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terça-feira, 11 de junho de 2013
A Ecologia Profunda e os novos direitos.
Entrevista especial com Fábio Corrêa Souza de Oliveira
"A humanidade é uma espécie entre outras. Reconhecer os direitos animais afeta alegados “direitos humanos”, isto é, importa em outro estilo de vida, afirma o professor de Direito da UFRJ.
A tecnologia é crucial enquanto instrumental para fazer frente precisamente à piora das condições planetárias, “conquanto perceba que não é remédio para todos os males, ou seja, que não é possível confiar exclusivamente na tecnologia como forma de reverter a decadência expressiva das condições de vida (e boa vida) que o planeta oferece”. A constatação é do professor Fábio Corrêa Souza de Oliveira, da UFRJ, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
“Novas tecnologias, ecologia profunda e novos direitos” é o tema da palestra que será proferida pelo professor Fábio nesta segunda-feira, dia 10 de junho, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU, das 19h30 às 22h. A atividade integra a programação do I Seminário que antecede e prepara para o XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e Sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea, que ocorrerá de 21 a 24 de outubro de 2014 na Unisinos.
Fábio Corrêa Souza de Oliveira é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ, é mestre em Direito e doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É membro do Centro de Direito dos Animais e Ecologia Profunda (uma iniciativa que reúne docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e da Universidade Federal Fluminense – UFF, além do Instituto de Filosofia de Ciências Sociais da UFRJ). Mais informações no sítio www.animaisecologia.com.br.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que podemos entender por “ecologia profunda” e como ela se relaciona com os direitos dos animais?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – Ecologia Profunda é a denominação criada no início da década de 1970 por Arne Naess, professor emérito de Filosofia da Universidade de Oslo, para configurar a compreensão que procura romper com a concepção antropocêntrica da natureza, dos seres não integrantes da espécie humana, contrapondo, assim, à Ecologia Rasa, esta voltada eminentemente para os interesses humanos, entendendo os demais seres, a natureza, com valor meramente instrumental em função das demandas da humanidade.
A Ecologia Profunda apregoa que a natureza, os animais, possuem valor intrínseco em si, independentemente da relação com os humanos. Como é costumeiramente apresentada ou percebida, assume uma ética ecocêntrica. Nesse viés, há (ou pode haver) uma tensão com o Direito dos Animais, que sustenta uma ética individualista, centrada, portanto, no animal enquanto indivíduo e não apenas como integrante de um ecossistema, de um sistema biótico.
IHU On-Line – Como as novas tecnologias interferem na ecologia profunda e contribuem para a geração de novos direitos?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – A Ecologia Profunda entende que a tecnologia é importante como ferramenta hábil à melhoria das condições de vida, embora seja fato que é também responsável exatamente pelo contrário, pela degradação da vida tanto de seres humanos quanto de não humanos, pela deterioração de ecossistemas. Não obstante, a tecnologia é crucial enquanto instrumental para fazer frente precisamente à piora das condições planetárias, conquanto perceba que não é remédio para todos os males, ou seja, que não é possível confiar exclusivamente na tecnologia como forma de reverter a decadência expressiva das condições de vida (e boa vida) que o planeta oferece.
IHU On-Line – Como o senhor avalia que a legislação e a cultura brasileira têm reagido diante deste debate?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – A cultura brasileira, acadêmica e mesmo fora da academia, vem sendo bem receptiva. A matéria vem ganhando espaço progressivo na mídia e nas universidades. Livros e trabalhos acadêmicos são escritos, dissertações de mestrado, teses de doutorado, monografias de graduação, eventos são realizados. Evidentemente que, como a cultura predominante e historicamente arraigada é refratária tanto à pauta da Ecologia Profunda quanto à plataforma do Direito dos Animais, há uma barreira, uma tensão. De toda sorte, parece que vivemos exatamente um momento de virada de paradigma, que pode se concretizar ou não, sendo certo que leva tempo. A legislação brasileira, como escrita e interpretada, apenas em uma previsão ou outra, pode dar guarita à Ecologia Profunda ou ao Direito dos Animais. Sistematicamente é mesmo contrária ao que um e outro professam, embora haja progressivamente uma aproximação.
