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sexta-feira, 7 de junho de 2013
Mais uma Semana do Meio Ambiente e nada a comemorar, por Viviane Tavares
A marcha dos indígenas Terena, que partiu no dia 30 de maio e chegou ontem, dia 5 de junho, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, serve como símbolo de que nesta semana, em que é lembrado o Dia Mundial do Meio Ambiente, não há nada o que comemorar. De acordo com o Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil , elaborado pela Fiocruz e pela ONG Fase, e lançado no ano passado, as principais vítimas são os indígenas, sendo 33,67 dos casos do relatório, os agricultores familiares 31,99% e os quilombolas com 21,55%). No mapa, são relatados 343 conflitos ambientais, que tem impacto na saúde coletiva no país.
Casos clássicos de grandes empreendimentos, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, construída no Rio Xingu, no Pará, e a usina siderúrgica Tyssenkrup Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, além de empresas como a fábrica Eternit em Minaçu, em Goiás e das Indústrias Nucleares do Brasil S.A (INB) em Santa Quitéria, no Ceará e no Caetité, na Bahia, mostram que a luta não é localizada. Uma das coordenadoras do Mapa de Injustiças Ambientais e editora do blog Combate ao Racismo Ambiental , Tânia Pacheco, denuncia que a situação está ficando cada vez mais crítica. “O meio ambiente não é só a plantinha, não é só o bicho que está no meio do mato. O meio ambiente é o ser humano que está integrando a natureza. A gente vive em um país no qual, neste momento, um indígena de 35 anos [Oziel Gabriel] acabou de ser assassinado porque estava tentando ficar em uma terra que é reconhecida como dele. Se olharmos a terra de Mato Grosso do Sul, hoje ela é toda banhada a sangue. Quem não foi expulso durante a colonização, foi expulso no século passado e continua sendo. Lá é o estado onde mais se mata indígena no Brasil, sendo responsável por mais de 50% de mortes de indígenas por ano. Mas, em todo o país, temos um monte de gente ameaçada de morte, como os quilombolas e pescadores artesanais. Por outro lado, temos madeireiros acabando com a Amazônia, eucalipto, soja e a cana de açúcar como monocultura dos grandes latifúndios e dando passos para trás na nossa história”, resume Tânia, que completa: “O que está por trás disso é um modelo desenvolvimentista capitalista que se apossou no coração e na mente de determinadas pessoas que entendem que o consumo é a grande marca de ser. Isso se reflete no racismo com os quilombolas, nordestinos, indígenas, entre outros”, avalia.
Grandes empreendimentos
Um caso que já dura mais de 20 anos, a Usina de Belo Monte atinge mais de 300 mil pessoas, entre ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que habitam a região. A questão do licenciamento e a falta da participação popular no estudo de viabilidade do projeto foram alguns dos pontos agravantes do processo que se arrasta até hoje. Mais recentemente, em 2009, com o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e com a liberação da licença prévia para a construção por meio do Ministério de Meio Ambiente (MMA), a questão voltou à tona a discussão. A licença permite que o consórcio Norte Energia, responsável pela Usina, instale canteiro de obras e alojamentos com a autorização de desmatamento de 238 hectares. Um dos problemas questionados pelo Ministério Público Federal foi o de que a empresa não cumpriu as condicionantes exigidas para a obra. Veja mais detalhes na matéria ‘Licença para impactar: os conflitos na Saúde Ambiental ‘, publicada no site da EPSJV/Fiocruz.
No mês de maio desse ano, mesmo com muitas manifestações e protestos, as lideranças Munduruku que ocupavam a região do canteiro de obras em Vitória do Xingu, a 50 km de Altamira, no Pará, receberam o mandado que determina a reintegração de posse de Belo Monte. O Ministério Público do Pará, em pronunciamento, alegou que havia se surpreendido com a decisão, uma vez que a negociação com os indígenas estava avançada. A decisão partiu da desembargadora Selene Almeida, que se baseou em um relatório realizado pela Polícia Federal de Altamira. Em nota , o MPF também mostrou “preocupação com a condução do caso, já que a chefe da Polícia Federal em Altamira, responsável pelo relatório, é casada com o advogado da Norte Energia S.A Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de posse”.
