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quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Política energética em debate. Os casos do ‘gás de xisto’ e o ‘leilão de Libra’
A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.
Excepcionalmente, a análise desta semana foi feita por Cesar Sanson em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Índice:
Energia. Santo Graal que todos buscam
‘Gás do xisto’. Grandes reservas e polêmica
Fraturamento hidráulico e impactos ambientais
Copiar os EUA?
“O Brasil não precisa disso”
Concessão ou entrega? A polêmica do poço de Libra
A quem interessa o leilão de Libra?
Interferência americana?
Concessão = precarização
Matriz energética. Para que e para quem?
Eis a análise
Energia. Santo Graal que todos buscam
Petróleo, carvão mineral, gás natural, rios, minérios, ventos, sol, mares, biomassa… tudo é transformado em matriz energética para saciar os crescentes padrões de produção e de consumo. O mundo é sempre e cada vez mais sedento, voraz e insaciável por energia. O tema da energia postou-se no centro da agenda mundial. Soberania também passou a rimar com energia. Autossuficiência em energia tornou-se estratégico para qualquer nação – garantia da manutenção do crescimento econômico considerada o elixir para geração de emprego e renda.
Assim tem sido no mundo e também no Brasil. Grandes usinas hidrelétricas nos rios Xingu (Belo Monte), Madeira (Jirau e Santo Antônio), Tapajós (São Luiz de Tapajós) Teles Pires (Teles Pires I); ampliação da construção de termelétricas, retomada do programa nuclear, aumento em investimentos na produção de etanol, exploração de gás natural, descobertas de megajazidas de petróleo pré-sal, estímulos na geração eólica fazem parte, entre outras, do arsenal brasileiro para suprir a crescente demanda por energia.
O discurso do governo é que o país está crescendo, precisa de mais energia e não pode correr o risco de um apagão. O Plano de Expansão Decenal de Energia do país para os próximos dez anos anuncia forte continuidade em investimentos na área de energia fóssil – petróleo e gás – e em hidrelétricas. Na esteira do desastre de Fukushima pisa momentaneamente no freio da energia nuclear, – cita apenas a conclusão de Angra 3 – fala em incremento maior na energia eólica e não diz nada sobre a energia solar.
É no contexto do debate energético que duas notícias dos últimos dias chamam a atenção. A primeira delas, pouco comentada até agora, é o interesse do Brasil na exploração do “gás não convencional”, conhecido também como “gás do xisto” e, a segunda, os leilões que privatizam poços de petróleo, particularmente um em questão – o poço do campo de Libra na Bacia de Santos. Insere-se também nesse debate o interesse inconfesso do governo na retomada do programa nuclear. Os temas relacionam-se com as opções da política energética brasileira e vis a vis com a crise climática.
O debate aqui proposto suscita algumas questões: Vale a pena explorar o ‘gás de xisto’? Quem ganha efetivamente com isso? Vale a pena entregar poços de petróleo? Ainda mais: Vale a pena explorá-los?
‘Gás do xisto’. Grandes reservas e polêmica
Sequer comentado ou até mesmo citado anteriormente pelo governo, veio à tona no debate energético o possível interesse do país na exploração do “gás não convencional”, também conhecido como o “gás do xisto”.
O pesquisador Colombo Celso Gaeta Tassinari, doutor em Geoquímica e Geotectônica pela Universidade de São Paulo – USP esclarece que “o termo gás de xisto está errado, apesar de ser usado largamente pela imprensa. Xisto é uma rocha que não tem nem gás nem óleo. O nome correto é gás não convencional”.
A Agência Nacional de Petróleo (ANP) já teria manifestado interesse em pesquisar e explorar esse tipo de gás. Já se sabe que o país está entre os maiores detentores mundial de reservas do gás do xisto. A ANP pretende realizar em novembro um leilão sobre a exploração desse gás. As bacias cotadas para entrar nesta rodada são a do Parecis (MT), do Parnaíba (entre Maranhão e Piauí), do Recôncavo (BA), além das bacias do rio Paraná (entre Paraná e Mato Grosso do Sul) e do Rio São Francisco (entre Minas Gerais e Bahia).
Amplamente produzido nos Estados Unidos e proibido em países da Europa, a exploração desse gás é envolta em grande polêmica.
Fraturamento hidráulico e impactos ambientais
O “gás não convencional” exige modo pouco convencional de exploração e é considerado invasivo: o fraturamento hidráulico (fracking) de rochas. A tecnologia consiste na perfuração de poços horizontais, a partir de poços verticais (de cada poço vertical derivam vários horizontais, em diversas direções), e no fracionamento da rocha sedimentar por meio de explosões controladas, seguido de injeção de uma mistura de água, areia e produtos químicos. O processo começa com uma perfuração até a camada rochosa de xisto. Após atingir uma profundidade de mais de 1,5 mil metros, uma bomba injeta água com areia e produtos químicos em alta pressão, o que amplia as fissuras na rocha. Este procedimento liberta o gás aprisionado, que flui para a superfície e pode então ser recolhido.
A polêmica diz respeito aos impactos ambientais que pode provocar: contaminação da água e do solo, riscos de explosão com a liberação de gás metano, consumo excessivo de água para provocar o fracionamento da rocha, além do uso de substâncias químicas para favorecer a exploração. Há ainda há a preocupação de que a técnica possa estimular movimentos tectônicos que levem a terremotos.
No Brasil, em entrevista exclusiva ao IHU Luiz Fernando Scheibe, doutor em Ciências de Mineralogia e Petrologia, comenta que “há um grupo grande de cientistas que trabalham diretamente com a questão da água e que estão legitimamente muito preocupados com a possibilidade de autorização da exploração do xisto no Brasil, sem que tenhamos uma definição clara dos prejuízos que isso irá causar para os aquíferos”.
