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quarta-feira, 19 de junho de 2013
"Transporte coletivo é atraente para empresas e prejudicial para cidadãos"
O engenheiro Lúcio Gregori, secretário de Transportes na cidade de São Paulo no governo Luíza Erundina (1989 a 1992), argumenta que a política tributária no Brasil impede a aplicação da gratuidade no transporte coletivo, tão viável quanto o SUS (Sistema Único de Saúde), escolas públicas e coleta de lixo.
Em entrevista exclusiva ao jornal ABCD Maior, Gregori avalia que uma das formas de se pressionar por um transporte mais barato é fazer justamente o que os jovens paulistanos estão fazendo: ocupar as ruas e cobrar a redução da tarifa. Em sua opinião, transporte não é uma questão técnica, mas um debate em que está colocada a disputa pelos recursos públicos.
Rede Brasil Atual - Como o sr. avalia o modelo atual de transporte coletivo no Brasil, em especial da região metropolitana de São Paulo?
Lúcio Gregori – Avalio como sendo tradicional, e uma tradição ruim, que é a de transformar o transporte coletivo numa atividade econômica atraente para o setor privado e que acaba sendo prejudicial para as pessoas que usam o transporte e para a cidade como um todo. Três fatores contribuem para isso: o primeiro é o sistema de concessão de serviço público por tempo muito prolongado, podendo chegar a 25 anos, o que vai contra a dinâmica das cidades e causa contradições de interesses futuramente. O segundo é o modelo de vincular o transporte coletivo ao pagamento da tarifa e tratá-lo como um negócio qualquer, sendo que é um serviço de utilidade pública. O terceiro ponto é a priorização do transporte individual motorizado. O resultado é um transporte coletivo ruim e caro, e o grande sonho de todos é ter um carro para se libertar, levando a congestionamentos, estresse, poluição e mal funcionamento das cidades como um todo. O cidadão tem o direito de ir e vir, mas não tem como exercê-lo, sendo sonegado o acesso da população a vários serviços básicos, culturais, enfim.
RBA – Uma das principais queixas é o alto valor das tarifas. Uma decisão do governo federal reduziu a zero da alíquota do PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), mas as passagens no ABC paulista, por exemplo, só caíram R$ 0,10, o que é considerado ainda pouco pelos usuários. É possível fazer mais?
LG – Em geral, a desoneração de impostos é uma “solução meia-boca”. Porque vai diminuir o dinheiro que seria destinado para previdência e seguridade. Esses valores terão de vir de algum lugar e haverá alguma dificuldade mais adiante. Outra questão é que não dá para eliminar grandes valores porque senão quebra as empresas de transporte, resultando em reduções pífias. Para quem usa o transporte todos os dias, R$ 0,10 é uma diferença mínima.
RBA – O modelo ideal seria de tarifa zero?
LG – O que existe é uma crise financeira no Estado brasileiro, no sentido amplo (federal, estadual, municipal). O Brasil não tem dinheiro para o que precisa fazer e ao mesmo tempo tem impostos altíssimos.
Tem algo errado aí. O que existe são impostos mal resolvidos, paga mais quem ganha menos e paga menos quem ganha mais, uma coisa muito extravagante. Como resultado, o governo não tem dinheiro para subsidiar as tarifas do transporte e, no limite, implementar a tarifa zero. É uma discussão que não se limita ao setor de transportes, mas inclui a política tributária no país como um todo.
RBA – Isso é agravado pela pressão das empresas de transporte, que não têm interesse na redução das tarifas?
LG – Olhando de forma fria, para um empresário tanto faz quanto é cobrado do usuário, desde que o contrato separe o custo do serviço do preço da tarifa. Uma das coisas complicadas da maioria das concessões é que a tarifa responde pelo equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Então, o empresário tem interesse que a tarifa seja a mais alta possível. Outra discussão é a planilha de custos que vai determinar o preço que será cobrado.
RBA – Como funcionaria a tarifa zero?