A questão do licenciamento ambiental também é uma pedra no meio do caminho entre pescadores artesanais e responsáveis pelo Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras. O projeto abarca sérias denúncias de poluição na Baía de Guanabara e ataques a pescadores. Na primeira semana do mês de maio, o juiz federal Eduardo de Assis Ribeiro Filho, da Segunda Vara Federal de Itaboraí, paralisou as obras por entendimento de que as licenças ambientais do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) não eram suficientes e faltariam documentos de liberação do Ibama. Dois dias depois, o Comperj voltou a operar.
Em entrevista concedida à EPSJV/Fiocruz, o líder da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar) e pescador Alexandre Anderson denunciou a contaminação provocada pela construção que acarretou o prejuízo da atividade pesqueira de inúmeras famílias e as ameaças que estaria sofrendo junto com outros companheiros. Em menos de um mês,, dois pescadores artesanais e ativistas Almir Nogueira de Amorim, de 40 anos, e João Luiz Telles Penetra (Pituca), de 45 anos, foram assassinados. Alexandre hoje não exerce mais sua atividade e é integrante do programa de proteção a ameaçados de morte do governo federal, por conta das constantes ameaças.
Rio de Janeiro e Minas Gerais dividem as consequências provocadas pelas obras de construção do Porto do Açu, que ficará em São João da Barra, no Rio de Janeiro. O Mapa das Injustiças aponta que, no total, serão 32 municípios envolvidos e diferentes atividades produtivas impactadas. “Por conta de tantas partes envolvidas, o licenciamento foi se dando de forma parcial, no lugar de analisar o todo, vendo os impactos em grandes dimensões”, O Complexo Portuário do Açu , do grupo EBX, prevê a construção de um terminal portuário para receber navios de grande porte, além de um condomínio industrial com plantas de pelotização, indústrias cimenteiras, um pólo metal-mecânico, unidades petroquímicas, montadora de automóveis, pátios de armazenagem para gás natural, cluster para processamento de rochas ornamentais e uma usina termoelétrica, assim como informa o Mapa das Injustiças Ambientais. Como consequência, a obra está desalojando diversas comunidades e afetando uma área de reserva ambiental.. A Asprim, baseada no parecer técnico da Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB), afirma que o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) omite informações. O Instituto Justiça Ambiental (IJA) também aponta irregularidades no licenciamento, por ter iniciado a tramitação no Inea, quando o caminho deveria ser por um órgão federal, que, no caso, seria o Ibama.
Agronegócio
O município de Limoeiro do Norte, no Ceará, está entre os mais impactados pelo uso de agrotóxicos. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em conjunto com a Universidade de São Paulo (USP), apontou que o uso tem sido indiscriminado e que um em cada três trabalhadores avaliados apresentam irritação, dores, tonturas, depressão, câncer, entre outros sintomas, além da constatação de alguns casos de morte.
A professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicinda da UFC Raquel Rigotto enfatiza que os impactos na saúde pública, embora sejam de grande dimensão, não estão claros para a sociedade. “Temos impacto desde os consumidores até os trabalhadores. Como diz o [cineasta] Silvio Tendler, o veneno está na mesa todos os dias. O estudo do Ministério da Saúde que faz o controle de registro da Anvisa tem mostrado que em 63% das amostras analisadas são identificadas a presença dos agrotóxicos e em 29% destas esse teor é tão elevado que torna o alimento proibido para consumo. Os consumidores estão ingerindo doses enormes. O resultado disso é que ele é um dos responsáveis de uma das principais causas de morte no Brasil, que é o câncer”, explica e completa: “Desde a Revolução Verde, tem-se a ideia de que os agrotóxicos elevam a produtividade e melhoram a qualidade dos produtos. Com isso, contam com o envolvimento muito forte do governo federal e governos estaduais, que têm concedido isenções de impostos, tornando o produto mais barato e, consequentemente, estimulando o consumo conjuntamente com a propaganda e com agentes técnicos que sofrem forte influência na formação acadêmica”, avalia.
Raquel lembra que, do 1 milhão de tonelada de agrotóxicos que o Brasil consome ao ano, 70% é consumido na produção das três principais commodities agrícolas para exportação: a soja, a cana de açúcar e o milho. O Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxico do mundo. De acordo com dados da Embrapa, os estados que lideram esse ranking internamente são São Paulo (25%), Paraná (16%), Minas Gerais (12%), Rio Grande do Sul (12%), Mato Grosso (9%), Goiás (8%) e Mato Grosso do Sul (5%). Além do alto consumo, o problema está ainda na forma como ele é usado.
