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terça-feira, 4 de junho de 2013
‘Desestimulância’ da impunidade reinante
Ana Echevenguá
“Assim, em que pese a indenização pecuniária se trate de forma de reparação secundária do bem ambiental
lesado, é verdadeira medida de compensação ecológica que garante o caráter coercitivo da responsabilidade civil ambiental, desestimulante da impunidade ainda hoje reinante em um Poder Judiciário muito empenhado contra humildes infratores…” – Fernando Cordioli Garcia, Juiz de Direito.
20 de junho de 2011. Mais uma decisão bombástica foi produzida em Santa Catarina, pelo doutor Fernando Cordioli Garcia. Leitura obrigatória para os operadores de Direito Ambiental.
Comarca de Otacílio Costa. Sentença da Ação Civil Pública nº 086.08.000724-0*. Essa vai ficar na história!
“Assim, em que pese a indenização pecuniária se trate de forma de reparação secundária do bem ambiental
lesado, é verdadeira medida de compensação ecológica que garante o caráter coercitivo da responsabilidade civil ambiental, desestimulante da impunidade ainda hoje reinante em um Poder Judiciário muito empenhado contra humildes infratores…” – Fernando Cordioli Garcia, Juiz de Direito.
20 de junho de 2011. Mais uma decisão bombástica foi produzida em Santa Catarina, pelo doutor Fernando Cordioli Garcia. Leitura obrigatória para os operadores de Direito Ambiental.
Comarca de Otacílio Costa. Sentença da Ação Civil Pública nº 086.08.000724-0*. Essa vai ficar na história!
1. Condenou os réus ao pagamento de indenização de um milhão de reais, a ser pago ao FRBL – Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados de Santa Catarina; e fixou multa diária de cem mil reais, também revertidos para FRBL, para o caso do descumprimento da decisão. Para chegar a esse valor, baseou-se no “lucro que os réus certamente aufeririam com a venda dos pinheiros de seu reflorestamento, bem como a capacidade financeira do GRUPO ZAPELINI, que com ele conta para continuar a ignorar e ludibriar as autoridades ambientais, apostando na rentabilidade diante do baixo risco da atividade clandestina”. Ou seja, a indenização corresponde “a cerca de 100% do lucro que pretendiam os réus auferir com a atividade não licenciada e degradadora do meio ambiente”.
2. Impôs a perda da madeira existente no local, que ocupa 30 hectares da fazenda (quase 30 campos de futebol), em prol do FRBL.
Uma das novidades implementadas nesse processo é que, de ofício, doutor Cordioli nomeou um Administrador Judicial, “com formação em Engenharia Florestal, para gerir a madeira em desenvolvimento, existente no local do dano, (…) a fim de evitar que eles procedam a retirada da riqueza natural, ou então, vingativamente, sua destruição”.
Decisões como esta abrem portas aos profissionais da iniciativa privada. Para Cordioli, “é impossível nomear qualquer agente público, porquanto o dano, bem como a ação, já é fruto da incapacidade operacional dos órgãos públicos, especialmente a FATMA, de se desimcumbir de sua missão, requisições as quais ela mesma se nega a cumprir, mesmo legais e oriundas da Justiça”.
A ação foi movida pelo Ministério Público Estadual, após o descumprimento de um acordo judicial no qual os proprietários da Fazenda Mandori comprometeram-se a recuperar uma área degradada com plantio de pinus taeda, “cujos malefícios causados ao solo são deveras conhecidos, mormente em razão de terem sido plantados em região lindeira aos cursos d’água”.
Resumo da ópera:
Em 06/11/2002, a Polícia Ambiental constatou o desmate ilegal de 30 hectares de mata nativa, para plantio de pinheiro americano (pinus taeda).
Os infratores comprometeram-se a recuperar a área degradada e ao pagamento de R$3.000,00 à Polícia Ambiental. Mas, em 2007, constatou-se que, ao invés da recuperação, ocorreu o reflorestamento clandestino da área sub judice, com pinus, exclusivamente para fins comerciais.
Ou seja, ampliaram o reflorestamento irregular, atingindo inclusive APPs – áreas de preservação permanente.
Para o doutor Cordioli, “a conduta se mostra cristalina para destacar o descaso dos réus pela Justiça e a certeza da impunidade”.
Sabemos o quanto isso é corriqueiro! Um TAC ou uma transação penal é assinado como se assina cheque sem fundos.