LG – Em 1990, quando era secretário de Transportes da prefeita Luiza Erundina, nós transformamos a proposta em um projeto. Fazia-se uma reforma tributária do município de São Paulo para ter recursos para bancar a tarifa zero. Era, sobretudo, uma reforma sobre impostos municipais como ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e assim por diante. No projeto de lei do orçamento da prefeitura constituía-se um Fundo Municipal de Transporte e o dinheiro arrecadado bancava inteiramente a tarifa de ônibus, que não seria mais cobrada do usuário, mas paga indiretamente pelo conjunto dos impostos, como é a coleta de lixo, a segurança, saúde e educação públicas. O projeto foi para a Câmara, que não votou.
RBA – Por que não foi votado?
LG – Se a tarifa zero tivesse dado certo, a Luíza Erundina seria a rainha do Brasil… Não foi votado por uma disputa política e mexia com interesses de pessoas que pagavam impostos relativamente baixos e passariam a pagar o imposto realmente necessário. Ninguém queria mexer neste vespeiro. O projeto foi arquivado, mas houve consequências. Ao negar-se a votar, a Câmara foi corresponsável por um estado calamitoso do transporte em São Paulo na época. Como os contratos de concessão estavam todos vencidos, negociamos com os vereadores durante meses e transformamos concessões em sistema de contratação de frota, equivalente a fretar os ônibus dos empresários. A partir daí, eles não teriam relação com o valor da tarifa. A lógica foi de que, com a frota vinculada às tarifas, menos ônibus e mais lotação, era mais interessante aos empresários que poucos veículos circulassem. O que fizemos foi a inversão, já que quanto mais ônibus fretados, mais dinheiro o empresário teria. Com isso, aumentamos a frota de 7.600 ônibus em 1991 para 9.600 veículos no ano seguinte.
RBA – Como a sociedade pode pressionar por um transporte mais barato – ou mesmo gratuito – e de qualidade?
LG – Aquilo que vários movimentos estão fazendo na Capital: indo para a rua e pressionando o governo. Uma das características da democracia é disputar o dinheiro do Estado. Como a população pode reivindicar? Tem que se manifestar, com muita legitimidade. Às vezes quebram-se vidros, mas é algo natural em protesto, mas é importante salientar que a violência não parte só dos manifestantes, mas também da polícia. É preciso transformar a questão do transporte, que frequentemente é tida como um problema técnico, e colocar a discussão onde ela está, na disputa pelos recursos. Para termos um transporte mais barato, de mais qualidade e, no limite, pago indiretamente pelos impostos recolhidos.
Fonte: Mercado Ético
Em entrevista exclusiva ao jornal ABCD Maior, Gregori avalia que uma das formas de se pressionar por um transporte mais barato é fazer justamente o que os jovens paulistanos estão fazendo: ocupar as ruas e cobrar a redução da tarifa. Em sua opinião, transporte não é uma questão técnica, mas um debate em que está colocada a disputa pelos recursos públicos.
Rede Brasil Atual - Como o sr. avalia o modelo atual de transporte coletivo no Brasil, em especial da região metropolitana de São Paulo?
Lúcio Gregori – Avalio como sendo tradicional, e uma tradição ruim, que é a de transformar o transporte coletivo numa atividade econômica atraente para o setor privado e que acaba sendo prejudicial para as pessoas que usam o transporte e para a cidade como um todo. Três fatores contribuem para isso: o primeiro é o sistema de concessão de serviço público por tempo muito prolongado, podendo chegar a 25 anos, o que vai contra a dinâmica das cidades e causa contradições de interesses futuramente. O segundo é o modelo de vincular o transporte coletivo ao pagamento da tarifa e tratá-lo como um negócio qualquer, sendo que é um serviço de utilidade pública. O terceiro ponto é a priorização do transporte individual motorizado. O resultado é um transporte coletivo ruim e caro, e o grande sonho de todos é ter um carro para se libertar, levando a congestionamentos, estresse, poluição e mal funcionamento das cidades como um todo. O cidadão tem o direito de ir e vir, mas não tem como exercê-lo, sendo sonegado o acesso da população a vários serviços básicos, culturais, enfim.
RBA – Uma das principais queixas é o alto valor das tarifas. Uma decisão do governo federal reduziu a zero da alíquota do PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), mas as passagens no ABC paulista, por exemplo, só caíram R$ 0,10, o que é considerado ainda pouco pelos usuários. É possível fazer mais?
