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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O consumo desenfreado é incompatível com a sustentabilidade, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves

É uma falácia pensar em desenvolvimento sustentável, quando governos só buscam “crescimento anual” tendo como principal indicador o Produto Interno Bruto enquanto a sociedade continua ávida por consumo

A sociedade vive a verdadeira hipocrisia do “desenvolvimento sustentável”. São manifestações diárias em todos os lugares. Conferências pra cá, conferências pra lá. A última vitrine foi a Rio + 20, conferência que reuniu lideres das potências econômicas do mundo no Brasil. Divulgava-se que a discussão da reunião oficial deveria respaldar-se no tripé econômico, social e ambiental, tripé esse contestado pelos ambientalistas, que segundo seus argumentos, serviria como pano de fundo dos países desenvolvidos para desviar a atenção da discussão do problema que realmente interessa: as mudanças climáticas.

Nos momentos que antecedem uma conferência desse porte, o que vem como tema mais angustiante é a avaliação do passivo ambiental, isto é, do quanto se prometeu executar durante a realização da Eco 92, a primeira destas conferências, e do quanto se deixou de realizar até o presente. E o balanço é sempre significativamente negativo. Quase nada do que os governos assumiram ha 20 anos como compromisso em suas agendas saiu do papel. E olha que essas agendas quando referendadas, já saem contestada pela sociedade civil e as ONGs que realizam sempre uma conferência paralela não oficial, mesmo não tendo efeito deliberativo.

Na verdade espera-se muito dessas lideranças em relação às atitudes que devem ser tomadas, frente às medidas políticas e econômicas para mitigar os problemas que afetam o meio ambiente. Espera-se muito de lideranças que – com exceções – chegaram ao poder financiadas exatamente por grandes grupos econômicos, cujos interesses são muito mais o lucro imediato que as causas ambientais. Então as atitudes se materializam muito mais em um jogo de marketing para justificar um pseudo interesse, que realmente na condição política de colocar em prática as medidas necessárias.

Não creio que mudanças ocorram enquanto a sociedade civil delegar apenas aos governantes a responsabilidade da aplicação das medidas necessárias. É contraditório exigir dos governos atitudes politicamente corretas, quando a sociedade caminha na contramão do desenvolvimento sustentável, alimentando um mercado como consumidores compulsivos. Como discutir sustentabilidade se governos – regra geral – buscam crescimento econômico anual e a sociedade é ávida por consumo.

O homem “moderno” já nasce com um passivo ambiental de fazer inveja a uma criança do século XIX. Antes mesmo de nascer o consumo já se concretiza com a preparação de um enxoval – necessário mais para satisfazer a vaidade dos pais, que as necessidades do bebê – que inclui berço dos mais simples aos mais sofisticados, protetor de berço feito de tecidos e plásticos, cortinados, roupinhas, algumas não usadas e outras usadas uma única vez,  sapatinhos, mamadeiras, banheiras, carrinhos de passeio, brinquedos, chiqueirinho, andajá, enfim uma parafernália de tecidos e plásticos que ao final de alguns meses não tem mais serventia. Um verdadeiro “batismo” para o consumismo.

A criança cresce e o consumo cresce junto. São roupas, sapatos, brinquedos, tudo da grife da moda. Tanto consumo que para satisfação dos pais a parafernália de brinquedos e roupas não cabe nas dependências em que as crianças dormem. Tão logo as crianças dominem a linguagem escrita começa o consumo de eletrônicos. São celulares seguido de celulares, notebooks, netbooks, tabletes, videogames, TV LCD, outros. Mais o consumo de cosméticos, pois as crianças de hoje são diferentes, necessitam maquiar suas belezas ingênuas, pela imitação da garota propaganda da televisão.

Na escola a criança manifesta seu “poder econômico” pelo celular ou netbook que exibe, pela mochila de seu “herói” preferido, pela maquiagem, pela lancheira e pelo lanche que consome, pelo modelo e ano do carro do papai que o leva para a escola. Os livros que antes eram reutilizáveis, hoje só servem para um ano. A mochila que a criança carrega é estufada por tantos livros e material que chega a prejudicar sua coluna vertebral. Há exigência de uniformes para as aulas normais e uniformes para aulas de atividade físicas. A lista de materiais “didáticos” é interminável e não se sabe em que atividades as crianças consomem tanto material.

Hoje, se a família dispõe de recursos, quando o adolescente ingressa no curso superior recebe de presente dos pais o primeiro carro, que passa a ser atualizado anualmente, sempre por um modelo mais possante. Nesta fase desponta outro mercado de consumo. De roupas e tênis de grife, pois o jovem “moderno” não pode de ser diferente de sua tribo quando for as baladas da noite. Para o lazer vem a prancha de surfe, a motonáutica, o parapendi e muitos outros esportes da moda.

As famílias de hoje renovam suas casas em finais de anos alternados. No passado geladeiras, fogões eram feitos para durar até dezenas de anos. Hoje os eletrodomésticos da “linha branca” são quase descartáveis. No ramo da informática a reposição é ainda mais drástica. A obsolescência da tecnologia ocorre a cada três meses com o lançamento de um novo modelo e o descarte em média ocorre em um ano. As famílias de melhor poder aquisitivo para manter o carro atualizado trocam-no pelo modelo do ano. O estímulo ao consumo torna-se oficial com a redução de impostos, pois o argumento é de que a economia deve estar sempre em crescimento. Referências foram feitas as famílias que dispõem de poder aquisitivo. Paradoxalmente no outro extremo a realidade é cruel. Muitas famílias sem teto, sem alimentos, sem escolas, sem hospitais e milhões de crianças vítimas da mortalidade infantil.