A pulverização aérea – proibida em diversos países – ainda é uma prática comum no Brasil. Casos recentes como o de Rio Verde, em Goiás, em que uma escola foi atingida e diversos estudantes e funcionários foram contaminados com o Engeo Pleno, um inseticida da Syngenta que havia sido proibido pelo Ibama e logo depois liberado, ilustram essa situação. O município de Lucas do Rio Verde (MT) também sofre consequências de pulverização aérea que já contaminou rios, águas da chuva e até o leite materno, de acordo com a pesquisa ‘Agrotóxicos em leite humano de mães residentes de Lucas do Rio Verde ‘, da pesquisadora do MT Danielly Palma. Ainda no Mato Grosso, os indígenas Xavante da Terra Indígena de Marãwaitsédé, também denunciaram despejo de agrotóxicos muito próximo às suas residências.
Nesta semelhança entre quem legisla e quem lucra, o agronegócio cresceu substancialmente nos últimos anos no Brasil. Entre os proprietários de grandes terras e indústrias do setor, estão muitos parlamentares, como o senador Blairo Maggi (PR/MT), líder da Comissão de Meio Ambiente do Senado, que também é composta pelos ruralistas Garibaldi Alves Filho, Ivo Cassol, Kátia Abreu, José Agripino e Eunício Oliveira, este último exerce cargo de suplente.
Povos tradicionais
A marcha dos indígenas Terena que abriu essa matéria também é fruto da briga entre fazendeiros e indígenas. A fazenda Buruti, motivo do conflito atual, é um espaço reivindicado pelos indígenas há mais de uma década, e que, em 2010, foi reconhecida pelo Ministério da Justiça como de posse permanente dos Terena. Há um ano, o governo voltou atrás, concedendo a reintegração da posse da terra aos antigos proprietários. Uma das principais bandeiras dos indígenas brasileiros está na demarcação das terras. O que os indígenas estão considerando um passo para trás foi dado nesta última semana, quando o governo anunciou que a Fundação Nacional do Indígena (Funai) não será a única a emitir pareceres, conjuntamente serão levados em consideração os de outros órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em carta aberta, os servidores da Funai protestaram sobre a decisão. “(…) De acordo com a Constituição Federal de 1988, compete à União a demarcação de terras indígenas para a garantia da sobrevivência física e cultural destes povos, de acordo com seus usos costumes e tradições, afastando-se a idéia de assimilação/aniquilação dos povos indígenas e suas culturas, que orientou ações de Estado ate os anos 1980-90. As demarcações de terras indígenas são, portanto, o reflexo de um novo paradigma para uma sociedade verdadeiramente plural, em que povos indígenas têm voz, vez e terras”, diz a carta.
Outras contaminações
Zoraide Vilas Boas, coordenadora de comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça e Cidadania, explica que a população do município de Caetité, localizado a 750 km de Salvador (BA), sofre as consequências de mina de urânio. A contaminação da água também é destaque da cidade, que não tem unidade de saúde pública que possa cuidar diretamente do problema. A exploração do material radioativo é realizada pela empresa pública Indústrias Nucleares Brasileiras (INB). “A Comissão Nacional de Energia Nuclear, na estrutura do setor nuclear brasileiro, é a que formula, cria, faz a política nuclear, e, ao mesmo tempo, estimula a atividade, fiscaliza e é proprietária da INB. Por outro lado, a INB ainda tema prática de levar cientistas para fazer palestras que alegam que o Caetité já é poluído naturalmente”, denuncia.
O município de Santa Quitéria, no Ceará, compartilha do mesmo problema. A denominada “Jazida de Itataia” foi descoberta no ano de 1976 e, em 2006, o governo anunciou a intenção de extrair além do urânio, o fosfato, ambos destinados ao uso de fertilizantes. A exploração ainda não foi iniciada, mas o Mapa de Injustiças enfatiza que esta magnitude implicará transporte de materiais perigosos, riscos de acidentes, vazamentos e demais passivos para as populações.
Zoraide alerta que a INB tem alegado que a exploração no Ceará tem foco no fosfato como forma de conseguir um licenciamento. “Eles alegam que o urânio é uma exploração secundária. Porque para o fosfato o licenciamento pode ser feito pela secretaria do estado do Ceará, já o licenciamento nuclear é de responsabilidade federal. O caminho é mais fácil desta forma. A sociedade reagiu e o processo ainda não foi concluído”, explica.
