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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Um valor que é retornável

A política nacional de resíduos sólidos deu um estímulo extra às empresas que lidam com um desafio cada vez mais presente: encontrar um destino para seus produtos depois do consumo

Este não é um filme de ficção. Existe um lugar chamado Ilha das Flores. Deus não existe.” Escrito sobre uma tela preta e com letras garrafais, o prólogo do curta-metragem Ilha das Flores, de Jorge Furtado, dá a tônica do filme-denúncia de 13 minutos, lançado em 1989, e que pode ser facilmente encontrado no YouTube. Diante de um pedagógico acompanhamento do ciclo de vida de um tomate – desde o plantio até chegar, já podre, a pessoas paupérrimas –, o telespectador se vê diante de uma malfadada cadeia alimentar. Felizmente, aquela realidade está ficando para trás. Mais de duas décadas depois, o Brasil se mostra cada vez mais mais atento ao desafio de dar a correta destinação a resíduos. 
A mais célebre iniciativa nesse sentido remete a meados de 2010. Trata-se da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), legislação que tem se mostrado uma espécie de divisor de águas no que diz respeito à destinação de detritos não orgânicos no país. A lei, que estabelece instrumentos de enfrentamento de problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado de resíduos sólidos, traz entre suas principais diretrizes a proposta de aumentar os níveis de reciclagem e reutilização de itens passíveis de reaproveitamento. Também define que a responsabilidade pela gestão dos resíduos deve ser compartilhada entre todos – fabricantes, importadores e distribuidores. A fiscalização, por sua vez, cabe ao ente público, o que envolve uma   divisão de esforços entre União, Estados e municípios. “O tema já vinha sendo tratado há bastante tempo pela legislação. A novidade, que já não é tão novidade assim, está no fato de que se criou uma política nacional para ele”, explica Bibiana Azambuja da Silva, especialista em Direito Ambiental da Veirano Advogados. 
Na prática, o que havia no Brasil era um acúmulo de regramentos impostos sem um critério claro – ou, dependendo dos casos, ordenados local ou regionalmente, sem uma unidade nacional. Enquanto determinados segmentos já estavam enquadrados em alguma norma há mais tempo, como os mercados de pneus, as embalagens de agrotóxicos e de pilhas e baterias, outros careciam de normas específicas de destinação no pós-consumo. 
João César Rando, presidente do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), lembra que o setor de agrotóxicos tem uma legislação própria desde o ano 2000. “Já tínhamos, muito antes disso, um projeto piloto de logística reversa que serviu como referencial, pois começamos a trabalhar junto com os legisladores e ajudamos a construir a lei do setor”, destaca. À época, predominava a opinião de que o estabelecimento de regras e obrigações significaria um incômodo para quem tivesse de cumpri-las. Felizmente, o prognóstico estava errado. “Pensávamos que poderia haver resistência por parte do produtor, mas não. As embalagens já eram um problema e eles queriam uma solução, então aderiram muito rápido”, explica. Hoje, segundo o inpEV, existem no Brasil mais de 5 milhões de propriedades agrícolas incluídas no chamado Sistema Campo Limpo, que registra índice de recolhimento de embalagens de agrotóxicos superior a 90%. 
Foram legislações isoladas como essa que ajudaram a dar vida à PNRS. Agora, mais de dois anos depois da promulgação da lei, o país passa por um processo de enquadramento dos atores envolvidos no processo. Além dos planos que devem ser desenvolvidos pelo poder público, alguns setores-chave da economia devem formular suas previsões de gerenciamento de resíduos. Entre eles, destacam-se a indústria, as atividades da área da saúde, os serviços públicos de saneamento básico, a mineração, a construção civil, os portos e aeroportos e até mesmo os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços geradores de resíduos danosos ao meio ambiente. “Os acordos setoriais estão sendo costurados, assim como os regulamentos e os termos de compromisso. Caso algum acordo setorial não seja efetivado, a legislação prevê a exigência da logística reversa por meio de decreto”, explica Bibiana. Ou seja: quem não se adaptar à nova realidade, irá sofrer sanções.
Para Sabetai Calderoni, presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (Ibrades), o desafio parece mais complexo do que de fato é. “Não adianta mais o consumidor fazer o descarte. Agora, a própria indústria tem de criar mecanismos econômicos que façam o material voltar sem custo, instituindo uma diferença de preço vantajosa para o consumidor que faz a devolução.” Para isso, Calderoni sugere que seja replicada uma prática há anos conhecida no país: a reutilização do vasilhame de garrafas de cerveja. “A ideia é a mesma para os mais diversos tipos de produto, oferecendo interesse econômico a quem consome, que não é louco de jogar o que tem valor em qualquer lugar. A parte mais sensível do corpo humano ainda é o bolso”, ironiza. 

