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terça-feira, 30 de julho de 2013

O equilíbrio ambiental que vem das áreas úmidas.

Entrevista especial com Wolfgang Junk

Foto de www.wwf.org.br

“Todos tipos de áreas úmidas são de alta importância e o seu manejo sustentável e sua proteção deveriam ter alta prioridade política em todos os países”, afirma o pesquisador.

Confira a entrevista.

A história da civilização humana está diretamente ligada às áreas úmidas, tendo diferentes impactos conforme as regiões do planeta. “Nas áreas temperadas e frias, as Áreas Úmidas - AUs eram de interesse para caçadores e pescadores, porque elas eram ricas em animais. Além disso, elas serviram como refúgios para minorias populacionais humanas e, em épocas mais recentes, para fugitivos políticos e para criminosos”, afirma Wolfgang J. Junk, em entevista concedida à IHU On-Line, por email.

Atualmente, estima-se que a preservação das áreas úmidas é uma das formas mais econômicas de proteção das populações às enchentes, sobretudo das regiões metropolitanas, considerando os investimentos necessários de contenções para evitar inundações nas cidades. “Ambientalistas e dirigentes de países da Europa e dos EUA já concluíram que restaurar parte das AUs perdidas será mais barato do que investir cada vez mais na proteção contra grandes enchentes”, apontam.

Um problema de ordem social bastante atual é a questão da privatização das áreas públicas, como lembra o professor Wolfang Junk. “A garantia de acesso das populações ribeirinhas à água limpa em leitos de rios protegidos pela vegetação natural deveria ser um direito público e não um luxo em pousadas cujo ingresso somente pode se dar pagando altas taxas. O direito das populações tradicionais vivendo nestas áreas de manejar seus recursos naturais com métodos sustentáveis deveria ter prioridade sobre os sistemas destrutivos do agronegócio”, destaca.

Wolfgang Junk é graduado em Zoologia pela Universidade de Bonn, UNI-BONN, Alemanha, e doutor em Zoologia Botânica Química Ciência do Mar Limnologi pela Universitat Kiel (Christian-Albrechts), UK, Alemanha. Atualmente é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Áreas Úmidas.

A entrevista foi enviada por e-mail ao professor Wolfgang J. Junk, que respondeu as questões juntamente com os pesquisadores Catia Nunes da Cunha e Paulo Teixeira de Sousa Jr. do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas – INAU e da Universidade Federal do Mato Grosso - UFMT; Maria Teresa Fernandez Piedade, Jochen Schoengard e Florian Wittmann do Grupo MAUA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Apesar de as perguntas terem sido respondidas pelo grupo, com intuito de facilitar a compreensão do leitor, colocamos abaixo apenas o nome do professor Wolfang Junk.

Confira a entrevista

IHU On-Line – Que ecossistemas podem ser definidos como áreas úmidas?

Wolfgang Junk - Foi elaborada por um grupo de peritos do Brasil inteiro a seguinte definição para Áreas Úmidas (AUs) brasileiras: Áreas Úmidas são ecossistemas na interface entre ambientes terrestres e aquáticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais, permanentemente ou periodicamente inundados por águas rasas ou com solos encharcados, doces, salobras ou salgadas, com comunidades de plantas e animais adaptadas à sua dinâmica hídrica.

IHU On-Line – Que importância as áreas alagadas têm para o equilíbrio ecológico e ambiental?

Wolfgang Junk - O Brasil é um país com uma sazonalidade hídrica bem explícita. As áreas alagáveis absorvem o excesso das chuvas durante a época chuvosa ou durante períodos de chuvas torrenciais, e devolvem parte deste excesso para a atmosfera, para o lençol freático e para os riachos e rios conectados. Assim, as áreas alagáveis têm ”efeito esponja” na paisagem. A destruição destas áreas resulta em inundações e secas catastróficas como foi demonstrado, por exemplo, em 2012 durante as grandes enchentes em Minas Gerais, com muitas mortes e grandes danos materiais.

IHU On-Line – Por que é importante, como o senhor propõe, pensarmos a realidade das áreas úmidas como planícies alagáveis e não retratos específicos de momentos de seca ou inundação?