Leiam a decisão que está transcrita abaixo, extraída do website do Tribunal de Justiça de Santa Catarina*! Sintam-se felizes porque o Poder Judiciário ainda conta com magistrados que se preocupam com a defesa e proteção do meio ambiente.
E, nessa seara, o doutor Cordioli é exemplar!
* http://esaj.tjsc.jus.br/cpo/pg/search.do;jsessionid=4EE17580C5993BA69EBA860A321D76A2.cpo1?paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=86&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=086.08.000724-0&vlCaptcha=mDwQA
Ana Echevenguá – advogada ambientalista – OAB/SC 17.413
ana@ecoeacao.com.br Instituto Eco&Ação – www.ecoeacao.com.br
Autos n° 086.08.000724-0
Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: Zappellini Veículos Ltda. e outros
Vistos etc.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de ZAPELLINI VEÍCULOS LTDA, ARNALDO ZAPELLINI e GILBERTO ZAPELLINI, todos qualificados nos autos, objetivando a retirada da plantação de pinus existente em área de preservação permanente, na propriedade rural dos demandados, bem como a condenação à perda da madeira retirada e a indenização pelo danos causados ao meio ambiente.
Relatou que no dia 15 de junho de 2007 a Polícia Militar Ambiental realizou vistoria na propriedade rural dos demandados (fls. 13-16), a fim de verificar se ocorrera a recuperação da área degradada, a teor do acordado em transação penal nos autos n. 086.03.000186-8. No local constatou-se que ao invés do transacionado, havia um reflorestamento de pinheiros, da espécie pinus, e vestígios de material lenhoso resultante de desmatamento em alguns pontos das bordas do reflorestamento.
Dissertou acerca do direito aplicável à espécie e, ao final, requereu a citação dos réus; a produção de provas; a condenação dos réus na obrigação de recuperar a área afetada; condenar os requeridos à perda da madeira retirada, bem como a condenação dos demandados ao pagamento de danos causados ao meio ambiente e as custas e sucumbência.
Em sede de contestação sustentaram os réus, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da EMPRESA ZAPELLINI e ARNALDO ZAPELLINI, sob fundamento que além do reflorestamento pertencer somente à GILBERTO ZAPELLINI, o Termo Circunstanciado referido tramitou somente contra ele. Alegaram, ainda, a carência da ação por falta de interesse processual, uma vez que não houve negativa ao cumprimento da transação realizada. Sustentaram a prescrição do pedido de compensação pela prática de dano extrapatrimonial ao meio ambiente.
Já no mérito negaram o descumprimento da transação realizada nos autos n. 086.03.000186-8, informando que a não concretização do projeto de recuperação decorreu em razão da morosidade e ineficiência dos órgãos constituídos em apreciar os projetos apresentados. Informou, ainda, que o material lenhoso referido no Auto de Constatação da Polícia Ambiental foi originado pela SC ENERGIA – EMPRESA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA S/A, a qual detinha autorização de Corte de Vegetação. Ressaltaram que o reflorestamento de pinus ocorreu fora da área de preservação permanente. No que tange ao pedido de indenização por danos morais, aduziu que este é indevido, haja vista o adimplemento da transação penal e que eventual indenização somente se aplica quando inviável a recuperação da área degradada. Teceu comentários sobre o quantum indenizatório e, ao final, pugnou pela improcedência do pedido.
Réplica às fls. 90-96.
Às fls 97-98 o sobreveio despacho saneador, afastando as preliminares suscitadas, determinando a realização de prova pericial. Os requeridos indicaram assistente técnico e apresentaram os quesitos a serem respondidos pelo perito (fls. 103-105).
Apresentado o laudo pericial (fls. 109-122), sem as respostas dos quesitos formulados pelos réus, devido terem sido apresentados após a perícia a realização da perícia. Informado o valor cobrado pela expert para responder os quesitos dos demandados, estes impugnaram a realização, bem como o valor da complementação, apresentando perícia particular às fls. 133-165.
Realizada audiência de conciliação, os demandados requereram a suspensão do processo para poderem apresentar laudo da área degradada e proposta para recuperação, o que foi deferido.
Na sequência, os réus apresentaram laudo técnico de levantamento e recuperação de APP (fls. 176-201).
Após douta manifestação do Ministério Público, entendendo ser desnecessária a realização de perícia complementar (fls. 202-210), sobreveio pedido de dilação do prazo para apresentação de laudo pericial.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
DECIDO.