Ora embalagem, ora display
A despeito de leis ou regramentos isolados, cada vez surgem mais companhias engajadas em se adiantar às obrigações da Justiça. Um exemplo disso é a PepsiCo,que aplicou no Brasil um projeto inédito de logística reversa. Detentora da linha Elma Chips, fabricante de marcas como Ruffles, Doritos e Cheetos, a PepsiCo viu nascer, em um programa de MBA interno da companhia, a ideia de transformar os pacotes reciclados em material para expositores em pontos de venda. “Só então descobrimos que o resíduo pós-industrial vinha sendo transformado em vasos de flores por um parceiro nosso havia cerca de dez anos. Aí pensamos: se pode virar vaso, por que não transformá-los em algo útil e com valor para nós, que são os displays?”, relata Claudia Pires, diretora do Instituto PepsiCo. 
Logo em 2010, quando foi lançado, o programa levou aos pontos de venda  da companhia cerca de 20 mil displays produzidos a partir de polipropileno biorientado (BOPP). Nos expositores, um selo mostrava ao consumidor todo o ciclo de vida do produto, da fabricação da embalagem até a chegada ao ponto de venda como display.  “Foi um sucesso. Conseguimos incluir os catadores, dando retorno econômico a todos os envolvidos na cadeia”, diz Claudia. Em 2012, nada menos que 72 mil displays feitos a partir de embalagens de salgadinhos ganharam as lojas. O curioso é que nem todos são da Elma Chips – já que é impossível selecionar o produto reciclado conforme a marca. A virtude do ciclo fica clara quando se constatam três fatores: a PepsiCo economiza na compra dos displays; os recicladores, que não trabalhavam com BOPP, passaram a ver valor no resíduo; finalmente, o plástico não é mais destinado a lixões ou aterros, retornando ao processo produtivo. “O Brasil foi o primeiro país em que a PepsiCo implantou o projeto”, completa Claudia. 
A PepsiCo não está sozinha. Nos últimos anos, as grandes empresass de alimentos e agronegócios vêm convivendo com crescentes cobranças em torno do pós-consumo de seus produtos. “Antes, os produtos reciclados nem eram vistos com bons olhos. Agora, enxerga-se valor e, claro, é politicamente correto”, conta Chicko Sousa, diretor da WiseWaste, empresa especializada em serviços de gerenciamento de resíduos. Consequentemente, as recicladoras começaram a aumentar suas capacidades instaladas e companhias como a própria WiseWaste se inseriram em um novo nicho de mercado: o estabelecimento de conexões entre os elos da logística reversa – ou seja, o efeito bumerangue de um produto, que depois de percorrer diversas etapas volta ao ponto de partida. 
Mas ainda é preciso avançar nesse sentido. “Falta um olhar de engenharia de materiais, de produtos. Se o resíduo não é bacana, como pode ser trabalhada sua aplicação?”, questiona Sousa. A WiseWaste, por exemplo, compra resíduos de cooperativas e apresenta soluções a um pool que, hoje, é formado por 28 clientes em todo o Brasil. Entre eles estão a própria PepsiCo, que comprou 8 mil pallets fabricados a partir de BOPP reciclado. 