O amianto – declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um elemento altamente cancerígeno – é livremente explorando na Mina Cana Brava, de propriedade do grupo italiano Eternit e da Sociedade Anônima Mineração de Amianto, em Minaçu, interior de Goiás. A auditora fiscal do trabalho, Fernanda Giannasi, afirma que além de um problema de saúde ocupacional, por conta do desenvolvimento de mesotelioma, tipo de câncer provocado pela exposição ao amianto, trata-se também de um problema de saúde pública. “O que nos causa muito incômodo é que o Amianto continua sendo permitido no Brasil. O descaso com a vida e a saúde da população com a exploração deste mineral já deu origem a diversas ações que estão em andamento, mas isso não vai adiante. Essa atividade é reconhecida como cancerígena, e já foi abolida em mais de 60 países. Aqui continuam a explorar sobre a proteção do Governo de Goiás e do Governo Federal. A omissão é um dos pontos mais graves deste caso”, argumenta. Tamanha gravidade internacional, nesta semana, a justiça italiana aumentou a sentença do empresário suíço Stephan Schmidheiny, sócio da Eternit Italia, de 16 a 18 anos, por ter provocado a morte de mais de 3 mil pessoas com o uso de amianto.
De acordo com o Mapa das Injustiças, baseado em denúncias de entidades locais e de fiscais do Ministério do Trabalho, há cerca de 50 famílias de trabalhadores e ex-trabalhadores das minas e fábricas da SAMA/Eternit atingidas por doenças e óbitos. ‘São vítimas de câncer e de asbestose, causados pelo contato prolongado com o amianto crisotila, que a empresa insiste dizer que é seguro. Há também denúncias de que o município inteiro de Minaçu é impactado pela névoa contínua lançada pela mineradora e pela fábrica de fibro-cimento sobre a cidade’, denuncia o documento. Fernanda ainda avalia que a população tem medo de enfrentar esse debate por conta do receio de perder o seu trabalho. “A população está diante de um risco altíssimo, mas está sem solução, pois a atividade econômica da cidade gira em torno desta exploração mineral”.
A chuva de prata proliferada pela Tyssenkrup Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) parece lembrar o de Minaçu. O caso da TKCSA, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, deu origem ao relatório ‘Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz ‘, desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que constata que, na precipitação, havia a presença de ferro, cálcio, manganês, silício, entre outros. Segundo o documento, esta contaminação já teria provocado na população problemas dermatológicos, respiratórios e oftalmológicos. Os pescadores da Baia de Sepetiba também se dizem prejudicados com a instalação da empresa, pela poluição de toda a região. Para a atuação, a empresa não obteve a licença definitiva, mas suas atividades são realizadas por conta de uma licença ambiental parcial por conta do Termo de Ajustamento de Conduta concedida em 2010 pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). No total, são 130 condicionantes que ainda não foram cumpridas em sua completude.
O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, lembra que o bairro que abriga a empresa historicamente foi um território de exceção, e que esses são os alvos de empresas transnacionais com empreendimentos poluidores. O professor lembra que a empresa, de origem alemã, não recebeu a permissão para houvesse instalação do modelo no país de origem. “Existe uma intencionalidade nessa escolha, que parte do pressuposto de que num o território com baixo índice de desenvolvimento humano e ocupado por uma comunidade de baixa renda, a população não teria condições de defender os seus direitos”, explicou o professor.
Por Viviane Tavares – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Fonte: EcoDebate
Grandes empreendimentos
Um caso que já dura mais de 20 anos, a Usina de Belo Monte atinge mais de 300 mil pessoas, entre ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que habitam a região. A questão do licenciamento e a falta da participação popular no estudo de viabilidade do projeto foram alguns dos pontos agravantes do processo que se arrasta até hoje. Mais recentemente, em 2009, com o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e com a liberação da licença prévia para a construção por meio do Ministério de Meio Ambiente (MMA), a questão voltou à tona a discussão. A licença permite que o consórcio Norte Energia, responsável pela Usina, instale canteiro de obras e alojamentos com a autorização de desmatamento de 238 hectares. Um dos problemas questionados pelo Ministério Público Federal foi o de que a empresa não cumpriu as condicionantes exigidas para a obra. Veja mais detalhes na matéria ‘Licença para impactar: os conflitos na Saúde Ambiental ‘, publicada no site da EPSJV/Fiocruz.