Verificando-se presentes os pressupostos elencados no art. 330 do CPC, por se tratar de questão preponderantemente jurídica, não havendo necessidade de produção de outras provas além daquelas já constantes dos autos, julgo antecipadamente o feito, por economia e celeridade, em prol do prestígio da Justiça, que precisa ser efetiva.
Primeiramente, impõe-se partir da premissa que a reparação dos danos ao meio ambiente não exige culpa do lesante, de forma que são de responsabilidade objetiva (art. 14, §1º, da Lei n.º 6.938/81). Conforme doutrina de ADELGÍCIO DE BARROS CORREIA SOBRINHO: "Bastando a comprovação do liame que ligue o indivíduo ao dano ambiental, responde o agente pela lesão, sendo dispensável a comprovação de sua ação culposa. Basta que se demonstre a existência do dano para o qual exercício de uma atividade perigosa exerceu uma influência causal decisiva." (Da responsabilidade civil por dano ambiental. Disponível em: http://www.uj.com.br/. Acessado em 29/04/2008)
Frise-se que esta sentença tende a proteger o meio ambiente, reconhecido como bem jurídico autônomo pelo art. 3º, I, da Lei n.º 6.938/1981, que o definiu como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas", posteriormente, consolidado com a sua qualificação como "bem de uso comum do povo" no texto constitucional (art. 225), o que reflete o primordial interesse público na preservação do meio ambiente estável e na qualidade de vida que ele proporciona.
O surgimento do direito ao meio ambiente e dos demais direitos fundamentais de terceira geração é assim explicado pela doutrina:
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano, mesmo num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade correta. Os publicistas e os juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante do coroamento de uma evolução de trezentos anos dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 569).
O art. 225 da Constituição da República também dispõe que incumbe "ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." O art. 23, caput, VI, estabelece, ainda, a solidariedade de todos os entes do Poder Público para a proteção do meio ambiente e o combate a todas as formas de poluição.
O direito ao meio ambiente equilibrado está intrinsecamente ligado ao direito fundamental à vida, motivo pelo qual a Constituição consagrou os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador:
Frente ao atual conceito de proteção ambiental trazido pela CRFB, percebe-se a importância atribuída à antecipação no que tange ao controle do risco de dano, notadamente com a aplicação dos princípios. O princípio da prevenção tem seu âmbito gravitacional dirigido às hipóteses em que se pode vislumbrar um perigo concreto, ou melhor, onde o risco de dano é mais palpável. O princípio da precaução, por sua vez, atua no caso de perigo abstrato, hipóteses em que não se pode ter noção exata das conseqüências advindas do comportamento do agente. Por este viés, é preferível o adiamento temporário das atividades eventualmente agressivas ao meio ambiente, a arcar com os prejuízos em um futuro próximo, ou ainda, pleitear reparação dos danos, a qual, nesta seara, torna-se normalmente complicada e, muitas vezes, ineficiente. (AI n. 04.002441-0, relator o Des. VOLNEI CARLIN). [sublinhado]
Assim, considerando que os princípios do Direito Ambiental são basicamente preventivos, o licenciamento de uma atividade pelo Poder Público - máxime daqueles empreendimentos que por sua natureza são passíveis de ensejar agressão ao meio ambiente e à saúde pública - é de incontestável interesse público. Isso porque a efetividade da reparação do dano é, mais das vezes, ínfima, incerta, insuficiente e onerosa, de modo que a prevenção acaba se tornando o melhor, senão mesmo o único meio para a manutenção do equilíbrio ambiental do Planeta Terra.
A presente ação civil pública decorre do descumprimento reiterado da transação penal realizada no Termo Circunstanciado ajuizado sob o n. 086.03.000186-8, onde GILBERTO ZAPELLINI foi autuado por crime ambiental de supressão de vegetação nativa típica do ecossistema local, em áreas de preservação permanente, bem como da não sujeição ao licenciamento ambiental devido.
Segundo se observa do Termo Circunstanciado de Ocorrência Ambiental de fls. 13-16, realizado no dia 06/11/2002, a Polícia Militar de Proteção Ambiental constatou o desmate de uma área de 30 hectares de mata nativa, sem autorização ou licença dos órgãos competentes, no intuito de realizar o plantio de árvores exóticas da espécie pinheiro americano (pinus taeda), informação corroborada pelo Laudo Pericial de fls. 109-122. Portanto, embora conste na inicial que a área degradada é de aproximadamente 3 hectares, trata-se de mero erro material.