Nas cidades o crescimento desordenado inviabiliza o planejamento da logística de transporte. O deslocamento longitudinal (centro e periferia), predominante na maioria das grandes cidades provoca um verdadeiro caos no trânsito. Ônibus se deslocam lotados até o centro e retornam vazios nos horários de início de trabalho e escola. No término do expediente a situação se inverte. Enquanto isso engarrafamentos quilométricos são provocados por veículos particulares, transportando apenas o condutor, deslocando-se a média de 2 km por hora. 

Não há ciclovias para estimular o transporte mais sustentável. É um desperdício colossal de energia e tempo. No final do ano os indicadores que marcam o “crescimento da economia” é o recorde de venda de automóveis em detrimento do aumento da logística de transportes coletivos.

Os estados para continuarem crescendo fazem investimento em infraestrutura e moradia a fim de gerar emprego e renda. Enquanto verdadeiras cidades fantasmas ocupam o litoral brasileiro, com residências de praias ocupadas eventualmente uma a duas vezes por ano. O governo federal tem necessidade de investir em logística para produção de mais energia a fim de manter o “crescimento”, em hidrelétricas, termoelétrica, centrais eólicas e outros, pois não há atividade econômica sem energia disponível. Muitas dessas obras são realizadas sem levar em conta os verdadeiros impactos ambientais que provocam.

Fala-se com ênfase em reciclagem. A moda pegou com tanta magnitude que a China transformou-se no maior centro de reciclagem do mundo. Neste país o lixo de quase todo o mundo é transformado em novos produtos, promovendo o sonho de consumo de novos poluidores em diferentes mercados do planeta, com toneladas de produtos pirateados e contrabandeados. Desconsidera-se que na reciclagem, alguns processos consomem mais energia que na produção de primeiro ciclo. Configura-se aqui o ciclo do pecado e da penitência, em que as grandes corporações fazem suas jogadas de marketing para enganar a opinião pública com suas “políticas de sustentabilidade”.

No mundo todo se desestabiliza a pequena produção de alimentos, aquela que nas feiras livres comercializa seus produtos diretamente com os consumidores e é responsável pelo abastecimento de mais de 70% do mercado. Em todas as regiões do mundo a expansão do “agronegócio” expulsa agricultores familiares rumo à periferia das cidades, provocando êxodo permanente que impossibilita as prefeituras de concluírem seus planejamentos anuais sempre deficitários.  Crescentes problemas de saneamento, energia elétrica, saúde pública e moradia são os grandes desafios dos governos municipais em todo o país.

O “agronegócio” ocupando o espaço geográfico necessita de mais tratores, implementos, fertilizantes, corretivos, combustíveis, insumos altamente dependentes de energia na sua produção. A logística de distribuição de alimentos com este modelo é de desperdício de energia. O queijo parmesão produzido no Pará é triturado em São Paulo, recebe uma marca e código de barra e retorna aos supermercados de Belém. A madeira serrada no interior do Pará vai a Santa Catarina, transforma-se em móveis e volta para a exposição e comercialização em lojas de Belém. São milhares de quilômetros de vai-e-vem das matérias primas desde sua exploração até o consumo final. Sem falar das commodities que aqui são produzidas e exportadas, transformadas nos países desenvolvidos e retornam como produtos acabados aos mercados nacionais. A globalização é na verdade um grande mercado de desperdício de energia ao redor do planeta. A poluição e a destruição do meio ambiente equivalem em termos globais a uma verdadeira hecatombe nuclear. São minas abandonadas com rejeitos tóxicos contaminando o solo e a água, poluição dos mares e rios, lixões a céu aberto, desmatamento de florestas e uma nova forma de poluição ainda não quantificada que é a das profundezas da Terra, com atividades que vão desde explosões para mineração e prospecção de petróleo até testes nucleares.

Finalmente não é possível responsabilizar somente governos por essa mudança altamente necessária. Tudo passa por um comportamento de mercado e mercado somos todos nós. Somente com a conscientização e sensibilização da sociedade como (não) consumidora  é que essa realidade pode mudar. A indústria tem que reverter seus conceitos e planejar bens cada vez mais duráveis, acondicionados em embalagens biodegradáveis. Destinar a reciclagem apenas aos minerais e outros materiais cujo balanço energético se justifique. Buscar as tecnologias para produção de veículos e eletrodomésticos cada vez mais poupadoras de energia. O transporte coletivo tem que ser prioritário quanto a investimentos e na ocupação das vias urbanas em relação ao transporte particular. A produção de alimentos tem que ser incentivada cada vez mais próxima do consumo e pela inclusão de mais atores para gerar emprego e renda. Neste contexto deve estar o grande mercado para as ONGs, difundir a educação ambiental em todo o mundo. É uma falácia pensar em desenvolvimento sustentável, quando governos buscam “crescimento anual” tendo como principal indicador o Produto Interno Bruto enquanto a sociedade continua ávida por consumo.

Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

Fonte: EcoDebate

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