Wolfgang Junk - Áreas alagáveis são sistemas ecológicos específicos, que representam todo o ciclo hidrológico, anual e multianual, e não somente as fases extremas de seca e cheia. Plantas e animais que vivem nestes ecossistemas estão adaptados a estas condições, como também as populações humanas tradicionais vivendo dentro ou nas margens destas áreas. Olhar para as áreas alagáveis apenas durante a seca iria levar, por exemplo, agricultores a plantar lavouras, ou a população em geral a construir casas e estradas em áreas que alagam durante as cheias. Isto implicaria em perdas de colheitas e propriedades. Para não perder a colheita e o patrimônio na enchente, a construção de diques de contenção e outras medidas seriam demandadas do poder público para proteção. Como consequência, as inundações rio abaixo seriam mais intensas, porque falta espaço para estocar a água extra, que não mais seria absorvida pelas áreas alagáveis após estas serem ocupadas. Isso iria criar danos rio abaixo e exigiria outras construções de proteção contra as enchentes etc., com gastos da ordem de milhões do patrimônio público.

Por outro lado, durante a cheia a área alagável passa a impressão de que tem água demais. Em consequência disso, poder-se-ia propor o desenvolvimento de sistemas para remoção de grandes quantidades de água para outras áreas. Entretanto, se subitamente vier um ano excepcionalmente seco, a água disponível será insuficiente. Neste momento, a ação anterior de retirada demasiada da água se fará sentir, e custará a integridade do ecossistema, resultando, por exemplo, na mortandade grande de organismos aquáticos, e na deterioração da qualidade da água para o consumo humano.

IHU On-Line – Historicamente, como as áreas úmidas corresponderam a sistemas importantes na construção da cultura humana?

Wolfgang Junk - Áreas úmidas tiveram impactos diferentes na cultura humana dependendo de sua posição geográfica. Nas áreas temperadas e frias, as AUs eram de interesse para caçadores e pescadores, porque elas eram ricas em animais. Além disso, elas serviram como refúgios para minorias populacionais humanas e, em épocas mais recentes, para fugitivos políticos e para criminosos. Para a agropecuária as inundações pouco previsíveis criaram riscos muito grandes. Por isso, os moradores tinham que investir em sistemas de proteção que eram muito caros, e somente hoje o homem dispõe de tecnologias para promover este tipo de proteção em grande escala. Porém, os custos econômicos e ecológicos são exorbitantes, de maneira que ambientalistas e dirigentes de países da Europa e dos EUA já concluíram que restaurar parte das AUs perdidas será mais barato do que investir cada vez mais na proteção contra grandes enchentes.

Nos trópicos e subtrópicos, as inundações eram previsíveis, e as populações adaptaram os métodos de cultivo ao ritmo das enchentes e secas. As AUs eram muito férteis e as safras grandes deixaram tempo suficiente para as populações humanas investirem em artes, tecnologias novas, medicina etc., formando ricos centros culturais. No Rio Nilo há uma régua feita na era faraônica para medir o nível da água. Se o nível do Rio Nilo não atingisse uma marca mínima, os agricultores eram isentos de pagar taxas, porque uma inundação fraca significava uma colheita fraca. O faraó e os sacerdotes sabiam da existência de épocas plurianuais de inundações fracas, e estocavam alimentos para os famosos ”períodos das vacas magras”, mencionados no velho testamento. Períodos maiores de secas grandes, porém, criaram problemas muito sérios, levando até ao colapso destas culturas.

IHU On-Line – Atualmente, quais são as áreas úmidas mais importantes no planeta? Por quê?

Wolfgang Junk - As grandes turfeiras (regiões alagadiças com vegetais em decomposição) do hemisfério Norte são importantíssimas para o clima global, porque elas estocam grandes quantidades de matéria orgânica que, ao se decomporem, vão entrando na forma de CO2 e metano na atmosfera, o que aumentará bastante o efeito estufa, contribuindo para as mudanças climáticas globais.

As grandes AUs famosas, como, por exemplo, o Pantanal Mato-grossense e as AUs Amazônicas no Brasil, os Everglades na Flórida, o Delta do Okawango na África, o Delta dos Rios Ganges e Bramaputra (os Sunderbans) na Índia, e as AUs no norte da Austrália, (Parque Nacional do Cacadu) chamam a atenção do público e servem como faróis, por causa da beleza paisagística e da riqueza da vida silvestre. Porém, no ciclo hidrológico, as matas ripárias ao longo dos pequenos rios são de suma importância para tamponar o fluxo da água e garantir e sua qualidade, evitando a entrada de sedimentos, nutrientes, agrotóxicos, etc.; os sistemas costeiros são insubstituíveis para a proteção das costas, para a pesca e para a o conjunto de seres vivos marinhos, e se nós somamos a importância das pequenas AUs dispersas na paisagem para a manutenção da biodiversidade, nós podemos constatar que seu valor é extremamente alto. Em outras palavras: todos tipos de AUs são de alta importância e o seu manejo sustentável e sua proteção deveriam ter alta prioridade política em todos os países.