Verifico que o réu GILBERTO ZAPELLINI comprometeu-se no aludido procedimento, em recuperar a área degradada, bem como efetuar o pagamento de apenas R$3.000,00 em materiais de consumo e equipamentos para à Polícia Ambiental. Contudo, no dia 15/06/2007, após vistoria no local dos danos, constatou-se que ao invés de efetuar a recuperação, o réu, com a anuência, ainda que implícita, dos demais, efetuou o reflorestamento da área sub judice, com uma espécie de pinheiro, exclusivamente voltada para fins comerciais, clandestinamente.
O posterior plantio da espécie pinus não foi negada pelos réus na demanda, tendo estes justificado que apresentaram projeto de recuperação da área degradada, porém não o concretizaram em razão da morosidade e ineficiência dos órgãos constituídos. A versão, todavia, não se justifica, haja vista que os réus tinham ciência da forma irregular em que se encontrava o local e, mesmo obrigados a recuperar o local, não só mantiveram o reflorestamento ilegal (que dado às suas dimensões, as fotografias de fls. 119-122, possuem cerca de 10 anos), como não tentaram reparar o dano, na forma da retirada do pinus para posterior plantio de espécies nativas. Ao que consta, ampliaram o reflorestamento irregular, atingindo APPs, em total desacordo à legislação ambiental.
Não se pode supor que os réus, de um grupo empresarial conhecido, não dispusessem de assessoria jurídica ou agroflorestal, ou dos meios necessários à obtenção das licenças ambientais, de modo que a conduta se mostra cristalina para destacar o descaso dos réus pela Justiça e a certeza da impunidade. A questão da infração às APPs, além de não ser controvertida, é corroborada pela perícia judicial que constatou que "a menos de cinco metros dos cursos d´água, encontram-se plantios enfileirados de Pinus taeda, desrespeitando os limites propostos de APP pela legislação vigente." (fls. 117). Sobre as áreas de preservação permanente, estabelece o art. 2º do Código Florestal (Lei n. 4771/65):
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; L7803.htm
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; L7803.htm
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (...)
No que tange ao material lenhoso resultante do desmatamento, em que pese informarem os réus que a SC ENERGIA - EMPRESA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA S/A, foi responsável pela supressão, melhor sorte não lhes socorre, porquanto embora aludida empresa tivesse autorização para corte (fls. 85-87), não há nos autos qualquer documento que ligue a atuação da SC ENERGIA S/A à área especificamente desmatada, mostrando-se o argumento infundado, dadas às provas constantes nos autos, que demonstram a intenção de viabilizar o plantio de pinus, espécie economicamente vantajosa.
Sendo assim, analisados os argumentos suscitados, não há como se afastar a responsabilidade dos réus, mostrando-se necessária a recuperação do prejuízo ou, no caso de impossibilidade de fazê-lo, o ressarcimento, em dinheiro, pelos responsáveis.
Quanto ao dano efetivamente causado, além de sopesar que na seara do Direito Ambiental a incerteza quanto à agressividade do empreendimento milita em favor do meio ambiente, há nos autos provas concretas dos prejuízos. Malgrado a manifesta nulidade da perícia, porquanto a nomeação se deu por ordem e discricionaridade da parte autora, maculando a imparcialidade do laudo, este remarca todas as autuações da Polícia Ambiental que dão causa a esta ação. A rigor, de qualquer modo, tal peritagem, desprezados os pormenores – tanto mais porque os detalhes só são importantes na fase da efetiva reparação do dano pelos meios próprios que a Ciência indicar – só veio a confirmar todos os documentos administrativos produzidos pelas autoridades ambientais competentes, não tendo os réus logrado desconstituí-los, senão mesmo confirmá-los, ressalvadas algumas controvérsias quanto à gravidade do dano e sua extensão.