Segundo ele, “a comunidade científica brasileira solicitou que o xisto seja excluído do leilão energético programado para os dias 28 e 29 de novembro”. O geólogo comenta que “os especialistas argumentam que é preciso estudar com calma as variáveis que estão contidas na exploração”. Na avaliação do pesquisador, a extração do gás não convencional “gera problemas ambientais sérios tanto do ponto de vista da contaminação do metano, como da contaminação da água que se utiliza para fazer o fraturamento hidráulico”. E acrescenta: “Querer começar a explorar o xisto no Brasil, sem uma infraestrutura adequada, sabendo que se trata de uma exploração controlada e que toda a grande produção é feita no primeiro ano, é querer se arriscar a produzir o gás e não ter o que fazer com ele. Ou seja, a Petrobras pagaria por um gás que não será consumido”.
Copiar os EUA?
Na opinião do pesquisador, essa onda de exploração do gás do xisto começou no EUA. Afirma Scheibe: “Todos sabem que os EUA sempre foram extremamente dependentes de fontes externas de energia, por causa do consumo alto de energia no país. Os EUA se consideram meio ‘donos’ do mundo e da possibilidade de intervir em qualquer lugar em que os interesses deles, principalmente os energéticos, se encontrarem ameaçados. Essa dependência dos fatores externos fez com que eles, ao se depararem com essa nova tecnologia do fraturamento hidráulico através de perfurações direcionadas, se jogassem nesse novo sistema”.
Então, diz ele, “a extração do xisto, no caso deles, passa primeiro por uma questão econômica no sentido de que, aparentemente, é um pouco mais barato explorar o xisto. Mas passa também, e principalmente, pela dependência que eles têm das fontes externas de petróleo e pelo fato de eles não precisarem mais ter essa preocupação tão exacerbada com essas fontes”.
A pesquisadora ambiental Suzana Padua também entrevistada pelo IHU, tem a mesma opinião do geólogo Luiz Fernando Scheibe. Segundo ela, “copiar um país como os EUA, que vem buscando meios de alavancar sua economia com práticas que podem ser danosas para o meio ambiente, não me parece ser prudente. A falta de estudos prévios e de uma visão de longo prazo são fatores que preocupam os especialistas nesta área. Foi assim com os agrotóxicos, os transgênicos e tantas outras ‘tendências’ danosas que se implantaram em nosso país – e agora é a vez do xisto”.
Para ela, “o Brasil copia, adota e depois se torna campeão de uso, dependente das grandes empresas multinacionais que são as fabricantes desses produtos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana, mas depois tem de lidar sozinho com as consequências nefastas que permanecem em nosso território”. Alerta a pesquisadora, “o fato é que muitas medidas que parecem boas para a economia podem ser danosas ao meio ambiente, como o próprio gás de xisto”.
Suzana Padua destaca que “a eficácia nas perfurações horizontais e o procedimento de fraturar a rocha, conhecido como ‘fracking’, injeta, sob alta pressão, grandes quantidades de água, explosivos e substâncias químicas”. Segundo ela, “é nesse processo que ocorrem vazamentos e a contaminação de aquíferos de água doce, que estão localizados acima do xisto. Trata-se, portanto, de uma tecnologia que se baseia em processos invasivos da camada geológica portadora do gás, por meio da fratura hidráulica (shale gas fracking), que resulta em danos ambientais ainda não totalmente conhecidos, mas que podem ser irreversíveis”.
Na Inglaterra, recentemente, manifestações em Balcombe, no interior do país, contra o fracking, mobilizaram a opinião pública.
A pesquisadora comenta que a exploração do gás do xisto, “causa impactos ambientais, que podem ser irremediáveis, o que já foi observado nos locais em que vem sendo extraído. Por conta disso, há países que têm evitado entrar na onda de explorar o xisto, mesmo perdendo a chance de ganhar divisas econômicas. Outros, que querem entrar, vêm encontrando barreiras com a opinião pública, como ocorreu recentemente no Reino Unido, quando a população manifestou-se fortemente contra essa prática”.
Aqui vale recordar que na Inglaterra, recentemente, manifestações em Balcombe, no interior do país, contra o fracking, mobilizaram a opinião pública.
Por sua vez, a Igreja da Inglaterra, cujo primaz Justin Welby, arcebispo de Canterbury, atuou na indústria petrolífera antes de se ordenar presbítero, criou uma gradne celeuma quando manifestou a abertura da Igreja Anglicana ao “fracking“. A Igreja Anglicana criticou aqueles que se opõem “univocamente” ao fraturamento hidráulico, “sem ‘se’ e sem ‘mas’”, acusando-os de se esquecerem dos pobres e dos benefícios que eles podem obter com os novos recursos, começando pela calefação a preços muito mais baixos.
Mas nem todo mundo parece estar de acordo, mesmo entre os anglicanos: antes da publicação da declaração oficial, a diocese de Blackburn havia avisado os seus fiéis que fracking poderia pôr em perigo a “magnífica criação de Deus”.
Mesmo nos Estados Unidos problemas ambientais já levaram Estados de Nova York, da Pensilvânia e do Texas a introduzir regulamentações mais exigentes. Na França a exploração de gás de xisto foi proibida.
O Brasil parece estar disposto a entrar nessa área de exploração. Segundo o geólogo Luiz Fernando Scheibe “os leilões – previstos para os dias 28 e 29 de novembro – seriam dedicados exclusivamente à exploração de gás convencional dentro do continente, porém, cada vez mais, aparentemente, também serão voltado para a extração do xisto, uma vez que nas colocações do pré-edital e do contrato há inúmeras menções ao xisto. Embora se diga que essa exploração será mais controlada, somente por volta da página 50 do edital aparece a expressão ‘meio ambiente”, destaca ele.
O modelo de contrato, segundo Scheibe, “é mais ou menos o mesmo aplicado em outras vendas de áreas para petróleo. O Estado está leiloando grandes áreas e as empresas se habilitam para fazer essa exploração. Elas precisam apresentar um cadastro e mostrar que têm capacidade científica para realizar a extração, mas basicamente devem mostrar que têm capacidade econômica para fazer. O pré-edital divide as empresas em três categorias: aquelas que têm capacidade científica; aquelas que têm capacidade científica limitada; e as que não têm capacidade científica. Neste último caso, supõe-se que essas empresas, caso sejam detentoras das áreas para poder explorar, irão procurar essa capacidade científica com parceiros”.
