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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

“Caiu o mito!”

Peças de grifes famosas são feitas por mão-de-obra barata em confins do mundo

Uma série da acidentes e incidentes envolvendo fábricas de roupas em Bangladesh e Vietnã, ao longo deste ano, lançou luz sobre as precárias condições de trabalho da indústria de vestuário naqueles confins do mundo. E, como não poderia deixar de ser, abriu uma discussão sobre ética nos negócios.

fabrica-3mundo-350Não deixo de me engajar nela, mas o que mais me chamou a atenção nessas tragédias não foi a previsível discussão acerca do dilema que a economia globalizada nos impõe todos os dias: priorizar nosso lado consumidor ou cidadão. Afinal, sabe-se de cor que roupas baratas são excelentes iscas para agradar ao primeiro, mas jamais seriam aprovadas pelo segundo, presumivelmente conhecedor das condições em que são produzidas. 

Por isso, interessou-me mais outro aspecto desses episódios. Algumas das fábricas onde os acidentes aconteceram não produziam roupas apenas para varejistas barateiros, como Zara, H&M, Gap e Wal Mart. Fabricavam-nas para grifes como Giorgio Armani, Ralph Lauren e Hugo Boss (ao menos as peças mais simples, como camisetas). Quando essas peças chegavam ao varejo americano, recebiam um mark-up violentamente maior que suas “assemelhadas” sem grife, mesmo que a diferença de qualidade entre elas ficasse resumida a detalhes – coisa de centavos no custo unitário de produção.

Não sei se já contei aqui, mas, em todo caso, repito. Anos atrás, tive contato com uma dona de casa que se tornara sócia de uma butique sofisticada da qual era, até aquele momento, cliente. Selada a sociedade, a recém-microempresária foi convocada pela sócia veterana a conhecer os meandros do negócio, percorrendo durante um dia inteiro os principais fornecedores da loja: costureiras, fabricantes de tecido, armarinhos, etc. Exausta ao fim do dia, resumiu assim suas impressões: “Caiu o mito!”. 

A exclamação tinha sentido óbvio: fora das lojas, fora das páginas de revistas e fora dos desfiles, os produtos que antes encantavam perdiam a aura, o significado; tornavam-se meras mercadorias produzidas em série, objetos de preço baixo e sem glamour, visto que vindos de fabriquetas de fundo de quintal e de lojinhas de periferia. Ela vira que o preço que pagava até então como cliente da butique não vinha exatamente da qualidade da matéria-prima ou da sofisticação do processo de produção, e sim pura e simplesmente da marca, da grife que sua agora-sócia imprimia às peças.

(Caso refizesse esse périplo hoje, encontraria mão-de-obra boliviana em más condições de trabalho produzindo para Le Lis Blanc e Bo.Bô, segundo a Folha de S. Paulo de fins de julho). 

Tempos atrás, uma publicação voltada à informação de consumidores, nos EUA, publicou um teste em que mostrava que camisetas pólo de um grande magazine do país tinham qualidade superior às da estrelada grife Ralph Lauren – que, por sua vez, custavam sete vezes mais. Mostrou, também, que suéteres de US$ 340 de uma loja famosa de Nova Iorque tinham qualidade apenas levemente superior aos de US$ 25 vendidos no Kmart, uma das mega-redes de descontos americana.

Pois é. Como bem dizia Jean Baudrillard, a sociedade de consumo é a “sociedade do signo”; uma sociedade na qual não se consomem mercadorias de valor utilitário, e sim aquilo que elas representam: liberdade, sofisticação, poder econômico. Difícil não enxergar o episódio das fábricas de Bangladesh e Vietnã por esse prisma. E difícil não dar um pouco de razão a um costureiro boliviano ouvido pela Folha a respeito de uma peça que saía de sua oficina paulistana por R$ 15 ser vendida numa loja de grife por R$ 400: “É um absurdo, mas a gente não pode fazer nada”. 

Será que não podemos?

Fonte: Revista Amanhã

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