Ademais, pelo simples fato da supressão ter ocorrido sem qualquer licenciamento prévio, realizada sem um mínimo de exercício do poder de polícia, sem qualquer estudo de impacto, e se não bastasse, violando compromissos judiciais anteriores, já cabe a procedência parcial desta ACP, haja vista a necessidade de soluções técnicas serem majoradas para se afastar quaisquer riscos ao meio ambiente, na senda dos princípios da precaução e da prevenção. Nesse sentido: "Presta-se a ação civil pública para defesa do meio-ambiente e para obrigar o proprietário a demolir construção erguida em área não edificável, destinada por lei federal e municipal à preservação permanente, não sendo exigível para a sua propositura a prova de dano efetivo, mas apenas sua probabilidade; suficiente a ameaça de dano para justificar a via processual." (Apelação Cível n. 99.013600-0, rel. o Des. LUIZ CÉZAR MEDEIROS, em 30/11/2000). [sublinhado].
Tenho, ainda, diante da prova técnica presente nos autos, que houve efetivo dano ao meio ambiente, expondo a risco a coletividade permanentemente, pois agiram os réus contra as determinações legais, destruindo as margens de mais de um arroio (vide mapa à fl. 196, do assistente técnico dos réus, Engenheiro Agrônomo FABRÍCIO GRANZOTTO PUCCI). Com isso, reiteraram os réus os seus atos ilícitos, mostrando-se imperioso condená-los, e seus interesses particulares, até então prevalecentes sobre o bem-comum. Por tratar-se o local de área de preservação permanente, é imprescindível impor a recomposição da mata natural outrora encontrada no local, considerando que a vegetação nativa não deveria ter sido suprimida desta parte do terreno de propriedade dos réus, assim como na da reserva florestal, bem como impor a perda da madeira existente nas demais áreas ilegalmente exploradas, onde era possível o reflorestamento, desde que fosse licenciado. Diante de não haver, em regra, efeito suspensivo aos recursos interpostos em Ação Civil Pública, a teor do art. 14 da Lei n. 7347/85, entendo ser indispensável ao efetivo cumprimento da sentença a nomeação imediata de um ADMINISTRADOR JUDICIAL (art. 461, §5º, do CPC), com formação em Engenharia Florestal, para gerir a madeira em desenvolvimento, existente no local do dano, e já em estágio avançado de crescimento com os cuidados básicos dos réus, a fim de evitar que eles procedam à retirada da riqueza natural, ou então, vingativamente, sua destruição, tornando imprestável mais esta singular ACP intentada, em meio a centenas de litígios movidos em desfavor de homens do campo, contra grupo empresarial. Note-se que medida análoga já foi adotada nos autos n. 086.08.000724-0, nesta comarca, após requerimento da Promotora de Justiça TATIANA RODRIGUES BORGES AGOSTINI, onde foi nomeada Administradora Judicial para efetivar o comando de um TAC, em desfavor de um posto de gasolina. Frise-se que é impossível nomear qualquer agente público, porquanto o dano, bem como a ação, já é fruto da incapacidade operacional dos órgãos públicos, especialmente a FATMA, de se desimcumbir de sua missão, requisições as quais ela mesma se nega a cumprir, mesmo legais e oriundas da Justiça (nesse sentido vide Ofício-Circular 014/2011, dando conta do Parecer CGJ n.º 0472/2010, diante de representações do Juiz EDEMAR GRUBER e do Superintendente da FATMA, malcontentes com esse juiz, que tratou de demolir com seus próprios meios uma casa erigida em APP, depois da FATMA negar-se a fazê-lo, sob ordem judicial), sem olvidar que tal entidade e seus dirigentes estão sempre envolvidos em escândalos de corrupção. No mesmo sentido, não parece também razoável requisitar do IBAMA, órgão da União sabidamente deficiente em recursos humanos, qualquer auxílio.
Por oportuno, havendo, em tese, o risco do autor da ação não concordar de, por meio do FRBL, arcar com as despesas de sua própria ACP, é bom frisar, desde já, que segundo a dicção da letra dos decretos que regulamentam a LACP em Santa Catarina, não parece haver espaço para que o Judiciário, apesar de sua posição constitucional, venha a ordenar diretamente ao FRBL ao fundo, integrante do MPSC (vide art. 10 do Decreto Estadual n.º 1.047/87), que custeie as despesas da própria ação coletiva da qual nascem parte de seus recursos. Em que pese discutível a limitação do poder da Jurisdição, por força de um mero decreto, por ora entendo que compete ao MPSC dar meios, por sua conta e risco, de materializar, além do papel dos autos judiciais, seus pedidos. Acerca da possibilidade do MPSC, enquanto Estado, antecipar despesas, consulte-se o julgamento do AI n.º 2009.060790-4, de 04/06/2010, bem como o da AC n.º 2010.054114-3, de 05/07/2011, ambas com voto vencido do Eminente Des. RICARDO ROESLER, entendendo pela atribuição do encargo ao ente ministerial, aplicando-se, por analogia, a Súmula 232 do STJ.
