O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) perdeu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) um processo movido pela ex-juíza Érica Lourenço de Lima Ferreira, de 42 anos, e foi obrigado a reintegrá-la na magistratura, 17 anos depois de demiti-la com base numa acusação sem provas. Após ter sido aprovada em concurso público, em 1994, e faltando dois meses para garantir a permanência vitalícia no cargo, o TJ-SC recebeu uma denúncia de que ela supostamente teria cometido uma fraude processual antes de ser juíza, ainda na condição de advogada.

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    S. Lourenço do Oeste está a 650 km de Florianópolis S. Lourenço do Oeste está a 650 km de Florianópolis

Renan Antunes de Oliveira
Do UOL, em Florianópolis




Ela foi acusada de ter "indiretamente" (sem ser parte no processo) ajudado duas pessoas a falsificarem laudos e destruírem documentos. Segundo Érica, foi uma denúncia infundada, pois não havia sequer participado do processo na condição de advogada. O mérito do caso nunca foi julgado, e ela nunca foi condenada. Mesmo assim, o TJ-SC impediu-a de exercer a magistratura.

 "Eu tinha certeza absoluta de que seria reintegrada", disse a juíza, em entrevista ao UOL, por telefone, nesta terça-feira (4). O TJ recorreu da decisão, mas não pode mais mantê-la fora da magistratura. "Esperei 17 anos para voltar porque ser juíza não era um sonho meu de adolescente, era uma meta de vida", disse Érica, que reassumiu o cargo nessa segunda (3) em São Lourenço do Oeste (650 km de Florianópolis).

Segundo voto do relator do STJ ministro Luiz Fux (hoje no STF), o processo contra ela teve até contagem errada de votos em uma das sessões que culminaram na demissão. Érica foi julgada "hábil para a magistratura". O TJ foi condenado por ignorar "a garantia constitucional (da vitaliciedade) e por considerar insignificante o prejuízo que causou" - classificado pelo ministro de "dano amazônico" (à juíza e ao erário público).

Até o fim

 

Érica se defende: "A denúncia contra mim era improcedente porque eu não atuava no processo. No início eu não me preocupei, achei que seria fácil provar isso, mas a coisa foi crescendo, crescendo e quando vi já era tarde. Tive que recorrer ao STJ". Até então, pela avaliação do próprio TJ e da comunidade a que servia, a juíza Érica estava muito bem no cargo e seria confirmada como vitalícia na magistratura.

Entretanto, o TJ suspendeu o vitaliciamento e a afastou do cargo sem esperar o resultado da acusação criminal, deixando-a suspensa por dois anos. Neste meio tempo, o processo penal contra ela foi extinto, sem condenação. Mesmo inocentada, o TJ optou pela demissão, em 1998.

"Não culpo ninguém pela provação que passei. É o sistema. Acho que o TJ, em algum momento do processo, pensou em desistir, mas depois deve ter avaliado que já tinha ido longe demais e resolveu continuar até o fim", disse a juíza Érica.

Por 17 anos ela percorreu todas as instâncias do Judiciário com sua causa, hoje uma das mais conhecidas nos bastidores forenses de Santa Catarina - o pai dela, desembargador José Mazoni Ferreira, chegou à vice-presidência do TJ, sempre declarando-se impedido nas questões com relação à filha.


Casamento desfeito

 

"No plano pessoal eu perdi muita coisa, começando pelo meu casamento, porque um processo tão longo bota um peso enorme no relacionamento, poucas pessoas aguentariam", disse Érica, hoje solteira.

Ela foi notificada da reintegração em 27 de maio. Se o TJ foi obrigado a reintegrá-la, a decisão de recorrer mantém uma espada sobre a cabeça dela: "Sei que estou sendo observada, com rigor. Eu ainda tenho dois meses faltando para a vitaliciedade, porque fui afastada antes de completá-los".

Ela diz não acreditar que tenha ficado defasada por estar tanto tempo longe da atividade: "Fiz mestrados em direito e vários cursos, sempre me preparando para este dia. E agora eu sei o que a demora de um processo pode fazer com quem busca justiça, a angústia pela qual a pessoa passa, o prejuízo, a dor de uma injustiça não reparada".

O presidente do TJ, desembargador Cláudio Dutra, não quis comentar sobre o caso nem sobre o recurso. A reintegração da juíza foi publicada apenas no "Diário de Justiça", não sendo divulgada no site oficial de notícias do Tribunal.