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quinta-feira, 27 de junho de 2013

A capitalização da Biodiversidade, artigo de João de Deus Barbosa Nascimento Júnior

“Existe certa Ilusão acerca da noção de sustentabilidade, uma vez que os seus mecanismos de operacionalidade não estabelecem “Como”?”, “Onde?” e “Quando?” romper com a forma clássica de desenvolvimento. Têm-se o risco de se esperar por uma coisa que nunca pode acontecer; em outra forma, pode estar sendo construído um empreendimento socioeconômico estruturalmente inconsistente, e que contribuirá para a intensificação das desigualdades sociais.”
[EcoDebate] O século 21 reafirmou uma nova preocupação mundial que abarca todos os projetos nacionais: A extinção de espécies, devido à exploração intensiva e depreciativa dos recursos da natureza. Processo que se desdobrou na emergência e na sinergia de empreendimentos voltados à construção de modelos de desenvolvimento ditos sustentáveis.

Neste sentido, a noção de desenvolvimento sustentável tem problemas estruturantes, dentre os quais se destacam 6 grandes questões, todas elas relacionadas com a expansão do capitalismo:

1) A primeira é simbólica, e por esta razão é a mais complexa. Existe certa Ilusão acerca da noção de sustentabilidade, uma vez que os seus mecanismos de operacionalidade não estabelecem “Como?”, “Onde?” e “Quando?” romper com a forma clássica de desenvolvimento. Têm-se o risco de se esperar por uma coisa que nunca pode acontecer; em outra forma, pode estar sendo construído um empreendimento socioeconômico estruturalmente inconsistente, e que contribuirá para a intensificação das desigualdades sociais;

2) Existe uma incompatibilidade da noção de sustentabilidade com o conceito de crescimento. Não somente do crescimento financeiro, mas do crescimento do fluxo de massa e energia. Isto resultará no privilegiamento do mercado de bens com maior durabilidade e uma mudança estrutural na matriz industrial ora standard;

3) O terceiro problema refere-se à dinâmica do processo de acumulação financeira. Os países centrais estão cada vez mais ricos em detrimento de um crescente processo de pauperização dos países periféricos, mesmo atenuando-se com a recente crise financeira de 2008. No ponto de vista destes países periféricos faz-se necessário incorporar elementos próprios da condição humana à noção de sustentabilidade. Com um problema adicional: a crescente onda de privatização dos meios de produção conspira contra a Ideia de gestão, em longo prazo, das riquezas naturais do planeta;

4) A hipocrisia dos governos centrais. A história registra que os discursos desses governos destoam de suas ações práticas. Esses governos não efetivarão nenhuma experiência, nenhum processo ou modelo de desenvolvimento que ponha em risco o estado de bem-estar de seus eleitores, e as estabilidades econômicas e políticas de seus países, como resultado, seus recursos naturais se esgotaram, em sua grande maioria;

5) Os estudos empíricos mostram que a noção de desenvolvimento sustentável só tem vigência histórica em experiências locais, enquanto política planejada de aproveitamento dos recursos de um território, envolvendo configurações sociais, situações políticas e possibilidades de aplicações de tecnologias disponíveis. A universalização dessas experiências locais, com projeções em escala planetária, é regulada por um objetivo comum negociado: a preservação da biodiversidade que por sua vez está estreitamente associada à diversidade cultural. A existência de condições objetivas para sua plena realização ainda é objeto de muitas polêmicas. A utilização inadequada da biosfera, a mercantilização exacerbada do meio ambiente e do princípio de clonagem e a crescente intensificação do processo de pauperização dos países periféricos são fatores que conspiram contra uma solução em curto prazo; e finalmente,

6) Existe uma crescente tensão entre a noção sustentabilidade e o princípio universal de segurança nacional. O grau de fricção entre estes dois empreendimentos históricos dependerá, fortemente, da evolução dos processos políticos em escala mundial.