IHU On-Line – Como é feito o trabalho do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas – INAU?

Wolfgang Junk - O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas – INCT Áreas Úmidas – é um instituto virtual, ou seja, composto com vários núcleos de pesquisa. É, sobretudo, uma rede de cientistas e institutos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que aprovaram, em 2008, proposta junto ao CNPq para estudar as quatro AUs grandes destes dois estados: Pantanal Mato-grossense, AUs do Rio Araguaia inclusive Ilha do Bananal, AUs do Rio Guaporé, e AUs do Rio Paraná. Entretanto, observa-se que (1) as AUs do Guaporé e do Paraná estendem-se também para os estados de Rondônia e Paraná, e que (2) uma abordagem em nível nacional era necessária para responder aos grandes problemas políticos conectados às AUs. Por isso, a abordagem foi ampliada e uma rede foi formada, que incluiu cientistas líderes em AUs de todo o Brasil. O resultado mais recente é um documento sobre as AUs brasileiras, que se encontra no sítio www.cppantanal.org.br e www.inau.org.br. Uma versão cientifica em Inglês de autoria de todos participantes está no prelo para a revista cientifica ”Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems”. Pretende-se intensificar a cooperação entre os membros da rede ampliada.

IHU On-Line – Qual o papel do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA - no que se refere às pesquisas sobre áreas úmidas?

Wolfgang Junk - Nós podemos considerar o INPA o berçário dos estudos sobre AUs interiores do Brasil, porque os primeiros trabalhos, que visaram estabelecer o papel dos rios com suas AUs no contexto da paisagem foram realizados nos anos de 1950 pelo professor Harald Sioli em cooperação com o INPA. Nos anos de 1960, colaboradores e alunos do Prof. Sioli continuaram estes estudos por meio de um convênio entre a Sociedade Max-Planck, representada pelo Instituto de Limnologia em Ploen, Alemanha, e o INPA. Eles formaram uma escola, que continua agora estes estudos na Amazônia pelo grupo MAUA (Ecologia, monitoramento e uso sustentável de áreas úmidas), liderado pela Profa. Maitê Piedade. Participantes deste grupo publicaram inúmeros trabalhos sobre as AUs amazônicas e cooperam agora intensivamente com pesquisadores do INAU. Além dos pesquisadores do grupo MAUA existem também outros pesquisadores do INPA que trabalham nas AUs Amazônicas.

IHU On-Line – As pesquisas sobre as áreas úmidas realizadas pelo INAU buscam fazer um mapeamento com vistas às políticas públicas. Que políticas seriam estas e como elas impactariam na vida das pessoas?

Wolfgang Junk - As AUs brasileiras são consideradas por muitos políticos como áreas sem valor, que deveriam ser inseridas na cadeia produtiva tradicional da agropecuária. Outras são usadas como lugares para despejar detritos sólidos industriais, de mineração, de construção civil e de esgotos, para depois serem aterrados e usados na construção de estradas, e casas. O INAU elaborou, em cooperação com peritos do Brasil inteiro, parâmetros para o delineamento das AUs brasileiras, considerando as condições hidrológicas específicas do país. 

Estes parâmetros questionam, por exemplo, o conteúdo do novo código florestal, que determina as áreas a serem protegidas ao longo dos rios e riachos a partir do nível mínimo da água, enquanto os nossos parâmetros exigem a proteção a partir do nível máximo, como era definido no Código Florestal antigo.

O novo código deixa a maior parte das AUs desprotegidas, com consequências desastrosas para o ciclo hidrológico, a qualidade da água, a biodiversidade, e – a médio e longo prazo – a qualidade de vida das populações ribeirinhas. O mapeamento e a classificação das AUs em nível nacional vai possibilitar a elaboração de estratégias para seu manejo sustentável. A garantia de acesso das populações ribeirinhas à água limpa em leitos de rios protegidos pela vegetação natural deveria ser um direito público e não um luxo em pousadas cujo ingresso somente pode se dar pagando altas taxas. O mesmo vale para as grandes AUs brasileiras. O direito das populações tradicionais vivendo nestas áreas de manejar seus recursos naturais com métodos sustentáveis deveria ter prioridade sobre os sistemas destrutivos do agronegócio.

IHU On-Line – Do ponto de vista biológico, o que as áreas úmidas representam em termos de biodiversidade de plantas e animais? Qual a importância da preservação?