Do leite à telha
Uma das líderes mundiais na fabricação de embalagens cartonadas, a Tetra Pak foi uma das pioneiras a atentar à questão do pós-consumo no Brasil. Fernando Von Zuben, diretor de meio ambiente da empresa, afirma que já se vão 17 anos desde que a multinacional criou um departamento exclusivo para cuidar da coleta seletiva e reciclagem de seus produtos em solo brasileiro. “Estabelecemos, desde então, um grande programa de parcerias com cooperativas no sentido de apoiá-las, dando treinamento, fornecendo materiais de divulgação e, em muitos casos, cedendo equipamentos.” Diferentemente da PepsiCo, a Tetra Pak não reutiliza seus próprios resíduos. “Nossas ações nesse sentido integram a política mundial do grupo. A gente não participa diretamente da reciclagem, apenas implementamos processos. Quem os faz, na prática, são os parceiros, empresários locais e os coletadores”, explica Zuben. As embalagens recicladas ganham aplicações que vão da confecção de palmilhas para sapatos até a fabricação de pilhas, placas de mobiliário ou telhas. 
Para Zuben, as empresas não têm a obrigação de reaproveitar seus próprios resíduos. Mas é fundamental que elas ajudem a fomentar a cadeia da reciclagem. “Imagina se tivéssemos de comprar as centenas de milhares de telhas que são feitas no Brasil? Cobriríamos dezenas de fábricas todos os meses”, reflete. Opinião parecida é a de Michel Santos, gerente de sustentabilidade da Bunge Brasil. Para ele, o consumidor final é o ator mais importante para o descarte adequado dos resíduos. “Logística reversa é uma das formas de contribuir para isso, mas não é a única ferramenta. Como sabemos, a logística dos resíduos pode ir para outras cadeias produtivas”, explica.  
Na Bunge, a responsabilidade com o ciclo de vida dos óleos comestíveis não é novidade. Em 2006, a empresa se aliou à ONG Instituto Triângulo e criou o programa Soya Recicla, cujo objetivo é incentivar os consumidores a levar óleo de cozinha usado a postos de coleta – em vez de descartá-los na rede de água e esgoto. Só em 2011, foram coletadas 300 toneladas de óleo. “O grande desafio continua sendo a sensibilização das pessoas e a criação do hábito de separação adequada dos resíduos”, afirma Santos. Para incentivar o consumidor a aderir à causa, a Bunge oferece alguns brindes. Um deles é um sabão biodegradável produzido, justamente, com o material recolhido. 
Para Bernardo Pires, gerente de sustentabilidade da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), ações como a da Bunge revelam um movimento recente no país. “O óleo tem valor comercial. É como aconteceu com as latas de alumínio: você toma uma cerveja na praia, não demora 30 segundos e já tem alguém para recolher. É uma roda que gira sozinha”, compara. Atualmente, o óleo de cozinha residual pode valer até R$ 1,20 por  litro. Atenta a esse potencial, a Abiove está lançando o programa Óleo Sustentável. Por meio de uma plataforma on-line (oleosustentavel.com.br), serão indicados métodos para armazenar o óleo em casa e levá-lo a pontos de coleta – que vão de supermercados a farmácias. 
Enquanto a cadeia do óleo comestível parece andar sozinha, a Abiove integra outro importante plano de ação: o Compromisso Empresarial para Reciclagem de Embalagens. Orçado em R$ 75 milhões, o projeto contempla a reciclagem de garrafas PET em 23 associações, em todo o Brasil – em uma proposta que envolve fabricantes de refrigerantes, águas e óleos de cozinha. “É uma iniciativa de logística reversa tocada pela iniciativa privada e que vai ser implementada nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo, entre 2013 e 2015”, explica Pires. Entre as ações e programas, destacam-se um amplo plano de sensibilização da sociedade, o aumento do número de veículos para transportar as embalagens e a otimização dos processos de triagem nas cooperativas de coleta. “As PETs podem ser utilizadas em muita coisa, especialmente nas indústrias têxtil e automobilística. As capinhas de celular são de PET, os bancos de ônibus... até a camisa da seleção brasileira de futebol”, entusiasma-se o gerente da Abiove.

“Em matéria de lixões, ainda estamos na Idade Média. Temos um prazo para acabar com eles. Quem não cumprir vai pagar.”

Fonte: Revista Amanhã

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