No mês de maio desse ano, mesmo com muitas manifestações e protestos, as lideranças Munduruku que ocupavam a região do canteiro de obras em Vitória do Xingu, a 50 km de Altamira, no Pará, receberam o mandado que determina a reintegração de posse de Belo Monte. O Ministério Público do Pará, em pronunciamento, alegou que havia se surpreendido com a decisão, uma vez que a negociação com os indígenas estava avançada. A decisão partiu da desembargadora Selene Almeida, que se baseou em um relatório realizado pela Polícia Federal de Altamira. Em nota , o MPF também mostrou “preocupação com a condução do caso, já que a chefe da Polícia Federal em Altamira, responsável pelo relatório, é casada com o advogado da Norte Energia S.A Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de posse”.
A questão do licenciamento ambiental também é uma pedra no meio do caminho entre pescadores artesanais e responsáveis pelo Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras. O projeto abarca sérias denúncias de poluição na Baía de Guanabara e ataques a pescadores. Na primeira semana do mês de maio, o juiz federal Eduardo de Assis Ribeiro Filho, da Segunda Vara Federal de Itaboraí, paralisou as obras por entendimento de que as licenças ambientais do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) não eram suficientes e faltariam documentos de liberação do Ibama. Dois dias depois, o Comperj voltou a operar.
Em entrevista concedida à EPSJV/Fiocruz, o líder da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar) e pescador Alexandre Anderson denunciou a contaminação provocada pela construção que acarretou o prejuízo da atividade pesqueira de inúmeras famílias e as ameaças que estaria sofrendo junto com outros companheiros. Em menos de um mês,, dois pescadores artesanais e ativistas Almir Nogueira de Amorim, de 40 anos, e João Luiz Telles Penetra (Pituca), de 45 anos, foram assassinados. Alexandre hoje não exerce mais sua atividade e é integrante do programa de proteção a ameaçados de morte do governo federal, por conta das constantes ameaças.
Rio de Janeiro e Minas Gerais dividem as consequências provocadas pelas obras de construção do Porto do Açu, que ficará em São João da Barra, no Rio de Janeiro. O Mapa das Injustiças aponta que, no total, serão 32 municípios envolvidos e diferentes atividades produtivas impactadas. “Por conta de tantas partes envolvidas, o licenciamento foi se dando de forma parcial, no lugar de analisar o todo, vendo os impactos em grandes dimensões”, O Complexo Portuário do Açu , do grupo EBX, prevê a construção de um terminal portuário para receber navios de grande porte, além de um condomínio industrial com plantas de pelotização, indústrias cimenteiras, um pólo metal-mecânico, unidades petroquímicas, montadora de automóveis, pátios de armazenagem para gás natural, cluster para processamento de rochas ornamentais e uma usina termoelétrica, assim como informa o Mapa das Injustiças Ambientais. Como consequência, a obra está desalojando diversas comunidades e afetando uma área de reserva ambiental.. A Asprim, baseada no parecer técnico da Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB), afirma que o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) omite informações. O Instituto Justiça Ambiental (IJA) também aponta irregularidades no licenciamento, por ter iniciado a tramitação no Inea, quando o caminho deveria ser por um órgão federal, que, no caso, seria o Ibama.
Agronegócio
O município de Limoeiro do Norte, no Ceará, está entre os mais impactados pelo uso de agrotóxicos. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em conjunto com a Universidade de São Paulo (USP), apontou que o uso tem sido indiscriminado e que um em cada três trabalhadores avaliados apresentam irritação, dores, tonturas, depressão, câncer, entre outros sintomas, além da constatação de alguns casos de morte.
A professora e pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicinda da UFC Raquel Rigotto enfatiza que os impactos na saúde pública, embora sejam de grande dimensão, não estão claros para a sociedade. “Temos impacto desde os consumidores até os trabalhadores. Como diz o [cineasta] Silvio Tendler, o veneno está na mesa todos os dias. O estudo do Ministério da Saúde que faz o controle de registro da Anvisa tem mostrado que em 63% das amostras analisadas são identificadas a presença dos agrotóxicos e em 29% destas esse teor é tão elevado que torna o alimento proibido para consumo. Os consumidores estão ingerindo doses enormes. O resultado disso é que ele é um dos responsáveis de uma das principais causas de morte no Brasil, que é o câncer”, explica e completa: “Desde a Revolução Verde, tem-se a ideia de que os agrotóxicos elevam a produtividade e melhoram a qualidade dos produtos. Com isso, contam com o envolvimento muito forte do governo federal e governos estaduais, que têm concedido isenções de impostos, tornando o produto mais barato e, consequentemente, estimulando o consumo conjuntamente com a propaganda e com agentes técnicos que sofrem forte influência na formação acadêmica”, avalia.