Wolfgang Junk - Estudos no mundo inteiro mostram que a biodiversidade em AUs por área é proporcionalmente maior de que em outros ecossistemas, porque elas são colonizadas por espécies de plantas e animais aquáticos, terrestres e palustres (espécies de pântano). Muitas espécies são endêmicas, ou seja, ocorrem somente em AUs. 

Além disso, as grandes AUs são usadas como paradeiros de aves migratórias durante a suas migrações Norte/Sul e vice versa, ou como paradeiros de espécies migratórias durante o inverno dos hemisférios Norte e Sul. O mesmo acontece com muitas espécies de peixes marítimos, que usam os mangues para a desova e berçário, bem como na piracema dos peixes nos grandes rios. Por isso, o interesse da comunidade internacional na proteção destas áreas é grande, o que está sendo regulamentado pela Convenção de Ramsar, da qual Brasil e signatário desde 1993.

IHU On-Line – De que maneira a construção de usinas hidrelétricas, por exemplo, impactam no equilíbrio do ecossistema de áreas que são naturalmente alagadas e de áreas que eram secas e se tornaram alagadas?

Wolfgang Junk - A construção de represas hidrelétricas significa um impacto severo ao respectivo rio e as suas AUs laterais, porque a barragem interrompe a conectividade longitudinal do rio, interrompendo as rotas migratórias dos animais aquáticos, interferindo nos fluxos de água, de sedimentos e de nutrientes dissolvidos. 

O pulso natural na área da represa e rio abaixo é alterado de acordo com as demandas de energia e não acompanha mais os ciclos naturais, o que tem impactos severos para as plantas e animais associados a esses ambientes. 

Estudos de muitos anos no Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia a Aquicultura - Nupelia em Maringá comprovaram que as populações de peixes migratórios colapsam e a composição da ictiofauna (conjunto e espécies de peixes que vivem em uma região biogeográfica) como também aquela do fito - e zooplâncton mudam. Os impactos para a vegetação superior das AUs são bem visíveis pela mortalidade das florestas alagáveis dentro e abaixo das represas.

Ninguém pode negar a necessidade econômica e ecológica do aproveitamento da hidroenergia, mas é necessário um planejamento em médio e longo prazo para o aproveitamento deste recurso. Isto é fundamental, porque os custos ecológicos podem ser tão altos, que eles ultrapassam, de longe, o valor econômico da energia gerada.

Nem todas as represas hidrelétricas consideradas tecnicamente viáveis pelos engenheiros deveriam ser construídas, por causa dos seus altos custos para o meio ambiente e para os moradores a serem deslocados, e por causa da baixa quantidade da energia gerada. A represa de Balbina, no Rio Uatumã, no Estado do Amazonas é um exemplo de uma obra faraônica, que inundou 2.300 km2 de floresta, não satisfez as demandas energéticas de Manaus, e criou outros efeitos ambientais negativos, como por exemplo, a liberação de grandes quantidades de metano.  

IHU On-Line – Quais são os principais desafios postos à questão das áreas úmidas no planeta?

Wolfgang Junk - Esta pergunta é difícil de responder, porque a situação das AUs nas diversas regiões do planeta é diferente. Na Rússia, por exemplo, o governo não tem qualquer cuidado com as AUs, porque o país é imenso, suas AUs são pequenas, e a população é também pequena. Na China, a destruição das AUs está muito avançada e continua em ritmo acelerado, porém, os chineses alegam que a área de AUs artificiais está aumentando, porque AUs naturais são convertidas em áreas de plantios de arroz.

Nos EUA, em vários países Europeus, e na Austrália, a época da grande destruição das AUs já passou, e grandes esforços estão sendo tomados para proteger e recuperar aquelas ainda existentes, porque as perdas econômicas com a destruição das AUs são muito grandes. A África tem grandes AUs colonizadas por populações tradicionais, com métodos de uso bem adaptados. Porém, a entrada de capital estrangeiro começa a forçar o desenvolvimento agrário “moderno”, a custo do meio ambiente e das populações tradicionais. O subcontinente indiano (Índia e Bangladesh) sofre com uma superpopulação e um desenvolvimento industrial desenfreado, que exercem uma pressão brutal sobre as AUs ainda existentes.

Na América do Sul, que é rica em AUs em estágio ainda natural ou pouco perturbado, falta uma política específica que trate do manejo sustentável e da proteção das AUs. Os governos ainda não reconhecem os valores econômicos, ecológicos e sociais de suas AUs, e ainda não aprenderam a lição, de que os custos para a recuperação de AUs degradadas são muito mais altos, do que aqueles necessários para mantê-las intactas.

Fonte: Unisinos

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