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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

‘O grande desafio desse século: migrarmos para uma economia mais ‘amigável’ com o meio ambiente. Entrevista com André Lima

“O Brasil se orgulha de ser o celeiro, o canteiro de obras e de extração de minérios do mundo e não está se preparando para de fato ser a nova economia, apesar do seu enorme potencial comparativo (em biodiversidade, florestas, clima e água)”, constata o assessor do IPAM


Para André Lima, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, a promulgação da Constituição Federal de 1988 ampliou a compreensão de que a responsabilidade ambiental não é somente do Estado e dos direitos dos povos originários.

“A responsabilidade por sua proteção é de todos os cidadãos. Além disso é possível dizer que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo contorno para a questão ambiental, indicando a importância de novos sujeitos de direito como os povos indígenas e quilombolas, detentores de territórios relevantes para a proteção e uso sustentável da biodiversidade e os conhecimentos tradicionais a ela associados”, explica em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Apesar dos avanços, André Lima ressalta que há retrocessos importantes na prática, sobretudo no que corresponde às legislações ambientais das federações. “Normas mais brandas e flexíveis podem atrair mais investidores pelo menor custo ambiental. E esse é um dos problemas que o país deve enfrentar. Por isso a federalização das normas ambientais é uma questão que deve ser melhor resolvida. Os estados em hipótese alguma poderiam legislar de forma mais flexível do que a norma federal, entretanto essa ainda é uma prática comum”, contrapõe.

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, entre 2008 e 2012 o Brasil abriu mão de arrecadar mais de R$ 550 bilhões por conta de incentivos fiscais. Além disso, no mesmo período, foram investidos menos de R$ 2 bilhões para atividades consideradas sustentáveis. “Ainda privatizamos os lucros e dividendos ambientais e socializamos os prejuízos ambientais. Basta ver o que acontece com nossos rios e com a emissão de CO2”, avalia.

André Lima (foto) é advogado e formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP. Realizou mestrando em Política e Gestão Ambiental na Universidade de Brasília – UNB. Atua como assessor especial de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM e é Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica.

“A questão ambiental no Brasil e a Constituição Federal hoje. Avanços e retrocessos“, é o tema da conferência que André Lima proferirá no dia 22 de outubro, na Unisinos. O evento integra a programação do Ciclo Constituição 25 anos: República, Democracia e Cidadania. A conferência ocorre das 20h às 22h, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que impactos a Constituição Federal de 1988 gerou na questão ambiental?

André Lima – O primeiro deles foi o próprio fato da Constituição Federal – CF – tratar desse assunto, o que já foi um grande avanço no sentido de orientar o legislador ordinário a tratar do tema. Depois de 1988 surgiram dezenas de leis federais (e centenas de leis estaduais) importantes como desdobramento da norma constitucional. Entendo que a conexão entre a defesa do meio ambiente e a função social da propriedade da terra foi um dos grandes avanços da CF de 1988, assim como o estabelecimento da obrigação indisponível ao poder público e à coletividade de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado inclusive para as futuras gerações. Portanto, a ideia de um direito transgeracional foi também um grande avanço.

IHU On-Line – Qual conceito de meio ambiente surge deste documento?

André Lima – O conceito de um bem jurídico indisponível, por ser considerado “bem de uso comum” transgeracional. Um bem pertencente também aos que ainda não vieram à luz e que, portanto, ainda não podem dele usufruir, tampouco gerir ou proteger, sendo por isso indisponível pelas atuais gerações. O conceito de um direito-dever de todos. Quebra com a noção até então ainda predominante de um bem público de interesse estatal e cuja responsabilidade pela tutela caberia somente ao poder público. A responsabilidade por sua proteção é de todos os cidadãos. Além disso é possível dizer que a CF de 1988 estabeleceu um novo contorno para a questão ambiental indicando a importância de novos sujeitos de direito como os povos indígenas e quilombolas, detentores de territórios relevantes para a proteção e uso sustentável da biodiversidade e os conhecimentos tradicionais a ela associados. A CF de 1988 evoluiu para o conceito de direitos socioambientais.

IHU On-Line – Com vistas à Carta Magna, quais são as competências do Estado e da sociedade no que tange à preservação ambiental?