O autor da ação ficará com o produto milionário da execução do trabalho do ADMINISTRADOR JUDICIAL, adiante nomeado, para o bem da eficácia desta ação.
Quanto ao pedido de aplicação de medida compensatória, considerando não ser o dano passível de recuperação integral, dado tratar-se de plantação de pinus taeda, cujos malefícios causados a solo são deveras conhecidos, mormente em razão de terem sido plantados em região lindeira aos cursos d'água, bem como de violação grave dos deveres de respeito às autoridades ambientais, mesmo em juízo, entendo ser caso de exemplar condenação pecuniária compensatória ao meio ambiente. Acerca da condenação financeira, ÉDIS MILARÉ disserta: "(...) há duas formas principais de reparação do dano ambiental: a) o retorno ao status quo ante e b) a indenização em dinheiro. Não estão elas hierarquicamente em pé de igualdade." (ÉDIS MILARÉ. Direito do Ambiente. 5ª ed. Rio de Janeiro: RT, 2007. p. 817-818).
Quanto à possibilidade da cumulação das obrigações de fazer com a verba indenizatória, podemos citar do STJ o julgamento do REsp 625249/PR, relator o Ministro LUIZ FUX, de 31/08/2006, que bem se ajusta ao caso em análise:
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85.INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.1. A Lei nº 7.347/85, em seu art. 5º, autoriza a propositura de ações civis públicas por associações que incluam entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. 2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral.3. Deveras, decorrem para os destinatários (Estado e comunidade),deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. 4. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III) e submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material, a fim de ser instrumento adequado e útil. 5. A exegese do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). 6. Interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.") bem como o art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção,prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.
7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa.
8. Ademais, a proibição de cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo nas regras do procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito. 9. Recurso especial desprovido.
Assim, em que pese a indenização pecuniária se trate de forma de reparação secundária do bem ambiental lesado, é verdadeira medida de compensação ecológica que garante o caráter coercitivo da responsabilidade civil ambiental, desestimulante da impunidade ainda hoje reinante em um Poder Judiciário muito empenhado é contra humildes infratores (vg. autos 086.09.001930-5, 086.09.001861-9, 086.10.001008-9 e 086.09.001928-3, entre outros).
Umas das principais dificuldades encontradas para a reparação integral do dano ambiental é a sua avaliação econômica. Porém, a complexidade da valoração do bem ambiental não significa que os recursos naturais sejam insuscetíveis de avaliação econômica, já que metodologias foram desenvolvidas para a estipulação do quantum debeatur. O parâmetro utilizado mais utilizado é a extensão do dano, valorado pelo custo das medidas de restauração, substituição e aquisição de recursos equivalentes, de maneira a serem prestigiados os princípios da precaução, do poluidor-pagador, da responsabilidade e da prevenção. Os autos, todavia, enquadram a existência de outro parâmetro a ser sopesado para aferição da indenização, qual seja, o lucro que os réus certamente aufeririam com a venda dos pinheiros de seu reflorestamento, bem como a capacidade financeira do GRUPO ZAPELINI, que com ele conta para continuar a ignorar e ludibriar as autoridades ambientais, apostando na rentabilidade diante do baixo risco da atividade clandestina, com o que não compactua este Juiz, malgrado a jurisprudência, que até mesmo em face de bancos, mesmo no trato do Direito Coletivo, ainda esteja a fixar multas que reputo patéticas e indenizações insignificantes.
Nestes termos, em atenção ao conhecimento do valor médio do lucro do hectare do pinus taeda, a extensão da área plantada (cerca de 30 hectares, sendo 1500 pinheiros por hectare), bem como para o fato de que jamais deve ser considerado lucrativo infringir as normas ambientais, fixo a indenização em R$1.000.000,00 (um milhão de reais), correspondente a cerca de 100% do lucro que pretendiam os réus auferir com a atividade não licenciada e degradadora do meio ambiente.