A tendência é que se interessem pelos editais empresas de fora que detém a tecnologia de fraturamento hidráulico (fracking) na exploração do gás não convencional.
O que anima o Brasil a entrar na exploração do gás do xisto são suas amplas reservas. “Sabemos que essas rochas que contêm o gás ocorrem numa área muito grande no Brasil: nas regiões Sul e Sudeste, num contexto geológico que chamamos de Bacia do Paraná, em Minas Gerais e na Bahia, na Bacia do São Francisco, na Amazônia, no Nordeste, no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte. Não sabemos exatamente o teor de gás de cada uma dessas regiões, porque ele pode variar. A princípio, trata-se de uma reserva importante”, afirma Colombo Celso Gaeta Tassinari doutor em Geoquímica e Geotectônica pela Universidade de São Paulo – USP.
“O Brasil não precisa disso”
A pesquisadora ambiental Suzana Padua na entrevista ao IHU comenta que “o Brasil é um dos poucos países do planeta a ter uma posição confortável em termos de recursos naturais. Por isso, deveria estar ditando regras, e não cedendo a pressões econômicas internacionais”.
Segundo ela, “o Brasil parece querer progresso a qualquer custo. Ainda não acordou para o grande valor do que temos em nosso território em termos de biodiversidade e outras riquezas naturais. Deveríamos estar investindo maciçamente em tecnologias sustentáveis e salvaguardando nosso patrimônio natural. Temos feito o inverso, o que é uma lástima”.
A ambientalista alerta que “uma vez que a natureza seja impactada, jamais retorna ao estado original. Mesmo em casos de sucesso, como a recuperação de áreas degradadas, ou a despoluição de rios, por exemplo, o resultado final jamais alcança a diversidade do que havia originalmente. São bilhões de anos de evolução para se ter a vida encontrada em biomas como os encontrados no Brasil, mas para se destruir é rápido”.
Para o coordenador do programa Mudanças Climáticas e Energia da organização ambientalista WWF-Brasil, Carlos Rittl, os aspectos sociais e ambientais estão sendo totalmente ignorados no debate sobre o gás do xisto: “o único argumento por trás da exploração é o econômico”, observa. “Essa tecnologia não se provou segura em nenhum lugar do mundo”, afirma.
Segundo ele, “o Brasil é muito abundante em fontes de energia de baixo impacto. O governo investe muito menos em energia eólica e solar, em aproveitamento da própria biomassa da cana-de-açúcar e de resíduos de madeira, por exemplo”, considera.
A própria ANP reconhece a falta de estudos sobre os impactos ambientais da prática: “O tema fraturamento hidráulico tem causado alvoroço na imprensa mundial, pois seus riscos não foram esclarecidos plenamente”, admitiu a assessoria de imprensa da entidade recentemetne. Na avaliação da ANP, o método possibilita aumentar a produção de gás natural, mas ainda apresenta altos custos e complexidade nas operações.
Enfim, cabe a provocação aos movimentos sociais se não é necessário e urgente inserir este tema na agenda estratégica das lutas sociais e ambientais. Ou seja, será que o ‘no fracking‘ não seria uma bandeira de luta mais do que urgente antes que se embarque nesta canoa?
Concessão ou entrega? A polêmica do poço de Libra
A quem interessa o leilão de Libra?
Há outro debate sobre a política energética na conjuntura desses dias: o leilão de concessão de poços de petróleo, particularmente o poço de Libra na Bacia de Santos. Esse debate ganhou ainda mais espaço na grande mídia depois das revelações de que o governo americano através de suas agências de inteligência – NSA e CIA – espionou a Petrobrás.
Suspensos desde 2008, os leilões de petróleo foram retomados em maio deste ano pelo governo de Dilma Rousseff. O monopólio estatal foi extinto no país pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Sem monopólio, a exploração de petróleo é feita a partir de três tipos de contratos entre empresas e o Estado: concessão, contrato de partilha e contrato de serviços. No caso do leilão anunciado para outubro o regime anunciado é o de partilha da produção, pelo qual o governo recebe uma parte do óleo a ser produzido pela empresa concessionária.
Sobre esse leilão, comenta Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, em entrevista ao IHU: “Se for feita uma enquete nas ruas do Brasil, de norte a sul, perguntando ao povo: ‘O que você acha sobre o leilão de Libra, que irá acontecer em 21 de outubro próximo?’, será constatado que 99% da população desconhece o que é Libra. Um assunto tão relevante mereceria, no mínimo, um plebiscito bem organizado para a decisão ser tomada”.
O leilão do poço de Libra reveste-se de grande importância, considerando-se que essa reserva de pré-sal da Bacia de Santos pode conter mais petróleo do que a soma de todas as reservas já comprovadas no Brasil. O volume de óleo recuperável em Libra pode chegar a 15 bilhões de barris. Atualmente, as reservas brasileiras somam 14 bilhões de barris. Trata-se de uma riqueza no valor de, no mínimo, US$ 1 trilhão que pode parar nas mãos de empresas estrangeiras.
Tudo indica que a insistência do governo brasileiro em abrir mão do poço de Libra deve-se à meta de atingir recursos estimados no superávit primário. A presidente Dilma Rousseff teria tomado a decisão de usar todo o dinheiro que for obtido com as concessões de infraestrutura deste ano, como as de blocos de petróleo e gás e grandes aeroportos e rodovias, para engordar a meta fiscal, conhecida como superávit primário e ajustar as contas. As concessões – privatizações – nessas áreas de infraestrutura são defendidas pelo Banco Central como importante mecanismo de retomada da estabilidade financeira. A principal aposta no conjunto de concessões é o leilão do poço de petróleo Libra que poderá render algo em torno de 15 bilhões.