Raquel lembra que, do 1 milhão de tonelada de agrotóxicos que o Brasil consome ao ano, 70% é consumido na produção das três principais commodities agrícolas para exportação: a soja, a cana de açúcar e o milho. O Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxico do mundo. De acordo com dados da Embrapa, os estados que lideram esse ranking internamente são São Paulo (25%), Paraná (16%), Minas Gerais (12%), Rio Grande do Sul (12%), Mato Grosso (9%), Goiás (8%) e Mato Grosso do Sul (5%). Além do alto consumo, o problema está ainda na forma como ele é usado.
A pulverização aérea – proibida em diversos países – ainda é uma prática comum no Brasil. Casos recentes como o de Rio Verde, em Goiás, em que uma escola foi atingida e diversos estudantes e funcionários foram contaminados com o Engeo Pleno, um inseticida da Syngenta que havia sido proibido pelo Ibama e logo depois liberado, ilustram essa situação. O município de Lucas do Rio Verde (MT) também sofre consequências de pulverização aérea que já contaminou rios, águas da chuva e até o leite materno, de acordo com a pesquisa ‘Agrotóxicos em leite humano de mães residentes de Lucas do Rio Verde ‘, da pesquisadora do MT Danielly Palma. Ainda no Mato Grosso, os indígenas Xavante da Terra Indígena de Marãwaitsédé, também denunciaram despejo de agrotóxicos muito próximo às suas residências.
Nesta semelhança entre quem legisla e quem lucra, o agronegócio cresceu substancialmente nos últimos anos no Brasil. Entre os proprietários de grandes terras e indústrias do setor, estão muitos parlamentares, como o senador Blairo Maggi (PR/MT), líder da Comissão de Meio Ambiente do Senado, que também é composta pelos ruralistas Garibaldi Alves Filho, Ivo Cassol, Kátia Abreu, José Agripino e Eunício Oliveira, este último exerce cargo de suplente.
Povos tradicionais
A marcha dos indígenas Terena que abriu essa matéria também é fruto da briga entre fazendeiros e indígenas. A fazenda Buruti, motivo do conflito atual, é um espaço reivindicado pelos indígenas há mais de uma década, e que, em 2010, foi reconhecida pelo Ministério da Justiça como de posse permanente dos Terena. Há um ano, o governo voltou atrás, concedendo a reintegração da posse da terra aos antigos proprietários. Uma das principais bandeiras dos indígenas brasileiros está na demarcação das terras. O que os indígenas estão considerando um passo para trás foi dado nesta última semana, quando o governo anunciou que a Fundação Nacional do Indígena (Funai) não será a única a emitir pareceres, conjuntamente serão levados em consideração os de outros órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em carta aberta, os servidores da Funai protestaram sobre a decisão. “(…) De acordo com a Constituição Federal de 1988, compete à União a demarcação de terras indígenas para a garantia da sobrevivência física e cultural destes povos, de acordo com seus usos costumes e tradições, afastando-se a idéia de assimilação/aniquilação dos povos indígenas e suas culturas, que orientou ações de Estado ate os anos 1980-90. As demarcações de terras indígenas são, portanto, o reflexo de um novo paradigma para uma sociedade verdadeiramente plural, em que povos indígenas têm voz, vez e terras”, diz a carta.
Outras contaminações
Zoraide Vilas Boas, coordenadora de comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça e Cidadania, explica que a população do município de Caetité, localizado a 750 km de Salvador (BA), sofre as consequências de mina de urânio. A contaminação da água também é destaque da cidade, que não tem unidade de saúde pública que possa cuidar diretamente do problema. A exploração do material radioativo é realizada pela empresa pública Indústrias Nucleares Brasileiras (INB). “A Comissão Nacional de Energia Nuclear, na estrutura do setor nuclear brasileiro, é a que formula, cria, faz a política nuclear, e, ao mesmo tempo, estimula a atividade, fiscaliza e é proprietária da INB. Por outro lado, a INB ainda tema prática de levar cientistas para fazer palestras que alegam que o Caetité já é poluído naturalmente”, denuncia.