Saliento que referido valor deverá ter como destino o Fundo para a Reconstituição dos Bens Lesados – FRBL, previsto na Lei n. 7.347/85, e regulamentado, no âmbito do Estado de Santa Catarina, pelo Decreto Estadual n.º 1.047/87.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS descrito na inicial do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, em face de ZAPPELLINI VEÍCULOS LTDA, ARNALDO ZAPELLINI e GILBERTO ZAPELLINI, para o fim de:
a) CONDENAR os réus à perda da madeira que está sendo cultivada, cuja destinação e aproveitamento, em prol do FRBL, dar-se-á por Administrador Judicial;
b) DETERMINAR, inclusive em poder geral de cautela, em sentença que condena em obrigação de fazer (arts. 461 e 798 do CPC), a imediata intervenção e recuperação na área degradada, a qual deverá ocorrer por intermédio do Engenheiro Florestal DIEGO AMORIM, CREA-SC 064510-6 (Rua Caetano Vieira da Costa, 417, Centro, Lages, telefones 49 3224-7865, 9156-7557 e 9931-5387), o qual nomeio ADMINISTRADOR JUDICIAL do reflorestamento clandestino objeto da ação, assumindo, desde já, os direitos e deveres dos réus sobre o local, os quais por esta decisão são afastados temporária e parcialmente da administração do imóvel. Deverá o ADMINISTRADOR JUDICIAL, para tanto entrando na posse e na administração da FAZENDA MANDORI, e em momento que reputar oportuno, proceder à retirada dos pinheiros plantados pelos réus de forma irregular, para venda comercial, tudo após cultivá-los, e assim, extrair o proveito econômico da floresta de pinus, recompondo ao final a área degradada com espécies nativas, especialmente aquelas partes objeto de proteção legal de caráter permanente, bem com a reserva florestal. FIXO A REMUNERAÇÃO em R$1.308,00 mensais, até o final dos trabalhos, aí incluída a comercialização do produto florestal da área, bem como a apresentação de relatórios e prestações de contas periódicas, honorários estes que devem ser antecipados pelo autor.
c) CONDENAR os réus ao pagamento de indenização no valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), a ser pago ao FRBL;
d) FIXAR MULTA diária no valor de R$100.000,00 (cem mil reais) até o limite de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), também revertidos para FRBL, para o caso do descumprimento, ou prática de ato que importe embaraço, a quaisquer das determinações do Administrador Judicial, aos quais os réus devem submeter-se previamente, para aprovação, no caso de qualquer atividade na propriedade;
e) CONDENO também os réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais, inclusive honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação (art. 20, §3º, do CPC), posto não acolher como acertado o entendimento que reza que “tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizada, uma das razões porque dispensa patrocínio por advogado, não cabe o ônus do pagamento de honorários” (CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Ação civil pública. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995. p. 368), pois nada impede de ser ressarcido o Estado pelo gasto havido com seu órgão ministerial, pela via da sucumbência, como de fato ocorre com outros sucumbentes em face do Estado, em outras ações análogas, emprestando-se, ademais, tratamento igualitário aos réus também condenados em processos cíveis comuns, como também o Estado-MPSC nas ações em que sucumbe, segundo meu entendimento.
Independentemente do trânsito em julgado, oficie-se ao FRBL com cópia desta sentença, nos termos do art. 219 do CNCGJ, comunicando a propositura e o andamento da presente ACP, além da nomeação de um Administrador Judicial, cuja despesa processual depende da antecipação do MPSC.
INTIME-SE o Administrador Judicial para assinar termo de compromisso, bem como MPSC para, em cinco dias, depositar o primeiro pagamento mensal do auxiliar da Justiça.
EXPEÇA-SE MANDADO DE IMISSÃO NA POSSE, em prol do Administrador Judicial, garantindo sua entrada na FAZENDA MANDORI, em Campo Chato, Otacílio Costa-SC.
OFICIE-SE à Polícia Militar Ambiental, com cópia da presente decisão, para conhecimento e garantia da execução dos trabalhos judiciais.
PUBLIQUE-SE, REGISTRE-SE e INTIMEM-SE, inclusive os réus, pessoalmente, por mandado, porquanto há condenações em obrigações de fazer e não-fazer.
Em caso de apelação, atente-se que eventual efeito suspensivo recursal, em prejuízo da eficácia desta sentença, deve ser concedido motivadamente (art. 14 da Lei n.º 7.347/85).
Otacílio Costa, 11 de julho de 2011.
Fernando Cordioli Garcia
Juiz de Direito
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