Considerando-se que se trata de um poço de risco zero – basta perfurar – a sua grandeza e o seu valor, o leilão vem sendo interpretado por movimentos sociais como “política entreguista”. O engenheiro Paulo Metri comenta: “Sobre este leilão, que corresponde à alienação de uma riqueza no valor de, no mínimo, US$ 1 trilhão, o povo não sabe de nada. Libra é um campo com as reservas razoavelmente medidas, então, não pode ser leiloado. Leilão é para, na melhor das hipóteses, blocos com perspectiva de existência de petróleo. Só no Iraque e no Brasil se leiloa petróleo conhecido existente no subsolo, sendo que, no Iraque, há tanques, caças e metralhadoras apontadas para os iraquianos. E aqui? O que tem apontado”?
Segundo ele, “Libra tinha que ser entregue à Petrobras, sem leilão, para esta assinar um contrato de partilha com a União, se comprometendo a remeter 80% do lucro líquido para o Fundo Social, o que nenhuma empresa privada fará”.
A interpretação de movimentos sociais que tem ido às ruas contra a entrega de Libra é de que ao invés de buscar o caminho de fortalecimento da Petrobras e da consolidação de um setor nacional numa área estratégica como a energética, o governo opta em abrir flancos para a exploração do capital multinacional que nada deixa por aqui, uma vez que remete os seus ganhos para o exterior.
Segundo Paulo Metri, “entregar 70% da reserva conhecida deste campo a empresas estrangeiras, que sempre exportarão suas produções sem adicionar valor algum, nunca contribuirão para o abastecimento do país, dificilmente contratarão plataformas no Brasil, o item de maior peso nos investimentos, não gerarão muitos empregos aqui, não pagarão impostos, graças à lei Kandir, e só pagarão os royalties e uma parcela combinada do lucro é o exemplo máximo da desfaçatez”. Em sua opinião, “o governo deveria entregar sem leilão este campo à Petrobras, que assinaria um contrato de partilha com a União, atendendo ao artigo 12 da lei 12.351, e ela faria o que as empresas estrangeiras não fazem”.
Interferência americana?
Há ainda outro ingrediente que envolve o leilão do poço de Libra, a revelação de que agências de inteligência americana há muito espionam a Petrobras. Para a Federação Única dos Petroleiros – FUP, “não há dúvidas sobre as motivações comerciais na espionagem comandada pelo governo dos Estados Unidos e aliados, como a Inglaterra, cujas petrolíferas já se manifestaram interessadas nas reservas do pré-sal, e, particularmente, em Libra”.
Segundo a FUP, “diante de todas as evidências de que a espionagem do governo dos Estados Unidos tem caráter estritamente comercial e, consequentemente, privilegia as petrolíferas norte-americanas, torna-se urgente a suspensão imediata do leilão de Libra. Em nome dos trabalhadores petroleiros, a FUP espera que o governo brasileiro tome todas as providências necessárias para defender a Petrobras e a soberania nacional”.
Mesmo admitindo que as gravíssimas denúncias de espionagem por agências estadunidenses (NSA e CIA), tinham como alvo o petróleo, Dilma Rousseff não aventou a possibilidade de suspender o leilão de Libra ou a participação das petrolíferas dos Estados Unidos no leilão. Nesses dias, a presidenta da Petrobras Graça Foster disse que as recentes denúncias de espionagem contra a companhia de petróleo Petrobras não vão provocar o adiamento do leilão do Campo de Libra.
Concessão = precarização
A Federação Única dos Trabalhadores – FUP destaca ainda que “ao permitir que as multinacionais se apropriem do petróleo brasileiro, o governo coloca em risco não só a soberania, como o desenvolvimento do Brasil. Essas empresas, além de exportar tudo o que produzem, não geram empregos aqui, nem movimentam a indústria nacional, como faz a Petrobras. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), dos 62 navios feitos pela indústria de petróleo, 59 são da Petrobras e três da PDVSA (estatal venezuelana). Ou seja, nenhuma petrolífera privada encomendou navios no Brasil”.
Além disso, diz a FUP, “a privatização do petróleo é quase um sinônimo para a terceirização do trabalho, já que empresas como Statoil, Shell, OGX, Chevron, entre tantas outras que abocanharam jazidas de petróleo ao longo dos 11 leilões realizados desde o governo FHC, quando foi quebrado o monopólio estatal da Petrobras, não contratam trabalhadores próprios e, ainda praticam absurdos, como a falta de treinamento necessário para que estes trabalhadores exerçam suas atividades nas plataformas e, em outras unidades operacionais, de forma digna e segura”.
A FUP cita como exemplo de precarização do trabalho a OGX: “Os leilões de petróleo estão rebaixando as condições de trabalho no Brasil. Na OGX, por exemplo, dos 6.500 trabalhadores contratados, 6.200 são terceirizados. Os 300 que são próprios só atuam praticamente em áreas administrativas”.
Matriz energética. Para que e para quem?
A possível exploração do ‘gás do xisto’, a concessão de blocos de poços de petróleo do pré-sal, a confessa vontade do governo brasileiro em retomar o programa energético nuclear, associado a expansão de investimentos na produção de etanol, construção de termelétricas e hidrelétricas recolocam em debate as opções brasileiras na área energética.
O fato é que o Brasil continua insistindo num modelo econômico industrializante dependente de matrizes energéticas poluidoras (fósseis), perigosas (nuclear) e devastadoras do meio ambiente (hidrelétricas).
Há no governo um profundo e absoluto silêncio sobre a questão ambiental. Transformar o Brasil num exportador de energia, também via produção de commodities – por paradoxal que possa ser – tendo presente a crise climática não poderá travar o país mais à frente?
A grande questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos? Por muito tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da pobreza. A equação é conhecida. O crescimento econômico produziria um círculo virtuoso: produção-emprego-consumo. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a justiça social não é verdadeiro.
Vale a pena explorar o ‘gás de xisto’? Quem ganha efetivamente com isso? Vale a pena entregar poços de petróleo? Ainda mais: Vale a pena explorá-los? É preciso complexificar o debate.
