condicionalidades impostas pelos órgãos reguladores”, defende. Se acredita que este é um argumento falacioso, mas ganha espaço igual no debate, por equidade.

Ferraz, por sua vez, lembra que o problema da alimentação mundial não está na quantidade de alimento disponível, mas sim no poder aquisitivo das populações, caracterizando-se num problema socioeconômico resultante da má distribuição de renda.

“A Organização das Nações Unidas (ONU) e várias instituições não governamentais têm disponibilizado informações de que os alimentos disponíveis dariam de sobra para alimentar a população humana. Cada pessoa no mundo poderia comer aproximadamente todos os dias, 1,7 kg de cereais, feijões e nozes, 200 g de carne, leite e ovos e 0,5 kg de frutas e vegetais. Isso é mais que suficiente para uma boa nutrição”, observa Ferraz.

Para ele, o discurso de que os alimentos geneticamente modificados podem acabar com a fome no planeta é a mesma falácia utilizada por aqueles que defendiam a implementação da Revolução Verde, que, além de não acabar com a fome, ainda agravou os problemas sociais e ambientais. “Como esse modelo está se esgotando, o novo rearranjo para mantê-lo por mais tempo é a introdução de plantas transgênicas com o uso casado do agrotóxico”, conclui.

Resta saber se os órgãos reguladores, um dia irão de fato avaliar as relações trabalhistas, os impactos ao meio ambiente e à saúde humana e animal dessa faceta mais contemporânea da revolução. E se essa nova fase vai proporcionar não apenas um aumento da produção, mas do acesso aos alimentos, o que até o momento não ocorreu.

Referência:

OCTAVIANO, Carolina, Muito além da tecnologia: os impactos da Revolução Verde, Com Ciência n. 120 Campinas 2010



Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate

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