Os novos fundamentos econômicos mundiais privilegiam a privatização e a dolarização do mundo; reafirmam também a transformação do mundo num grande mercado e a cristalização do pensamento único, dificultando a construção de uma solução compartilhada por todos. Enquanto contraponto, a sustentabilidade põe novos compromissos à educação, à ciência e à tecnologia, à mídia e à comunicação críticas, no processo de organização e funcionamento do mundo do trabalho e do mercado. O incrustamento da ecologia no processo civilizatório pôs problemas novos nesse quadro; o Estado nacional e a sociedade organizada também têm um papel-chave nesse empreendimento geo-histórico.

A economia está em crise, sua capacidade de dialogar com as outras áreas de conhecimento está em cheque. A questão ecológica é um dos agentes desencadeadores dessa nova Era da economia; as análises científicas mostram que o crescimento econômico mundial não poderá se efetivar em forma contínua e ilimitada tendo como alicerce a atual matriz industrial e os processos de produção em curso, como o acelerado processo de pauperização, o rápido esgotamento dos recursos naturais e a exacerbada depreciação ecológica do planeta inviabilizam essa tendência de crescimento econômico ilimitado, fortalecendo a noção de sustentabilidade.

A expansão industrial e a explosão demográfica em dimensão planetária são fatores que reforçam o discurso ambientalista dos governos hegemônicos, impondo a necessidade de congelamento do crescimento econômico standard, em diversas graduações, em ampla maioria dos países com grande potencial de desenvolvimento (Aknin et al., 2002, pp. 53-56).

Constata-se que é um contrassenso exigir que os países pobres incorporem o paradigma da sustentabilidade conforme os critérios e as determinações políticas dos países ricos, o que põe problemas estruturantes novos e a necessidade de construção de abordagens metodológicas inovadoras, articulando educação e ciência e tecnologia, e, economia e política, em escalas micro e macro.

A atual crise ecológica mundial e o acelerado agregamento de valores econômicos aos diversos elementos constituintes da natureza ainda não contribuíram para que esta entidade [a natureza] fosse definitivamente incorporada às teorias econômicas na condição de capital. Esta nova dimensão teórica dos modelos econômicos faz com que os mesmos tenham uma forte dependência de indicadores quantitativos dos fluxos de energia e de massa, estimulando as pesquisas ambientais prospectivas e aplicadas, em especial o monitoramento científico e tecnológico dos processos atmosféricos que comandam a estabilidade sócio-ecológica do planeta e cria-se a economia verde como forma de agregarem-se valores a natureza e assim poder-se-ia valorar os serviços ambientais provocados por recursos naturais abundantes, colocando-se dessa forma a matriz ecológico-econômica como fonte principal de equalização dos investimentos financeiros mundiais.

Um caso singular refere-se ao uso da biodiversidade e à relação da indústria biotecnológica com a farmacologia e a produção de alimentos, na nova ordem econômica mundial. A exploração dos recursos genéticos dos microrganismos na produção de novos produtos farmacológicos, na eliminação de dejetos e nos processos de reciclagem da água constitui um dos fatores que reforçam a importância da incorporação da biodiversidade na estrutura dos modelos econômicos (Lévêque, 1997, pp. 54-56). As múltiplas aplicações tecno-científicas da genética, articuladas com as nanotecnologias, com a cibernética e com a expansão da robótica têm impactado a economia mundial em forma irreversível; têm também gerado um conjunto de iniciativas institucionais e societárias voltadas à proteção do Patrimônio Genético e dos Conhecimentos Tradicionais, em especial, dos povos indígenas e das comunidades de regiões remotas.

O inventário sobre a biodiversidade mundial projeta que já foram identificadas cerca 1,75 milhão de espécies na Terra, das quais 4.500 de animais; 10.000 de pássaros; 1.500 de anfíbios e de répteis; 22.000 de peixes; 270.000 de plantas; 70.000 de fungos; 5.000 de vírus; 4.000 de bactérias; 400.000 espécies de invertebrados, sem incluir os insetos; 960.000 de insetos, dos quais, cerca 600.000 são besouros (Dallmeier, 2000, pp. 454-455). E os especialistas especulam que estas projeções representam menos de 10% do número de espécies existente no planeta, a maioria nos oceanos e nas regiões tropicais, com mais de 50% delas residindo na Amazônia pan-americana, na África central, no sudeste da Ásia e parte da Austrália. A identificação do número de espécies e variedades de micro-organismos cresce continuamente reafirmando o papel fundamental dessas entidades nos processos de ciclagem e reciclagem dos reinos mineral, animal e vegetal assim como na estabilidade ecológica do planeta.