Para ampliar e aprofundar a questão, podem ser consultadas as seguintes edições da revista IHU On-Line:
Energia para quê e para quem? A matriz energética do Brasil em debate. Revista IHU On-Line, no. 236
A energia nuclear em debate. Revista IHU On-Line, no.355
Fonte: EcoDebate
Índice:
Energia. Santo Graal que todos buscam
‘Gás do xisto’. Grandes reservas e polêmica
Fraturamento hidráulico e impactos ambientais
Copiar os EUA?
“O Brasil não precisa disso”
Concessão ou entrega? A polêmica do poço de Libra
A quem interessa o leilão de Libra?
Interferência americana?
Concessão = precarização
Matriz energética. Para que e para quem?
Eis a análise
Energia. Santo Graal que todos buscam
Petróleo, carvão mineral, gás natural, rios, minérios, ventos, sol, mares, biomassa… tudo é transformado em matriz energética para saciar os crescentes padrões de produção e de consumo. O mundo é sempre e cada vez mais sedento, voraz e insaciável por energia. O tema da energia postou-se no centro da agenda mundial. Soberania também passou a rimar com energia. Autossuficiência em energia tornou-se estratégico para qualquer nação – garantia da manutenção do crescimento econômico considerada o elixir para geração de emprego e renda.
Assim tem sido no mundo e também no Brasil. Grandes usinas hidrelétricas nos rios Xingu (Belo Monte), Madeira (Jirau e Santo Antônio), Tapajós (São Luiz de Tapajós) Teles Pires (Teles Pires I); ampliação da construção de termelétricas, retomada do programa nuclear, aumento em investimentos na produção de etanol, exploração de gás natural, descobertas de megajazidas de petróleo pré-sal, estímulos na geração eólica fazem parte, entre outras, do arsenal brasileiro para suprir a crescente demanda por energia.
O discurso do governo é que o país está crescendo, precisa de mais energia e não pode correr o risco de um apagão. O Plano de Expansão Decenal de Energia do país para os próximos dez anos anuncia forte continuidade em investimentos na área de energia fóssil – petróleo e gás – e em hidrelétricas. Na esteira do desastre de Fukushima pisa momentaneamente no freio da energia nuclear, – cita apenas a conclusão de Angra 3 – fala em incremento maior na energia eólica e não diz nada sobre a energia solar.
É no contexto do debate energético que duas notícias dos últimos dias chamam a atenção. A primeira delas, pouco comentada até agora, é o interesse do Brasil na exploração do “gás não convencional”, conhecido também como “gás do xisto” e, a segunda, os leilões que privatizam poços de petróleo, particularmente um em questão – o poço do campo de Libra na Bacia de Santos. Insere-se também nesse debate o interesse inconfesso do governo na retomada do programa nuclear. Os temas relacionam-se com as opções da política energética brasileira e vis a vis com a crise climática.
O debate aqui proposto suscita algumas questões: Vale a pena explorar o ‘gás de xisto’? Quem ganha efetivamente com isso? Vale a pena entregar poços de petróleo? Ainda mais: Vale a pena explorá-los?
‘Gás do xisto’. Grandes reservas e polêmica
Sequer comentado ou até mesmo citado anteriormente pelo governo, veio à tona no debate energético o possível interesse do país na exploração do “gás não convencional”, também conhecido como o “gás do xisto”.
O pesquisador Colombo Celso Gaeta Tassinari, doutor em Geoquímica e Geotectônica pela Universidade de São Paulo – USP esclarece que “o termo gás de xisto está errado, apesar de ser usado largamente pela imprensa. Xisto é uma rocha que não tem nem gás nem óleo. O nome correto é gás não convencional”.
A Agência Nacional de Petróleo (ANP) já teria manifestado interesse em pesquisar e explorar esse tipo de gás. Já se sabe que o país está entre os maiores detentores mundial de reservas do gás do xisto. A ANP pretende realizar em novembro um leilão sobre a exploração desse gás. As bacias cotadas para entrar nesta rodada são a do Parecis (MT), do Parnaíba (entre Maranhão e Piauí), do Recôncavo (BA), além das bacias do rio Paraná (entre Paraná e Mato Grosso do Sul) e do Rio São Francisco (entre Minas Gerais e Bahia).
Amplamente produzido nos Estados Unidos e proibido em países da Europa, a exploração desse gás é envolta em grande polêmica.
Fraturamento hidráulico e impactos ambientais
O “gás não convencional” exige modo pouco convencional de exploração e é considerado invasivo: o fraturamento hidráulico (fracking) de rochas. A tecnologia consiste na perfuração de poços horizontais, a partir de poços verticais (de cada poço vertical derivam vários horizontais, em diversas direções), e no fracionamento da rocha sedimentar por meio de explosões controladas, seguido de injeção de uma mistura de água, areia e produtos químicos. O processo começa com uma perfuração até a camada rochosa de xisto. Após atingir uma profundidade de mais de 1,5 mil metros, uma bomba injeta água com areia e produtos químicos em alta pressão, o que amplia as fissuras na rocha. Este procedimento liberta o gás aprisionado, que flui para a superfície e pode então ser recolhido.
A polêmica diz respeito aos impactos ambientais que pode provocar: contaminação da água e do solo, riscos de explosão com a liberação de gás metano, consumo excessivo de água para provocar o fracionamento da rocha, além do uso de substâncias químicas para favorecer a exploração. Há ainda há a preocupação de que a técnica possa estimular movimentos tectônicos que levem a terremotos.
No Brasil, em entrevista exclusiva ao IHU Luiz Fernando Scheibe, doutor em Ciências de Mineralogia e Petrologia, comenta que “há um grupo grande de cientistas que trabalham diretamente com a questão da água e que estão legitimamente muito preocupados com a possibilidade de autorização da exploração do xisto no Brasil, sem que tenhamos uma definição clara dos prejuízos que isso irá causar para os aquíferos”.