André Lima – Como foi dito cabe a todos o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado pelo artigo 225 da CF como bem de uso comum do povo. Inclusive em âmbito judicial todos podem fazer a defesa do meio ambiente seja por meio da ação civil pública (associações e Ministério Público – MP), seja por meio de ação popular. Entretanto, a CF de 1988 estabeleceu um regime de competências tanto para legislar como para gerir a questão ambiental. Nesse regime de competências (regido também pela lei Complementar 140 de 2011) à União compete estabelecer normas gerais a serem seguidas por todos os demais entes da federação, podendo os estados estabelecer normas complementares que respeitem as normas gerais. Aos municípios cabe estabelecer normas de interesse local (restritas por óbvio aos limites de cada município).

Entretanto, essa lógica federativa ainda é alvo de muito questionamento, pois as questões ambientais, por natureza, não obedecem fronteiras. As florestas ou águas que fazem divisa entre dois estados, por exemplo, devem ser geridas por uma mesma norma. Inclusive para se evitar a competição (assim como ocorre na questão tributária) entre estados, que acaba quase sempre a nivelar a norma por baixo para estimular a vinda de empreendimentos econômicos. Normas mais brandas e flexíveis podem atrair mais investidores pelo menor custo ambiental. E esse é um dos problemas que o país deve enfrentar. Por isso a federalização das normas ambientais é uma questão que deve ser melhor resolvida. Os estados em hipótese alguma poderiam legislar de forma mais flexível do que a norma federal, entretanto essa ainda é uma prática comum.

IHU On-Line – Quais foram os avanços e os retrocessos na política ambiental do Estado brasileiro nesses últimos 25 anos?

André Lima – O País avançou sobremaneira na edição de leis ambientais. Apenas a titulo exemplificativo, podemos apontar a Lei de Gestão dos Recursos Hídricos (1997), a Lei de Crimes Ambientais (de 1998), a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (de 2000), o Estatuto das Cidades (2000), Lei de Informações Ambientais (2003), a Lei de Gestão de florestas Públicas (2006), a Lei da Mata Atlântica (2006), a Lei de Clima (2009) a Lei de Resíduos Sólidos (2012). Portanto em relação ao marco regulatório, apesar de problemas aqui e acolá o Brasil está bem servido. Também no campo jurisdicional o Brasil avançou muito, principalmente em face do forte protagonismo do MP e das organizações não governamentais (associações civis) com o uso das ações civis públicas.

Entretanto no campo institucional ainda estamos no século passado. As instituições de gestão ambiental ainda carecem de recursos financeiros e humanos em volume mínimo para atender à demanda por monitoramento, planejamento, fiscalização e licenciamento ambiental. Além disso, o País avançou no campo do controle ambiental mas em nada avançou no investimento em incentivos econômicos para o desenvolvimento sustentável. Tanto no crédito quanto nos incentivos tributários, o país ainda investe 100 vezes mais em atividades altamente intensivas de extração de recursos naturais e emissões de CO2 do que em atividades que possam ser consideradas, de fato, sustentáveis.

O discurso da economia verde ou da nova economia emissões de carbono ainda é um discurso, apesar de avanços em relação à geração de energia por fontes alternativas como eólica e solar. Para se ter uma ideia, dados revelados pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM mostram que entre 2008 e 2012 o país abriu mão de arrecadar mais de R$ 550 bilhões (incentivos tributários) e menos de R$ 2 bilhões foram para atividades consideradas sustentáveis. Esse é o grande desafio desse século: migrarmos para uma economia mais “amigável” com o meio ambiente. Precisamos gerar qualidade de vida, emprego e renda com atividades que promovam o equilíbrio ambiental. Isso exige investimentos que o Brasil ainda não está fazendo na escala necessária.

IHU On-Line – Que papel a Constituição ocupa dentro do campo de tensão em torno das discussões sobre o “Código Florestal”?

André Lima – A constituição dá a orientação. Primeiro estabelece que as propriedades rurais devem cumprir uma função social, leia-se socioambiental, pois se deve usar de forma racional os recursos ambientais (florestas, água, solo). A lei florestal deve, portanto, indicar o que significa na prática usar racionalmente esses recursos. Além disso, a constituição é clara ao determinar que cabe ao poder público prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas. Para fazê-lo, deve estabelecer os parâmetros técnicos e legais do que seja esse manejo ecológico e ecossistêmico. A lei florestal (ou o código florestal) deve se pautar nessas diretrizes constitucionais. Entretanto o que tivemos aprovado em 2012 (Lei 12.651) foi uma ampla anistia que teve por diretriz simplesmente consolidar o que foi desmatado ilegalmente. Nosso temor é que essa anistia que não se limitou aos pequenos produtores rurais possa estimular mais ilegalidades e anistia futuras.