A despeito das atuais políticas de proteção à natureza, o processo de deterioração da biodiversidade mundial agrava-se em velocidade crescente. Destacam-se como principais causas: o inadequado uso dos solos e das águas; a superexploração comercial de algumas espécies; a introdução de espécies predatórias em determinados ecossistemas; a crescente poluição dos solos, das águas e da atmosfera; a intensificação da agricultura com técnicas predatórias; o reordenamento dos territórios e as mudanças climáticas globais são parte de outros fatores, que também contribuem para esse processo, dentre os quais, ainda podemos: o acelerado crescimento demográfico; as políticas de desenvolvimento econômico não-adaptadas e não-integradas às realidades ambientais locais e regionais; a não regulamentação dos direitos de acesso aos recursos naturais, e à insuficiência de conhecimentos científicos sobre as dinâmicas ecológicas regionais e mundiais (Lévêque, 1995, pp. 77-87).

Como se não bastasse somente esses, as grandes dimensões dos desmatamentos e queimadas nas regiões tropicais desempenham um papel relevante para o agravamento desse quadro. Com uma preocupação adicional: a contínua ocupação desordenada e o uso inadequado das regiões tropicais, que têm originado uma perda de floresta numa taxa de 0,8% a 2,0% ao ano. Para esta projeção, os especialistas estimam uma perda de até 16 milhões de populações genéticas por ano, ou em outra forma, a perda de uma população em cada 2 segundos. Em termos de espécies, estima-se a perda de 27.000 espécies por ano, ou uma espécie em cada 20 minutos (Purvis e Hector, 2000, p. 216). Dentre a grande variedade de espécimes existentes, estima-se, em escala mundial, que 654 espécies vegetais e 484 espécies animais, das quais 58 espécies de mamíferos e 115 espécies de pássaros desapareceram após o início do século 17. As articulações da genética com a biodiversidade e desta com as mudanças climáticas mundiais são, também, questões relacionadas com o paradigma do crescimento econômico sustentável e com a melhoria da qualidade de vida.

Mas, por outro lado, a promoção do desenvolvimento sustentável depende da solução de problemas complexos: do consumo, da eficiência e do desenvolvimento de fontes energéticas não-poluidoras; do reordenamento do setor de transporte terrestre e do melhor gerenciamento dos sistemas de tráfego; da substituição da atual matriz industrial poluidora; das proteções aos recursos naturais marinhos e aos usos dos solos e da atmosfera; da institucionalização de mecanismos de medida e de controle da poluição atmosférica; de melhor gestão dos impactos das mudanças climáticas; do combate à poluição sonora; de um melhor gerenciamento e da proteção dos recursos hídricos; da preservação e do adequado gerenciamento da biodiversidade e do patrimônio natural; do desenvolvimento de mecanismos que minimizem os riscos e protejam a saúde humana em matrizes ocupacionais insalubres; do controle e melhor gerenciamento da ecotoxicologia e dos impactos dos fungicidas e pesticidas; da mobilização de estruturas teóricas e empíricas das ciências econômicas e sociais; da formação de recursos humanos para o gerenciamento do desenvolvimento sustentável, e da erradicação da miséria humana.

A transformação destas variáveis dinâmicas em indicadores quantitativos a serem incorporados às políticas socioeconômicas nacionais e mundiais são problemas sem solução em curto prazo, e que fazem parte das pautas de pesquisa dos especialistas. Com todos estes problemas, muitos deles entrelaçados entre si, mediatizados pela ação doutrinária do direito moderno, em diferentes escalas, do local ao mundial.

Em forma ampla, o impacto da poluição na vida social envolve não somente questões financeiras, mas inclui, também, julgamentos de valores, uma característica eminentemente política. Ainda existe uma grande dificuldade na mensuração dos efeitos da poluição gasosa na nossa saúde; entretanto já está provado que a precipitação de chuvas ácidas e a formação de ozônio a partir da quebra das moléculas dos óxidos de nitrogênio pela radiação ultravioleta, aceleram a evolução de diversas doenças crônicas, como a asma, por exemplo. É muito polêmico atribuir à poluição como sendo a única fonte responsável pelo falecimento de uma determinada pessoa; entretanto, este fator pode acelerá-lo.