Segundo ele, “a comunidade científica brasileira solicitou que o xisto seja excluído do leilão energético programado para os dias 28 e 29 de novembro”. O geólogo comenta que “os especialistas argumentam que é preciso estudar com calma as variáveis que estão contidas na exploração”. Na avaliação do pesquisador, a extração do gás não convencional “gera problemas ambientais sérios tanto do ponto de vista da contaminação do metano, como da contaminação da água que se utiliza para fazer o fraturamento hidráulico”. E acrescenta: “Querer começar a explorar o xisto no Brasil, sem uma infraestrutura adequada, sabendo que se trata de uma exploração controlada e que toda a grande produção é feita no primeiro ano, é querer se arriscar a produzir o gás e não ter o que fazer com ele. Ou seja, a Petrobras pagaria por um gás que não será consumido”.
Copiar os EUA?
Na opinião do pesquisador, essa onda de exploração do gás do xisto começou no EUA. Afirma Scheibe: “Todos sabem que os EUA sempre foram extremamente dependentes de fontes externas de energia, por causa do consumo alto de energia no país. Os EUA se consideram meio ‘donos’ do mundo e da possibilidade de intervir em qualquer lugar em que os interesses deles, principalmente os energéticos, se encontrarem ameaçados. Essa dependência dos fatores externos fez com que eles, ao se depararem com essa nova tecnologia do fraturamento hidráulico através de perfurações direcionadas, se jogassem nesse novo sistema”.
Então, diz ele, “a extração do xisto, no caso deles, passa primeiro por uma questão econômica no sentido de que, aparentemente, é um pouco mais barato explorar o xisto. Mas passa também, e principalmente, pela dependência que eles têm das fontes externas de petróleo e pelo fato de eles não precisarem mais ter essa preocupação tão exacerbada com essas fontes”.
A pesquisadora ambiental Suzana Padua também entrevistada pelo IHU, tem a mesma opinião do geólogo Luiz Fernando Scheibe. Segundo ela, “copiar um país como os EUA, que vem buscando meios de alavancar sua economia com práticas que podem ser danosas para o meio ambiente, não me parece ser prudente. A falta de estudos prévios e de uma visão de longo prazo são fatores que preocupam os especialistas nesta área. Foi assim com os agrotóxicos, os transgênicos e tantas outras ‘tendências’ danosas que se implantaram em nosso país – e agora é a vez do xisto”.
Para ela, “o Brasil copia, adota e depois se torna campeão de uso, dependente das grandes empresas multinacionais que são as fabricantes desses produtos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana, mas depois tem de lidar sozinho com as consequências nefastas que permanecem em nosso território”. Alerta a pesquisadora, “o fato é que muitas medidas que parecem boas para a economia podem ser danosas ao meio ambiente, como o próprio gás de xisto”.
Suzana Padua destaca que “a eficácia nas perfurações horizontais e o procedimento de fraturar a rocha, conhecido como ‘fracking’, injeta, sob alta pressão, grandes quantidades de água, explosivos e substâncias químicas”. Segundo ela, “é nesse processo que ocorrem vazamentos e a contaminação de aquíferos de água doce, que estão localizados acima do xisto. Trata-se, portanto, de uma tecnologia que se baseia em processos invasivos da camada geológica portadora do gás, por meio da fratura hidráulica (shale gas fracking), que resulta em danos ambientais ainda não totalmente conhecidos, mas que podem ser irreversíveis”.
Na Inglaterra, recentemente, manifestações em Balcombe, no interior do país, contra o fracking, mobilizaram a opinião pública.
A pesquisadora comenta que a exploração do gás do xisto, “causa impactos ambientais, que podem ser irremediáveis, o que já foi observado nos locais em que vem sendo extraído. Por conta disso, há países que têm evitado entrar na onda de explorar o xisto, mesmo perdendo a chance de ganhar divisas econômicas. Outros, que querem entrar, vêm encontrando barreiras com a opinião pública, como ocorreu recentemente no Reino Unido, quando a população manifestou-se fortemente contra essa prática”.
Aqui vale recordar que na Inglaterra, recentemente, manifestações em Balcombe, no interior do país, contra o fracking, mobilizaram a opinião pública.
Por sua vez, a Igreja da Inglaterra, cujo primaz Justin Welby, arcebispo de Canterbury, atuou na indústria petrolífera antes de se ordenar presbítero, criou uma gradne celeuma quando manifestou a abertura da Igreja Anglicana ao “fracking“. A Igreja Anglicana criticou aqueles que se opõem “univocamente” ao fraturamento hidráulico, “sem ‘se’ e sem ‘mas’”, acusando-os de se esquecerem dos pobres e dos benefícios que eles podem obter com os novos recursos, começando pela calefação a preços muito mais baixos.
Mas nem todo mundo parece estar de acordo, mesmo entre os anglicanos: antes da publicação da declaração oficial, a diocese de Blackburn havia avisado os seus fiéis que fracking poderia pôr em perigo a “magnífica criação de Deus”.
Mesmo nos Estados Unidos problemas ambientais já levaram Estados de Nova York, da Pensilvânia e do Texas a introduzir regulamentações mais exigentes. Na França a exploração de gás de xisto foi proibida.
O Brasil parece estar disposto a entrar nessa área de exploração. Segundo o geólogo Luiz Fernando Scheibe “os leilões – previstos para os dias 28 e 29 de novembro – seriam dedicados exclusivamente à exploração de gás convencional dentro do continente, porém, cada vez mais, aparentemente, também serão voltado para a extração do xisto, uma vez que nas colocações do pré-edital e do contrato há inúmeras menções ao xisto. Embora se diga que essa exploração será mais controlada, somente por volta da página 50 do edital aparece a expressão ‘meio ambiente”, destaca ele.
O modelo de contrato, segundo Scheibe, “é mais ou menos o mesmo aplicado em outras vendas de áreas para petróleo. O Estado está leiloando grandes áreas e as empresas se habilitam para fazer essa exploração. Elas precisam apresentar um cadastro e mostrar que têm capacidade científica para realizar a extração, mas basicamente devem mostrar que têm capacidade econômica para fazer. O pré-edital divide as empresas em três categorias: aquelas que têm capacidade científica; aquelas que têm capacidade científica limitada; e as que não têm capacidade científica. Neste último caso, supõe-se que essas empresas, caso sejam detentoras das áreas para poder explorar, irão procurar essa capacidade científica com parceiros”.