IHU On-Line – Como é possível garantir o que está previsto no artigo 225 da Constituição – que todos têm direito a um meio ambiente equilibrado –, considerando os projetos de matriz energética do Estado (extração gás de xisto, usinas hidrelétricas, etc) que colocam em risco o equilíbrio ambiental?

André Lima – Esse é um debate que não é feito democraticamente com a sociedade. O Estado define as prioridades, mas não discute as alternativas de geração de energia de forma democrática. Se é fato que a nossa matriz energética é mais limpa do que a maioria dos países considerados desenvolvidos, também é verdade que as hidrelétricas causam impactos consideráveis aos recursos hídricos e às florestas e seus povos. Também é fato que estamos sujando nossa matriz com propostas que retrocedem, como, por exemplo, recentemente a presidenta Dilma isentou por decreto de tributos (PIS e Cofins) a geração de energia com carvão mineral. O próprio país investe em matrizes sujas. O Brasil é o país em desenvolvimento que melhor está em relação ao potencial solar e um dos que menos investe nessa tecnologia. O desenvolvimento sustentável não é uma questão somente conceitual, precisamos nos preparar do ponto de vista tecnológico e o Brasil nessa corrida está nos últimos lugares. O país se orgulha de ser o celeiro, o canteiro de obras e de extração de minérios do mundo e não está se preparando para de fato ser a nova economia, apesar do seu enorme potencial comparativo (em biodiversidade, florestas, clima e água).

IHU On-Line – Que características sócio-culturais anteriores à promulgação da Constituição Federal permanecem em nossa república e que continuam sendo entraves à preservação ambiental?

André Lima – A mentalidade sub-desenvolvimentista. As lógicas imediatista e de apropriação privada dos bens ambientais, com a conivência senão estímulo do poder público. Ainda privatizamos os lucros e dividendos ambientais e socializamos os prejuízos ambientais. Basta ver o que acontece com nossos rios e com a emissão de CO2. O novo código florestal e o código de mineração em gestação no congresso nacional (sob a batuta do Executivo federal) induzem a essa lógica. Estamos exportando água, solo, biodiversidade e recursos minerais sem a preocupação com o futuro do nosso país. Vendendo o jantar para almoçar.

IHU On-Line – O que significa pensar a questão ambiental em termos democracia? Como tais aspectos se relacionam?

André Lima – O desenvolvimento sustentável tem um pilar fundamental que é o democrático. Não é sustentável se for somente do ponto de vista ambiental ou social. Tem que ser politicamente sustentável. E politicamente sustentável só é se for legítimo. Hoje essa legitimidade é formal. Temos um parlamento que vota leis e em tese fiscaliza o Executivo. Entretanto, o financiamento privado de campanha aparelha o parlamento que opera com sua maioria a serviço do setor privado (não raramente internacional) interessado em sobre-explorar nossos recursos naturais, nossa biodiversidade. Basta fazer uma pesquisa sobre o comportamento de parlamentares e seus financiadores de campanha. Esse é um dos principais problemas da política contemporânea. Entendo que a proibição de financiamento por empresas privadas e o estabelecimento de teto (baixo) para financiamento por pessoas físicas seria uma importante evolução no quadro político-democrático do país, com impactos sensíveis sobre a política ambiental nacional.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

André Lima – Acredito que a sociedade está evoluindo rapidamente para a compreensão de que não podemos mais continuar a quebrar o galho sobre o qual estamos sentados. A próxima geração certamente estará muito mais antenada. Cumpre a esta promover a transição. No entanto já avançamos no sinal vermelho. O ultimo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas -IPCC já indica que neste século nossos netos já sentirão as consequências do que fizeram nossos pais e avós. E isso tem um preço. Não sabemos ainda qual será. Cumpre-nos fazer todo esforço possível para mitigar esse impacto e o sofrimento dele decorrente, simplesmente por amor aos nossos filhos. Não tenho dúvidas de que dois esforços serão determinantes para acelerarmos essa transição: educação e reforma política.

Fonte: EcoDebate

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