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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Voto Eletrônico, Espionagem e Direitos Humanos, artigo de José Rodrigues Filho


Depois das denúncias feitas por Edward Snowden sobre a tamanha capacidade tecnológica da Agência de Inteligência Americana, começam a surgir informações sobre a interferência desta agencia numa eleição eletrônica. Em resumo, a NSA (Agência de Inteligência Americana) tem a habilidade de, direta e eletronicamente, interferir nos resultados de uma eleição, através da conexão eletrônica (backbone) da internet. Assim sendo, pelo que se comenta, a NSA tem a habilidade técnica de acessar os dados de eleitores registrados numa base de dados, de adicionar ou subtrair votos numa eleição, determinando o resultado como bem lhe interessa.

Isto vem demonstrar, mais uma vez, a fragilidade e insegurança de uma votação eletrônica, sobretudo com dados navegados pela internet. Por esta razão, países com alta capacidade de espionagem como Alemanha e Rússia, jamais usariam o voto eletrônico,como acontece no Brasil. Além de escaparem da espionagem, estes países não expõem seus eleitores à violação de seus direitos humanos.

Com certeza, o governo brasileiro sabe de todos estes avanços tecnológicos e das possibilidades de espionagem por parte de outros países. O envolvimento de corporações americanas com as tecnologias de voto eletrônico, biometria e várias outras, por si só, já permite que as informações de eleitores brasileiros sejam incorporadas à base de dados dos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Infelizmente, ainda temos aqueles que, ingênua ou maldosamente, ainda dizem: não devo, não temo.

A tática de surpresa do governo brasileiro sobre a espionagem americana foi a mesma adotada por países como a França e Alemanha, embora tardiamente. Inicialmente, França e Alemanha demonstraram surpresas com a espionagem e pediram explicações sobre o ocorrido. Quando o governo americano deu a entender que estes países não só colaboravam com as práticas de espionagem da NSA, mas, também, as praticavam, a tática de mudez foi utilizada. Segundo a imprensa, franceses, alemães e americanos estavam todos na mesma cama, praticando a espionagem.

Similarmente, o governo brasileiro inicialmente fez um grande barulho, mostrando-se surpreso com a espionagem. Pedidos de explicações às autoridades americanas e até pedido de uma CPI foram registrados. Depois que a imprensa divulgou que o governo não só sabia da espionagem como colabora com ela, surgiu a tática da mudez sobre o assunto. Surpreendentemente, tudo nos leva a crer que quem está mais falado a verdade sobre a prática de espionagem é o governo americano. Portanto, as reações desonestas de alguns governantes às revelações de espionagem lhes causaram tantos danos quanto a própria espionagem.

As garantias constitucionais e os direitos humanos dos eleitores brasileiros são violentados, a partir do momento em que o voto eletrônico não mais permite que o eleitor controle e fiscalize o seu voto. Tudo é feito por empresas e corporações privadas. Apesar dos elevados gastos com eleições eletrônicas durante os últimos dez anos, não existe uma avaliação sobre a utilização desta tecnologia no nosso país. Com certeza, o voto eletrônico não contribuiu para a melhoria da cidadania dos eleitores brasileiros. Estamos participando mais da vida política do país, por exemplo? Pelo que estamos vendo no momento, nunca os políticos estiveram tão distante de seus eleitores. Por que não existe transparência sobre a utilização e gastos com a tecnologia do voto eletrônico? Quais as empresas e corporações envolvidas direta ou indiretamente com as eleições no Brasil? Diante de tantas controvérsias e falta de transparência, não se conhece ainda a verdadeira história do voto eletrônico no Brasil.

No momento estamos assistindo ao recadastramento biométrico dos eleitores brasileiros. De acordo com a Declaração Universal de Direitos Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, esta prática viola os direitos humanos dos eleitores. Muitas questões precisam ser respondidas sobre esta prática no país. Quais as corporações envolvidas, direta ou indiretamente, com o recadastramento biométrico? Existe alguma legislação que oferece garantias aos cidadãos brasileiros sobre esta prática? Quais os argumentos para a sua implantação? Sabemos que a tecnologia biométrica foi introduzida no Haiti há poucos anos. Por que razão a mesma está sendo implementada no Brasil? Não parece existir nenhuma justificativa para se fazer um recadastramento biométrico no Brasil, a não ser para atender o interesse de corporações privadas e os processos de espionagem.

Enquanto os países desenvolvidos não tem interesse em utilizar uma tecnologia que afronta os direitos humanos de seus cidadãos, o Brasil e outros países do terceiro mundo estão embarcando nesta aventura, em nome da modernidade. Se não conseguimos vislumbrar nenhum ponto positivo quanto à utilização destas tecnologias no nosso país, podemos facilmente deduzir que elas servem, pelo menos, para alimentar a base de dados dos serviços de inteligência dos países desenvolvidos. É lamentável que organizações que se dizem defender os direitos humanos no Brasil aprovem estas tecnologias.

O recadastramento biométrico, feito de forma compulsória em várias partes do país, está submetendo milhares de eleitores a situações humilhantes, quando muitos tem que madrugar nas filas para obtenção de uma ficha. O pior de tudo isto é que o fornecimento de dados pessoais talvez não sirva para ampliar os direitos e garantias dos cidadãos, podendo servir apenas para atender aos interesses de corporações privadas ambiciosas. Se o governo não demonstra preocupações com os direitos humanos de seus cidadãos e a própria justiça é defensora de tecnologias tão criticadas e inseguras, que providências legais nos restam, se alguma, para proteger nossa privacidade e nossa identidade?

Estamos diante de tecnologias orientadas para a globalização, adquiridas dos países desenvolvidos, a custa de elevados investimentos, implementadas com todo o apoio do governo para facilitar que tais países tenham um controle mais completo e uma vigilância mais ampla de cidadãos brasileiros, através de uma criminosa invasão de privacidade. Nesta dependência e subserviência vergonhosa do governo brasileiro, estamos nos tornando eleitores sem liberdade e democracia, encurralados a força, no momento, para um recadastramento biométrico, sob o falso argumento legal-autoritário de que poderemos perder nossos direitos de cidadão, se não quisermos nos submeter ao humilhante teste biométrico, orientado para nos tornar um item de classificação para as regras de vigilância e espionagem dos chamados serviços secretos.

José Rodrigues Filho é Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA). http://jrodriguesfilho.blogspot.com/

Fonte: EcoDebate

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