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segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Sucesso da cana é fruto da associação do pioneirismo à ciência e à tecnologia, conclui estudo
O Brasil é reconhecido como o país que possui o sistema mais eficiente do mundo para a produção de biocombustíveis – a partir da cana-de-açúcar, principalmente. O sucesso que obteve em transformar a planta em fonte de bioenergia, contudo, deve-se muito mais à iniciativa pioneira de montar um sistema industrial de produção do etanol do que à gramínea em si.
O sistema começou a ser desenvolvido nos anos 1930, quando também foi estabelecido um programa de desenvolvimento agronômico que tornou a planta altamente eficiente. Apesar disso, o desempenho agronômico da cana é inferior ao de outras matérias-primas testadas nos últimos anos em diferentes partes do mundo para essa finalidade.
Tais conclusões são de um estudo feito por pesquisadores do Laboratório de Fisiologia Ecológica de Plantas (Lafieco), do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), no âmbito do Instituto Nacional de Biotecnologia para o Bioetanol (INCT do Bioetanol) e do Centro de Processos Biológicos e Industriais para Biocombustíveis (CeProBio), financiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os resultados do estudo foram publicados na edição de setembro da revista BioEnergy Research.
“Concluímos que o sucesso da cana-de-açúcar no Brasil não está relacionado à planta em si, mas a contingências históricas (como sucessivas crises no preço do petróleo) que levaram o país a construir um sistema industrial de produção de etanol a partir da cana. Isso tornou o biocombustível mais eficiente do que os outros existentes no mundo hoje, baseados em outros tipos de matérias-primas”, disse Marcos Silveira Buckeridge, professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores compararam a duração do ciclo de colheita, o rendimento, a quantidade de água, os nutrientes e pesticidas utilizados no cultivo – entre outros parâmetros agronômicos – de diferentes espécies vegetais utilizadas atualmente para a produção de biocombustível. Entre elas, a própria cana-de-açúcar, além da switchgrass (Panicum virgatum), o miscanto (Miscanthus spp), o sorgo doce (Sorghum vulgare), a beterraba açucareira (Beta vulgaris L.), o milho (Zea mays), o choupo (Populus ssp) e o salgueiro (Salix spp).
A comparação agronômica revelou que a cana-de-açúcar tem um rendimento maior em termos de produção de biocombustível por litro por hectare do que o sorgo doce, o miscanto e outras gramíneas. A cultura, no entanto, requer mais água – e, ao contrário da switchgrass, do miscanto e do sorgo doce, tem ciclo de colheita maior e não é produzida durante o ano inteiro.
Razões do sucesso
Um dos motivos apontados pelos pesquisadores para o sucesso da transformação da cana-de-açúcar em uma fonte de bioenergia no Brasil é o fato de o país ter sido o primeiro a usar leveduras e de tentar produzir etanol a partir da planta na década de 1930, no Nordeste.
Desde então, e em razão de sucessivas crises de preço do petróleo – como a da década de 1970 –, o país começou a desenvolver novas tecnologias de fermentação para produzir bioetanol economicamente viável a partir de cana-de-açúcar e a montar um sistema industrial muito bem adaptado a determinadas regiões brasileiras.
Tais evoluções fizeram com que o setor brasileiro de combustíveis seja reconhecido hoje como o mais eficiente do mundo, ressaltam os pesquisadores.
“O desenvolvimento industrial e os melhoramentos agronômicos das últimas décadas no Brasil tornaram o sistema brasileiro de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar altamente eficiente”, disse Buckeridge.
Entre 1980 e 1998, a produtividade da cana no Brasil aumentou de 73 para 90 toneladas por hectare por ano.
Nesse mesmo período, a eficiência da extração de sacarose pelo processo de fermentação subiu de 90% para 96%.
O rendimento da planta em termos de produção de biocombustível por litro por hectare aumentou de 84% para 90%, segundo dados utilizados pelos pesquisadores.
“O Brasil trabalhou muito no desenvolvimento da indústria de bioetanol a partir da cana-de-açúcar e de novas variedades da planta nas últimas décadas. O país precisa continuar a fazer isso se quiser se manter como um dos líderes em tecnologia para produção de etanol no mundo”, ressaltou Buckeridge.
Programas de pesquisa
De acordo com o pesquisador, além do sistema de produção de biocombustível, outro fator que ainda assegura a vantagem da cana-de-açúcar sobre outras culturas em teste em diferentes países é o fato de o Brasil ter iniciado nos últimos anos programas de pesquisa – como o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), além do INCT do Bioetanol e do CeProBio.
Os programas permitiram o uso da biotecnologia para tentar melhorar o desempenho da planta e torná-la mais eficiente do que as outras cultivares na produção de biocombustível de segunda geração, avaliou Buckeridge.
“O fato de estudarmos o genoma e a fisiologia da cana-de-açúcar e adquirir cada vez mais conhecimento sobre seu funcionamento vai nos permitir redesenhar a planta para que ela ultrapasse as outras cultivares que estão sendo utilizadas para produzir bioetanol e ser efetivamente melhor para a produção de biocombustíveis de segunda geração”, disse o pesquisador.