O município de Santa Quitéria, no Ceará, compartilha do mesmo problema. A denominada “Jazida de Itataia” foi descoberta no ano de 1976 e, em 2006, o governo anunciou a intenção de extrair além do urânio, o fosfato, ambos destinados ao uso de fertilizantes. A exploração ainda não foi iniciada, mas o Mapa de Injustiças enfatiza que esta magnitude implicará transporte de materiais perigosos, riscos de acidentes, vazamentos e demais passivos para as populações.
Zoraide alerta que a INB tem alegado que a exploração no Ceará tem foco no fosfato como forma de conseguir um licenciamento. “Eles alegam que o urânio é uma exploração secundária. Porque para o fosfato o licenciamento pode ser feito pela secretaria do estado do Ceará, já o licenciamento nuclear é de responsabilidade federal. O caminho é mais fácil desta forma. A sociedade reagiu e o processo ainda não foi concluído”, explica.
O amianto – declarado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um elemento altamente cancerígeno – é livremente explorando na Mina Cana Brava, de propriedade do grupo italiano Eternit e da Sociedade Anônima Mineração de Amianto, em Minaçu, interior de Goiás. A auditora fiscal do trabalho, Fernanda Giannasi, afirma que além de um problema de saúde ocupacional, por conta do desenvolvimento de mesotelioma, tipo de câncer provocado pela exposição ao amianto, trata-se também de um problema de saúde pública. “O que nos causa muito incômodo é que o Amianto continua sendo permitido no Brasil. O descaso com a vida e a saúde da população com a exploração deste mineral já deu origem a diversas ações que estão em andamento, mas isso não vai adiante. Essa atividade é reconhecida como cancerígena, e já foi abolida em mais de 60 países. Aqui continuam a explorar sobre a proteção do Governo de Goiás e do Governo Federal. A omissão é um dos pontos mais graves deste caso”, argumenta. Tamanha gravidade internacional, nesta semana, a justiça italiana aumentou a sentença do empresário suíço Stephan Schmidheiny, sócio da Eternit Italia, de 16 a 18 anos, por ter provocado a morte de mais de 3 mil pessoas com o uso de amianto.
De acordo com o Mapa das Injustiças, baseado em denúncias de entidades locais e de fiscais do Ministério do Trabalho, há cerca de 50 famílias de trabalhadores e ex-trabalhadores das minas e fábricas da SAMA/Eternit atingidas por doenças e óbitos. ‘São vítimas de câncer e de asbestose, causados pelo contato prolongado com o amianto crisotila, que a empresa insiste dizer que é seguro. Há também denúncias de que o município inteiro de Minaçu é impactado pela névoa contínua lançada pela mineradora e pela fábrica de fibro-cimento sobre a cidade’, denuncia o documento. Fernanda ainda avalia que a população tem medo de enfrentar esse debate por conta do receio de perder o seu trabalho. “A população está diante de um risco altíssimo, mas está sem solução, pois a atividade econômica da cidade gira em torno desta exploração mineral”.
A chuva de prata proliferada pela Tyssenkrup Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) parece lembrar o de Minaçu. O caso da TKCSA, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, deu origem ao relatório ‘Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz ‘, desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que constata que, na precipitação, havia a presença de ferro, cálcio, manganês, silício, entre outros. Segundo o documento, esta contaminação já teria provocado na população problemas dermatológicos, respiratórios e oftalmológicos. Os pescadores da Baia de Sepetiba também se dizem prejudicados com a instalação da empresa, pela poluição de toda a região. Para a atuação, a empresa não obteve a licença definitiva, mas suas atividades são realizadas por conta de uma licença ambiental parcial por conta do Termo de Ajustamento de Conduta concedida em 2010 pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). No total, são 130 condicionantes que ainda não foram cumpridas em sua completude.
O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, lembra que o bairro que abriga a empresa historicamente foi um território de exceção, e que esses são os alvos de empresas transnacionais com empreendimentos poluidores. O professor lembra que a empresa, de origem alemã, não recebeu a permissão para houvesse instalação do modelo no país de origem. “Existe uma intencionalidade nessa escolha, que parte do pressuposto de que num o território com baixo índice de desenvolvimento humano e ocupado por uma comunidade de baixa renda, a população não teria condições de defender os seus direitos”, explicou o professor.
Por Viviane Tavares – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Fonte: EcoDebate
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