A tendência é que se interessem pelos editais empresas de fora que detém a tecnologia de fraturamento hidráulico (fracking) na exploração do gás não convencional.
O que anima o Brasil a entrar na exploração do gás do xisto são suas amplas reservas. “Sabemos que essas rochas que contêm o gás ocorrem numa área muito grande no Brasil: nas regiões Sul e Sudeste, num contexto geológico que chamamos de Bacia do Paraná, em Minas Gerais e na Bahia, na Bacia do São Francisco, na Amazônia, no Nordeste, no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte. Não sabemos exatamente o teor de gás de cada uma dessas regiões, porque ele pode variar. A princípio, trata-se de uma reserva importante”, afirma Colombo Celso Gaeta Tassinari doutor em Geoquímica e Geotectônica pela Universidade de São Paulo – USP.
“O Brasil não precisa disso”
A pesquisadora ambiental Suzana Padua na entrevista ao IHU comenta que “o Brasil é um dos poucos países do planeta a ter uma posição confortável em termos de recursos naturais. Por isso, deveria estar ditando regras, e não cedendo a pressões econômicas internacionais”.
Segundo ela, “o Brasil parece querer progresso a qualquer custo. Ainda não acordou para o grande valor do que temos em nosso território em termos de biodiversidade e outras riquezas naturais. Deveríamos estar investindo maciçamente em tecnologias sustentáveis e salvaguardando nosso patrimônio natural. Temos feito o inverso, o que é uma lástima”.
A ambientalista alerta que “uma vez que a natureza seja impactada, jamais retorna ao estado original. Mesmo em casos de sucesso, como a recuperação de áreas degradadas, ou a despoluição de rios, por exemplo, o resultado final jamais alcança a diversidade do que havia originalmente. São bilhões de anos de evolução para se ter a vida encontrada em biomas como os encontrados no Brasil, mas para se destruir é rápido”.
Para o coordenador do programa Mudanças Climáticas e Energia da organização ambientalista WWF-Brasil, Carlos Rittl, os aspectos sociais e ambientais estão sendo totalmente ignorados no debate sobre o gás do xisto: “o único argumento por trás da exploração é o econômico”, observa. “Essa tecnologia não se provou segura em nenhum lugar do mundo”, afirma.
Segundo ele, “o Brasil é muito abundante em fontes de energia de baixo impacto. O governo investe muito menos em energia eólica e solar, em aproveitamento da própria biomassa da cana-de-açúcar e de resíduos de madeira, por exemplo”, considera.
A própria ANP reconhece a falta de estudos sobre os impactos ambientais da prática: “O tema fraturamento hidráulico tem causado alvoroço na imprensa mundial, pois seus riscos não foram esclarecidos plenamente”, admitiu a assessoria de imprensa da entidade recentemetne. Na avaliação da ANP, o método possibilita aumentar a produção de gás natural, mas ainda apresenta altos custos e complexidade nas operações.
Enfim, cabe a provocação aos movimentos sociais se não é necessário e urgente inserir este tema na agenda estratégica das lutas sociais e ambientais. Ou seja, será que o ‘no fracking‘ não seria uma bandeira de luta mais do que urgente antes que se embarque nesta canoa?
Concessão ou entrega? A polêmica do poço de Libra
A quem interessa o leilão de Libra?
Há outro debate sobre a política energética na conjuntura desses dias: o leilão de concessão de poços de petróleo, particularmente o poço de Libra na Bacia de Santos. Esse debate ganhou ainda mais espaço na grande mídia depois das revelações de que o governo americano através de suas agências de inteligência – NSA e CIA – espionou a Petrobrás.
Suspensos desde 2008, os leilões de petróleo foram retomados em maio deste ano pelo governo de Dilma Rousseff. O monopólio estatal foi extinto no país pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Sem monopólio, a exploração de petróleo é feita a partir de três tipos de contratos entre empresas e o Estado: concessão, contrato de partilha e contrato de serviços. No caso do leilão anunciado para outubro o regime anunciado é o de partilha da produção, pelo qual o governo recebe uma parte do óleo a ser produzido pela empresa concessionária.
Sobre esse leilão, comenta Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, em entrevista ao IHU: “Se for feita uma enquete nas ruas do Brasil, de norte a sul, perguntando ao povo: ‘O que você acha sobre o leilão de Libra, que irá acontecer em 21 de outubro próximo?’, será constatado que 99% da população desconhece o que é Libra. Um assunto tão relevante mereceria, no mínimo, um plebiscito bem organizado para a decisão ser tomada”.
O leilão do poço de Libra reveste-se de grande importância, considerando-se que essa reserva de pré-sal da Bacia de Santos pode conter mais petróleo do que a soma de todas as reservas já comprovadas no Brasil. O volume de óleo recuperável em Libra pode chegar a 15 bilhões de barris. Atualmente, as reservas brasileiras somam 14 bilhões de barris. Trata-se de uma riqueza no valor de, no mínimo, US$ 1 trilhão que pode parar nas mãos de empresas estrangeiras.
Tudo indica que a insistência do governo brasileiro em abrir mão do poço de Libra deve-se à meta de atingir recursos estimados no superávit primário. A presidente Dilma Rousseff teria tomado a decisão de usar todo o dinheiro que for obtido com as concessões de infraestrutura deste ano, como as de blocos de petróleo e gás e grandes aeroportos e rodovias, para engordar a meta fiscal, conhecida como superávit primário e ajustar as contas. As concessões – privatizações – nessas áreas de infraestrutura são defendidas pelo Banco Central como importante mecanismo de retomada da estabilidade financeira. A principal aposta no conjunto de concessões é o leilão do poço de petróleo Libra que poderá render algo em torno de 15 bilhões.