IHU On-Line – Qual a contribuição da Ecologia Profunda para o debate atual acerca do uso dos recursos naturais do planeta?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – Em síntese, a Ecologia Profunda promove duas mudanças na visão comum. A primeira é que aquilo que normalmente se chama de recursos naturais (e a palavra “recursos” é bem significativa porque traduz a ideia de disponibilidade, de aproveitamento, de instrumentalização), como animais, plantas, ecossistemas, a Ecologia Profunda vai compreender como tendo valor inerente.
Não são “recursos”, algo que está à disposição dos seres humanos para qualquer uso segundo exclusivamente seus próprios interesses. Talvez mais claro em relação aos animais, o que se vai dizer é que os animais não são “recursos”, são seres que merecem respeito por si, não são coisas, objetos, são, segundo o Direito dos Animais, sujeitos de direitos (pacientes morais, no mínimo). E isso inverte mesmo o edifício por meio do qual o Direito foi sendo construído ao longo do tempo.
Reduzir os peixes a “estoques pesqueiros”, as aves ou os elefantes a “recursos naturais” é esfumaçar o indivíduo no todo, conferindo a eles um papel meramente instrumental em proveito do “equilíbrio” ecossistêmico. Aqui está a tensão entre Ecologia Profunda e Direito dos Animais.
A natureza é limitada, os seres que nela vivem são finitos e devem ser vistos como indivíduos que são. Não existem para satisfazer desejos humanos. O mundo não existe para a humanidade. A humanidade é uma espécie entre outras. Reconhecer os direitos animais afeta alegados “direitos humanos”, isto é, importa em outro estilo de vida.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – A Ecologia Profunda é um movimento ético, filosófico com considerável abertura: por exemplo, vê a dieta vegetariana não exatamente como um imperativo moral, mas como uma decisão individual. Embora critique a perda/degradação da vida natural dos animais, por exemplo, pela indústria alimentícia (carne, leite, ovos), de lazer (circos, aquários, touradas, rodeios, zoológicos) e de vestuário (peles, couro). Já o Direito dos Animais simplesmente possui o vegetarianismo como princípio de base, imperativo ético, rompendo com uma postura que pode ser intitulada de “bem-estarismo”.
Nota: A fonte da imagem que ilustra a entrevista é http://migre.me/eWyhg
Fonte: Mercado Ético
A tecnologia é crucial enquanto instrumental para fazer frente precisamente à piora das condições planetárias, “conquanto perceba que não é remédio para todos os males, ou seja, que não é possível confiar exclusivamente na tecnologia como forma de reverter a decadência expressiva das condições de vida (e boa vida) que o planeta oferece”. A constatação é do professor Fábio Corrêa Souza de Oliveira, da UFRJ, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
“Novas tecnologias, ecologia profunda e novos direitos” é o tema da palestra que será proferida pelo professor Fábio nesta segunda-feira, dia 10 de junho, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU, das 19h30 às 22h. A atividade integra a programação do I Seminário que antecede e prepara para o XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e Sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea, que ocorrerá de 21 a 24 de outubro de 2014 na Unisinos.
Fábio Corrêa Souza de Oliveira é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ, é mestre em Direito e doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É membro do Centro de Direito dos Animais e Ecologia Profunda (uma iniciativa que reúne docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e da Universidade Federal Fluminense – UFF, além do Instituto de Filosofia de Ciências Sociais da UFRJ). Mais informações no sítio www.animaisecologia.com.br.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que podemos entender por “ecologia profunda” e como ela se relaciona com os direitos dos animais?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – Ecologia Profunda é a denominação criada no início da década de 1970 por Arne Naess, professor emérito de Filosofia da Universidade de Oslo, para configurar a compreensão que procura romper com a concepção antropocêntrica da natureza, dos seres não integrantes da espécie humana, contrapondo, assim, à Ecologia Rasa, esta voltada eminentemente para os interesses humanos, entendendo os demais seres, a natureza, com valor meramente instrumental em função das demandas da humanidade.
A Ecologia Profunda apregoa que a natureza, os animais, possuem valor intrínseco em si, independentemente da relação com os humanos. Como é costumeiramente apresentada ou percebida, assume uma ética ecocêntrica. Nesse viés, há (ou pode haver) uma tensão com o Direito dos Animais, que sustenta uma ética individualista, centrada, portanto, no animal enquanto indivíduo e não apenas como integrante de um ecossistema, de um sistema biótico.