Outro exemplo sintomático refere-se aos impactos do efeito estufa associado ao crescente acúmulo do dióxido de carbono e de outros gases-estufa na atmosfera – gases atmosféricos que regulam a quantidade de calor do sol absorvida pela terra -, um dos principais problemas econômicos e científicos do século 21.

Os atuais modelamentos econômicos ambientais, que já incorporam esta dimensão em suas estruturas, projetam somente os custos de propriedade ou dos direitos de usufruto dos seres humanos. Eles não incluem os riscos de extinção de diversas espécies animais e vegetais, as possibilidades de impactos deletérios irreversíveis nos processos agrícolas, nos ciclos biogeoquímicos, nos ciclos de calor e da água, na climatologia, e também sobre os lugares, as cidades, os países, os continentes e finalmente sobre o planeta. Estudos recentes projetam que uma duplicação atmosférica na concentração do dióxido de carbono resultará numa queda do atual PIB mundial na ordem de 3 a 4%. (Bobin et al., 2001, pp. 90-93). A ciência e a tecnologia moderna ainda não conseguem operacionalizar uma solução sistêmica para o acelerado estágio de depreciação ecológica do planeta. Até porque esses mesmos processos científicos e tecnológicos realimentam esta depreciação, o que remete esta questão para a esfera política, em âmbito mundial, desdobrando-se na construção de novos modelos de desenvolvimento econômico.

Um fator importante no desenvolvimento dos modelos econômicos ambientais é o que se reporta à incorporação da dinâmica do ciclo do carbono em suas estruturas e arquiteturas. O estabelecimento do valor econômico do carbono, as metodologias utilizadas na medição de suas emissões, o impacto não-linear dessa nova variável nos demais fundamentos econômicos, a inserção dessa nova dimensão dos modelos econômicos nos projetos nacionais ou nas perspectivas societárias dos diversos Estados nacionais, e a busca de um consenso político no estabelecimento de um sistema de permissões de emissão de carbono negociáveis são problemas complexos e polêmicos postos às ciências econômicas e aos sistemas políticos nesta década.

A questão do efeito estufa articula, desde os problemas sociais em escala local, até os interesses dos Estados nacionais e dos conglomerados transnacionais. A limitação das emissões de CO2 devido à queima de combustíveis fósseis põe em cheque a atual matriz energética dos países desenvolvidos assim como a política industrial dos países em processo de desenvolvimento. Uma tese que se consolida nos fóruns políticos dos países ricos é a possibilidade de que estes países, em nome do futuro ecológico do planeta, coloquem obstáculos à industrialização dos países pobres, minimizando o agravamento do efeito estufa.

Um conjunto de problemas multidimensionais e multiformes, envolvendo diferentes atores e instituições e entrelaçados entre si em forma de rede, têm permeado à dinâmica de desenvolvimento econômico dos lugares, das regiões, dos países, dos blocos de países e também do planeta.

Ressaltam-se as temáticas relacionadas com: a função dos recursos naturais no crescimento econômico e na melhoria da qualidade de vida das pessoas; a garantia das demandas emergentes às gerações futuras na dinâmica do desenvolvimento econômico; a contabilidade e a avaliação do patrimônio natural; a proteção dos ecossistemas face às pressões humanas; o processo de irreversibilidade das mudanças climáticas e ecológicas e os seus desdobramentos; as interações entre as dinâmicas ecológicas locais e globais, e o apoio em longo prazo e a avaliação das políticas públicas num contexto de incerteza (Howarth 1997, p. 216), o ordenamento jurídico e o estabelecimento de princípios reguladores das políticas de uso e exploração dos solos, das águas e da atmosfera, da escala local à planetária, são também problemas emergentes e que tencionam os fóruns internacionais, sem perspectiva de solução em curto prazo.

João de Deus Barbosa Nascimento Júnior, Analista A – Economista da Embrapa Amazônia Oriental, MSc em Planejamento do Desenvolvimento

Fonte: EcoDebate

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