LG – Em geral, a desoneração de impostos é uma “solução meia-boca”. Porque vai diminuir o dinheiro que seria destinado para previdência e seguridade. Esses valores terão de vir de algum lugar e haverá alguma dificuldade mais adiante. Outra questão é que não dá para eliminar grandes valores porque senão quebra as empresas de transporte, resultando em reduções pífias. Para quem usa o transporte todos os dias, R$ 0,10 é uma diferença mínima.
RBA – O modelo ideal seria de tarifa zero?
LG – O que existe é uma crise financeira no Estado brasileiro, no sentido amplo (federal, estadual, municipal). O Brasil não tem dinheiro para o que precisa fazer e ao mesmo tempo tem impostos altíssimos.
Tem algo errado aí. O que existe são impostos mal resolvidos, paga mais quem ganha menos e paga menos quem ganha mais, uma coisa muito extravagante. Como resultado, o governo não tem dinheiro para subsidiar as tarifas do transporte e, no limite, implementar a tarifa zero. É uma discussão que não se limita ao setor de transportes, mas inclui a política tributária no país como um todo.
RBA – Isso é agravado pela pressão das empresas de transporte, que não têm interesse na redução das tarifas?
LG – Olhando de forma fria, para um empresário tanto faz quanto é cobrado do usuário, desde que o contrato separe o custo do serviço do preço da tarifa. Uma das coisas complicadas da maioria das concessões é que a tarifa responde pelo equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Então, o empresário tem interesse que a tarifa seja a mais alta possível. Outra discussão é a planilha de custos que vai determinar o preço que será cobrado.
RBA – Como funcionaria a tarifa zero?
LG – Em 1990, quando era secretário de Transportes da prefeita Luiza Erundina, nós transformamos a proposta em um projeto. Fazia-se uma reforma tributária do município de São Paulo para ter recursos para bancar a tarifa zero. Era, sobretudo, uma reforma sobre impostos municipais como ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e assim por diante. No projeto de lei do orçamento da prefeitura constituía-se um Fundo Municipal de Transporte e o dinheiro arrecadado bancava inteiramente a tarifa de ônibus, que não seria mais cobrada do usuário, mas paga indiretamente pelo conjunto dos impostos, como é a coleta de lixo, a segurança, saúde e educação públicas. O projeto foi para a Câmara, que não votou.
RBA – Por que não foi votado?
LG – Se a tarifa zero tivesse dado certo, a Luíza Erundina seria a rainha do Brasil… Não foi votado por uma disputa política e mexia com interesses de pessoas que pagavam impostos relativamente baixos e passariam a pagar o imposto realmente necessário. Ninguém queria mexer neste vespeiro. O projeto foi arquivado, mas houve consequências. Ao negar-se a votar, a Câmara foi corresponsável por um estado calamitoso do transporte em São Paulo na época. Como os contratos de concessão estavam todos vencidos, negociamos com os vereadores durante meses e transformamos concessões em sistema de contratação de frota, equivalente a fretar os ônibus dos empresários. A partir daí, eles não teriam relação com o valor da tarifa. A lógica foi de que, com a frota vinculada às tarifas, menos ônibus e mais lotação, era mais interessante aos empresários que poucos veículos circulassem. O que fizemos foi a inversão, já que quanto mais ônibus fretados, mais dinheiro o empresário teria. Com isso, aumentamos a frota de 7.600 ônibus em 1991 para 9.600 veículos no ano seguinte.
RBA – Como a sociedade pode pressionar por um transporte mais barato – ou mesmo gratuito – e de qualidade?
LG – Aquilo que vários movimentos estão fazendo na Capital: indo para a rua e pressionando o governo. Uma das características da democracia é disputar o dinheiro do Estado. Como a população pode reivindicar? Tem que se manifestar, com muita legitimidade. Às vezes quebram-se vidros, mas é algo natural em protesto, mas é importante salientar que a violência não parte só dos manifestantes, mas também da polícia. É preciso transformar a questão do transporte, que frequentemente é tida como um problema técnico, e colocar a discussão onde ela está, na disputa pelos recursos. Para termos um transporte mais barato, de mais qualidade e, no limite, pago indiretamente pelos impostos recolhidos.
Fonte: Mercado Ético
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