“Mas isso não significa que a cana poderá se tornar a melhor planta do mundo para produção de biocombustível e ser cultivada em todas diferentes regiões do planeta, porque cada cultivar bioenergética é mais adaptada a determinados tipos de clima”, ponderou.
A cana-de-açúcar, por exemplo, é a mais adaptada a climas tropicais e subtropicais. Por isso, além do Brasil, onde se tornou a principal fonte de bioenergia, ela tem potencial para ser utilizada como matéria-prima para produção de biocombustíveis em algumas regiões da Austrália, da África, da Ásia, da América do Sul e dos Estados Unidos, apontam os pesquisadores.
Já a switchgrass e o miscanto são plantas de clima temperado. Por causa disso, elas podem ser utilizadas nos Estados Unidos, Canadá e Europa.
Por serem espécies de árvores de crescimento rápido e de clima temperado, por sua vez, o choupo e o salgueiro, além de outras gramíneas, como capim-amarelo, vêm despertando mais atenção de países da Europa, onde também é muito cultivada a beterraba açucareira. E o milho e o sorgo doce estão sendo mais utilizados pelos Estados Unidos para a produção de bioetanol.
“A cana-de-açúcar, a beterraba açucareira, o milho e o sorgo doce são as culturas que já estão mais bem estabelecidas para uso como matéria-prima para bioenergia”, afirmou Buckeridge. “O miscanto, a switchgrass, o choupo e o salgueiro estão um pouco mais atrasados”, comparou.
Segunda geração
Entre todas essas culturas, segundo o pesquisador, o miscanto é a que desponta como uma das maiores rivais da cana-de-açúcar na corrida para o desenvolvimento do biocombustível de segunda geração – a bioenergia obtida não apenas da sacarose presente no colmo da cana-de-açúcar, como a do bioetanol de primeira geração, como também do açúcar presente nas paredes celulares do bagaço, das folhas e de outros resíduos da cultivar. Isso porque a planta cresce muito rápido, logo após o término do inverno no Hemisfério Norte, e produz uma estrutura debaixo da terra – chamada rizoma – que guarda muito amido.
A fibra acumulada pela planta pode ser utilizada para a produção direta de biocombustível de segunda geração em vez de se fazer isso a partir da sacarose da cana-de-açúcar, como o Brasil vem tentando, explica o pesquisador.
“Essa é uma estratégia que muita gente nos Estados Unidos defende e seria diferente e poderá ser desenvolvida em paralelo ao sistema brasileiro”, disse Buckeridge.
No Brasil, de acordo com o pesquisador, a empresa brasileira de biotecnologia industrial Granbio pretende utilizar plantas ancestrais da cana-de-açúcar muito parecidas com o miscanto para produzir etanol celulósico a partir dessa rota tecnológica.
“A iniciativa é muito positiva porque possibilitará termos no Brasil as duas estratégias de desenvolvimento de biocombustível de segunda geração caminhando em paralelo”, avaliou Buckeridge.
Já os Estados Unidos, de acordo com o pesquisador, além de aumentar o domínio do conhecimento sobre a produção de etanol de milho, está obtendo avanços importantes com a cana-de-açúcar para produção de bioetanol tanto de primeira como de segunda geração.
Este ano, um grupo de pesquisadores da Flórida, por exemplo, anunciou ter diminuído a lignina da cana e demonstrado em ensaios em campo que, dessa forma, é possível aumentar o teor de sacarose da planta e facilitar sua utilização para produção de biocombustível de segunda geração.
“No Brasil também já temos plantas transformadas, só que ainda não chegamos a fazer ensaios em campo”, disse Buckeridge.
De acordo com o pesquisador, em razão da série de avanços que os Estados Unidos têm obtido, o país divide hoje com o Brasil a liderança na pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem produzir biocombustível de segunda geração.
Para se manter nessa posição e conseguir desenvolver a tecnologia, no entanto, o Brasil precisará se aliar a outros países, avaliou o pesquisador.
“Não dá para o país tentar fazer esse esforço sozinho. É preciso se aliar e ter investimentos sólidos nessa área, porque há muita coisa para desenvolver principalmente na parte de engenharia de plantas”, afirmou.
Embora a agricultura e indústria de transformação da cana no Brasil já tenham obtido alta eficiência, de acordo com os pesquisadores é possível aumentar a produtividade da planta e do sistema de produção de bioetanol no país por meio de melhorias em alguns aspectos biológicos da cultivar.
Ao promover mudanças no funcionamento da cana-de-açúcar por meio de programas de melhoramento genético, seria possível aumentar não só a quantidade de bioenergia produzida a partir da planta, como diminuir a necessidade de insumos agrícolas no cultivo da planta, ressaltam.
“Ainda há muita pesquisa a ser feita sobre cana-de-açúcar. E, com isso, será possível melhorar sensivelmente a produtividade da planta no Brasil”, disse Buckeridge.
O artigo Sugarcane as a bioenergy source: history, performance, and perspectives for second-generation bioethanol (10.1007/s12155-013-9366-8), de Marcos Silveira Buckeridge e outros, pode ser lido na revista BioEnergy Research em mnras.oxfordjournals.org/content/433/3/2075.abstract?sid=9deb1321-2e70-4bef-a30e-a1a87dd94704.
Fonte: Fapesp
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