IHU On-Line – Como as novas tecnologias interferem na ecologia profunda e contribuem para a geração de novos direitos?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – A Ecologia Profunda entende que a tecnologia é importante como ferramenta hábil à melhoria das condições de vida, embora seja fato que é também responsável exatamente pelo contrário, pela degradação da vida tanto de seres humanos quanto de não humanos, pela deterioração de ecossistemas. Não obstante, a tecnologia é crucial enquanto instrumental para fazer frente precisamente à piora das condições planetárias, conquanto perceba que não é remédio para todos os males, ou seja, que não é possível confiar exclusivamente na tecnologia como forma de reverter a decadência expressiva das condições de vida (e boa vida) que o planeta oferece.
IHU On-Line – Como o senhor avalia que a legislação e a cultura brasileira têm reagido diante deste debate?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – A cultura brasileira, acadêmica e mesmo fora da academia, vem sendo bem receptiva. A matéria vem ganhando espaço progressivo na mídia e nas universidades. Livros e trabalhos acadêmicos são escritos, dissertações de mestrado, teses de doutorado, monografias de graduação, eventos são realizados. Evidentemente que, como a cultura predominante e historicamente arraigada é refratária tanto à pauta da Ecologia Profunda quanto à plataforma do Direito dos Animais, há uma barreira, uma tensão. De toda sorte, parece que vivemos exatamente um momento de virada de paradigma, que pode se concretizar ou não, sendo certo que leva tempo. A legislação brasileira, como escrita e interpretada, apenas em uma previsão ou outra, pode dar guarita à Ecologia Profunda ou ao Direito dos Animais. Sistematicamente é mesmo contrária ao que um e outro professam, embora haja progressivamente uma aproximação.
IHU On-Line – Qual a contribuição da Ecologia Profunda para o debate atual acerca do uso dos recursos naturais do planeta?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – Em síntese, a Ecologia Profunda promove duas mudanças na visão comum. A primeira é que aquilo que normalmente se chama de recursos naturais (e a palavra “recursos” é bem significativa porque traduz a ideia de disponibilidade, de aproveitamento, de instrumentalização), como animais, plantas, ecossistemas, a Ecologia Profunda vai compreender como tendo valor inerente.
Não são “recursos”, algo que está à disposição dos seres humanos para qualquer uso segundo exclusivamente seus próprios interesses. Talvez mais claro em relação aos animais, o que se vai dizer é que os animais não são “recursos”, são seres que merecem respeito por si, não são coisas, objetos, são, segundo o Direito dos Animais, sujeitos de direitos (pacientes morais, no mínimo). E isso inverte mesmo o edifício por meio do qual o Direito foi sendo construído ao longo do tempo.
Reduzir os peixes a “estoques pesqueiros”, as aves ou os elefantes a “recursos naturais” é esfumaçar o indivíduo no todo, conferindo a eles um papel meramente instrumental em proveito do “equilíbrio” ecossistêmico. Aqui está a tensão entre Ecologia Profunda e Direito dos Animais.
A natureza é limitada, os seres que nela vivem são finitos e devem ser vistos como indivíduos que são. Não existem para satisfazer desejos humanos. O mundo não existe para a humanidade. A humanidade é uma espécie entre outras. Reconhecer os direitos animais afeta alegados “direitos humanos”, isto é, importa em outro estilo de vida.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?
Fábio Corrêa Souza de Oliveira – A Ecologia Profunda é um movimento ético, filosófico com considerável abertura: por exemplo, vê a dieta vegetariana não exatamente como um imperativo moral, mas como uma decisão individual. Embora critique a perda/degradação da vida natural dos animais, por exemplo, pela indústria alimentícia (carne, leite, ovos), de lazer (circos, aquários, touradas, rodeios, zoológicos) e de vestuário (peles, couro). Já o Direito dos Animais simplesmente possui o vegetarianismo como princípio de base, imperativo ético, rompendo com uma postura que pode ser intitulada de “bem-estarismo”.
Nota: A fonte da imagem que ilustra a entrevista é http://migre.me/eWyhg
Fonte: Mercado Ético
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