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sexta-feira, 21 de junho de 2013

São Paulo: a voz das ruas e a oportunidade de mudanças

Manifestantes na Avenida Paulista, na útlima terça-feira

Na segunda-feira (17) estive na manifestação contra o aumento das passagens em São Paulo. Há muitos anos eu não via nada parecido. Aliás, é muito estranho a imprensa falar em 65 mil pessoas na manifestação. Eu diria que tinha muito mais que 100 mil… Pensando sobre o que aconteceu ontem, me lembrei de quando, lááá atrás, nós estávamos derrubando a ditadura, lutando por eleições diretas, reconstruindo as representações políticas do país. Naquela época nós íamos pra rua com nossas próprias faixas, bandeiras e cartazes, feitos em casa por nós mesmos, muito antes dessa era em que candidatos a representantes são vendidos que nem sabonete ou outro produto qualquer, com campanhas de marketing milionárias.

Aliás, essa é uma das razões por que o direito à cidade – promessa que fazíamos pra nós e pro Brasil naquela época – não avança. Porque campanhas milionárias dependem de doações de interesses corporativos que as financiam e que depois cobram a fatura, impondo suas pautas e agendas na construção das políticas públicas. Essa é, portanto, uma primeira questão entre tudo o que vi ontem: uma espécie de renascimento de práticas já esquecidas, de retomada de reivindicações importantes, de luta por direitos sociais básicos, além de muitas práticas e métodos novos. Isso estava expresso em cartazes que falavam de “saúde, educação e transporte pra todos”, por exemplo. Sinal de que a sociedade brasileira está muito feliz de ter mais dinheiro para comprar mais coisas, mas que isso não é suficiente.

Também me pareceu muito visível o desejo de participação. As pessoas querem ser consultadas, querem que suas opiniões sejam levadas em conta. A democracia representativa no Brasil está claramente vivendo uma crise. Por outro lado, o projeto de democracia direta, também anunciado décadas atrás e já experimentado, claramente retrocedeu… Os conselhos, as consultas públicas, no geral, foram esvaziados de conteúdo e, sobretudo, de poder decisório. É importante reconhecer que não conseguimos avançar na direção da construção do controle social sobre as políticas e o espaço público. Especialmente a política urbana – completamente capturada por esses interesses corporativos, entre eles, o das empresas de ônibus – viveu até agora um grande retrocesso.

Obviamente, essa não é uma questão exclusiva de São Paulo. As grandes manifestações que ontem tomaram conta de cidades em todo o país – Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba, Porto Alegre etc – comprovam. Outras pautas presentes no ato que me parece importante mencionar foram a defesa da não violência e do direito à livre manifestação – muito bem expressa no bordão “que coincidência, não tem polícia, não tem violência” –, e também o contexto pré-Copa do Mundo e Jogos Olímpicos que estamos vivendo e que tem ensejado inúmeras violações de direitos.

Depois do turbilhão de ontem, hoje de manhã participei da reunião do Conselho da Cidade, que contou com a participação de representantes do Movimento Passe Livre (MPL), que colocaram suas questões com muita clareza. O prefeito Fernando Haddad, por sua vez, assumiu postura bem mais aberta e flexível ao diálogo. Aliás, ele anunciou que a consulta pública da nova licitação pra contratação dos serviços do transporte coletivo, que se encerrava ontem, terá o prazo adiado. O mais interessante da reunião foi que os conselheiros foram praticamente unânimes com relação à proposta de imediata redução da tarifa, com revisão dos custos do transporte, dos contratos, e abertura dessas contas.

A opinião majoritária entre os conselheiros é que o prefeito tem diante de si uma grande oportunidade de finalmente enfrentar, com o apoio das ruas, os interesses que têm nos impedido de construir uma cidade inclusiva, para todos. Evidentemente a resposta da prefeitura não pode ser simplesmente a anulação do aumento, precisa ir muito além dessa questão (afinal, não são 20 centavos!), em direção da construção de uma real ruptura com o modelo rodoviarista, de uma política de mobilidade pactuada, absolutamente includente, baseada no transporte coletivo, e na decisão desses processos de forma participativa e com absoluta transparência na contratação de serviços pela prefeitura.

A cidade de São Paulo está vivendo um momento histórico. Estamos diante de uma oportunidade única de começar a reverter o atraso da nossa política urbana. Se conseguirmos de fato avançar, isso será importante não apenas para os paulistanos, mas para todo o país e também para o mundo, já que nossas reivindicações se relacionam fortemente com o que vem acontecendo em outros países, como a Turquia e a Espanha, por exemplo. Assim, esperamos que o prefeito Haddad compreenda a enorme chance que tem diante de si.

* Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

Fonte: Mercado Ético

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