Considerando-se que se trata de um poço de risco zero – basta perfurar – a sua grandeza e o seu valor, o leilão vem sendo interpretado por movimentos sociais como “política entreguista”. O engenheiro Paulo Metri comenta: “Sobre este leilão, que corresponde à alienação de uma riqueza no valor de, no mínimo, US$ 1 trilhão, o povo não sabe de nada. Libra é um campo com as reservas razoavelmente medidas, então, não pode ser leiloado. Leilão é para, na melhor das hipóteses, blocos com perspectiva de existência de petróleo. Só no Iraque e no Brasil se leiloa petróleo conhecido existente no subsolo, sendo que, no Iraque, há tanques, caças e metralhadoras apontadas para os iraquianos. E aqui? O que tem apontado”?
Segundo ele, “Libra tinha que ser entregue à Petrobras, sem leilão, para esta assinar um contrato de partilha com a União, se comprometendo a remeter 80% do lucro líquido para o Fundo Social, o que nenhuma empresa privada fará”.
A interpretação de movimentos sociais que tem ido às ruas contra a entrega de Libra é de que ao invés de buscar o caminho de fortalecimento da Petrobras e da consolidação de um setor nacional numa área estratégica como a energética, o governo opta em abrir flancos para a exploração do capital multinacional que nada deixa por aqui, uma vez que remete os seus ganhos para o exterior.
Segundo Paulo Metri, “entregar 70% da reserva conhecida deste campo a empresas estrangeiras, que sempre exportarão suas produções sem adicionar valor algum, nunca contribuirão para o abastecimento do país, dificilmente contratarão plataformas no Brasil, o item de maior peso nos investimentos, não gerarão muitos empregos aqui, não pagarão impostos, graças à lei Kandir, e só pagarão os royalties e uma parcela combinada do lucro é o exemplo máximo da desfaçatez”. Em sua opinião, “o governo deveria entregar sem leilão este campo à Petrobras, que assinaria um contrato de partilha com a União, atendendo ao artigo 12 da lei 12.351, e ela faria o que as empresas estrangeiras não fazem”.
Interferência americana?
Há ainda outro ingrediente que envolve o leilão do poço de Libra, a revelação de que agências de inteligência americana há muito espionam a Petrobras. Para a Federação Única dos Petroleiros – FUP, “não há dúvidas sobre as motivações comerciais na espionagem comandada pelo governo dos Estados Unidos e aliados, como a Inglaterra, cujas petrolíferas já se manifestaram interessadas nas reservas do pré-sal, e, particularmente, em Libra”.
Segundo a FUP, “diante de todas as evidências de que a espionagem do governo dos Estados Unidos tem caráter estritamente comercial e, consequentemente, privilegia as petrolíferas norte-americanas, torna-se urgente a suspensão imediata do leilão de Libra. Em nome dos trabalhadores petroleiros, a FUP espera que o governo brasileiro tome todas as providências necessárias para defender a Petrobras e a soberania nacional”.
Mesmo admitindo que as gravíssimas denúncias de espionagem por agências estadunidenses (NSA e CIA), tinham como alvo o petróleo, Dilma Rousseff não aventou a possibilidade de suspender o leilão de Libra ou a participação das petrolíferas dos Estados Unidos no leilão. Nesses dias, a presidenta da Petrobras Graça Foster disse que as recentes denúncias de espionagem contra a companhia de petróleo Petrobras não vão provocar o adiamento do leilão do Campo de Libra.
Concessão = precarização
A Federação Única dos Trabalhadores – FUP destaca ainda que “ao permitir que as multinacionais se apropriem do petróleo brasileiro, o governo coloca em risco não só a soberania, como o desenvolvimento do Brasil. Essas empresas, além de exportar tudo o que produzem, não geram empregos aqui, nem movimentam a indústria nacional, como faz a Petrobras. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), dos 62 navios feitos pela indústria de petróleo, 59 são da Petrobras e três da PDVSA (estatal venezuelana). Ou seja, nenhuma petrolífera privada encomendou navios no Brasil”.
Além disso, diz a FUP, “a privatização do petróleo é quase um sinônimo para a terceirização do trabalho, já que empresas como Statoil, Shell, OGX, Chevron, entre tantas outras que abocanharam jazidas de petróleo ao longo dos 11 leilões realizados desde o governo FHC, quando foi quebrado o monopólio estatal da Petrobras, não contratam trabalhadores próprios e, ainda praticam absurdos, como a falta de treinamento necessário para que estes trabalhadores exerçam suas atividades nas plataformas e, em outras unidades operacionais, de forma digna e segura”.
A FUP cita como exemplo de precarização do trabalho a OGX: “Os leilões de petróleo estão rebaixando as condições de trabalho no Brasil. Na OGX, por exemplo, dos 6.500 trabalhadores contratados, 6.200 são terceirizados. Os 300 que são próprios só atuam praticamente em áreas administrativas”.
Matriz energética. Para que e para quem?
A possível exploração do ‘gás do xisto’, a concessão de blocos de poços de petróleo do pré-sal, a confessa vontade do governo brasileiro em retomar o programa energético nuclear, associado a expansão de investimentos na produção de etanol, construção de termelétricas e hidrelétricas recolocam em debate as opções brasileiras na área energética.
O fato é que o Brasil continua insistindo num modelo econômico industrializante dependente de matrizes energéticas poluidoras (fósseis), perigosas (nuclear) e devastadoras do meio ambiente (hidrelétricas).
Há no governo um profundo e absoluto silêncio sobre a questão ambiental. Transformar o Brasil num exportador de energia, também via produção de commodities – por paradoxal que possa ser – tendo presente a crise climática não poderá travar o país mais à frente?
A grande questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos? Por muito tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da pobreza. A equação é conhecida. O crescimento econômico produziria um círculo virtuoso: produção-emprego-consumo. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a justiça social não é verdadeiro.
Vale a pena explorar o ‘gás de xisto’? Quem ganha efetivamente com isso? Vale a pena entregar poços de petróleo? Ainda mais: Vale a pena explorá-los? É preciso complexificar o debate.
Para ampliar e aprofundar a questão, podem ser consultadas as seguintes edições da revista IHU On-Line:
Energia para quê e para quem? A matriz energética do Brasil em debate. Revista IHU On-Line, no. 236
A energia nuclear em debate. Revista IHU On-Line, no.355
Fonte: EcoDebate
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