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sexta-feira, 21 de março de 2014

Inclusão dos catadores na PNRS é dramática. Entrevista com Roque Spies

“Os processos de adequação à Lei 12.305/10 exigem mudanças culturais da população e dos gestores públicos e também dos outros atores que atuam no gerenciamento de resíduos”, diz o assessor das cooperativas de reciclagem.


Apesar de quase todos os 32 municípios do Vale do Rio dos Sinos terem desenvolvido os planos da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS para erradicar os lixões até agosto deste ano e dar um destino adequado ao lixo produzido, “na maioria deles, a coleta seletiva tem pouco impacto sobre o volume total de resíduos gerados e coletados”, informa Roque Spies à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail.

Segundo ele, os índices de coleta e reciclagem na região são muito baixos, menos de 5%, com exceção do município de Dois Irmãos, que atinge índice acima de 20% sobre o total de resíduos coletados. A média nacional é ainda menor, em torno de 2%. Spies explica que alguns municípios têm usinas de triagem operadas por cooperativas, mas a inclusão dos catadores no processo de recolhimento e reciclagem dos resíduos é “dramática, porque existe muita dificuldade para tratar da questão social como enfatiza a PNRS”.

Roque Spies acompanha o processo de implantação da PNRS nos municípios do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, e acentua que “os catadores enfrentam dificuldades para dar respostas rápidas na complexidade dos serviços a serem executados. Mas os investimentos em formação e capacitação também estão muito aquém das necessidades dos catadores. As cooperativas e associações não podem ser tratadas como as empresas capitalistas, porque suas dinâmicas são outras. Mas os catadores precisam de apoio, ser reconhecidos e valorizados através de contratos que remunerem dignamente”.

Roque Spies é um dos fundadores da Reciclagem em Dois Irmãos. É integrante do Fórum dos Recicladores do Vale do Rio dos Sinos e atua na assessoria técnica, formação e capacitação em cooperativas no Rio Grande do Sul.

Confira a entrevista.
Roque Spies. Foto: Suélen Farias

IHU On-Line – Como a Política Nacional de Resíduos Sólidos tem sido implementada na Região do Vale do Rio dos Sinos e grande Porto Alegre?

Roque Spies - Primeiramente, gostaria de lembrar alguns pontos importantes desta política pública. A Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, é bem ampla. No art. 7º, que trata dos Objetivos, o item II estabelece: “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”. Isto implica a necessidade de um intenso trabalho de educação ambiental para repensar o consumo, utilizar menos embalagens, e o que for produzido deve prever a reciclagem. A logística reversa prevê a coleta e a restituição dos resíduos sólidos para reaproveitamento no ciclo produtivo. A coleta seletiva passou a ser obrigatória em todos os municípios do país, para prever o fim dos lixões até agosto de 2014. Por isso, materiais recicláveis não deverão ser depositados em aterros sanitários.

A lei trata também da compostagem para os resíduos orgânicos (em torno de 60% dos resíduos domiciliares) para aproveitamento como fertilizante e como forma de aumentar a vida útil dos aterros sanitários cujas áreas disponíveis se tornam escassas junto aos grandes centros urbanos. Esta política dá uma especial atenção aos catadores como atores mais importantes no gerenciamento de resíduos. Um dos instrumentos da lei prevê o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação dos catadores, reafirmando a possibilidade de contratação de cooperativas e associações para prestação de serviços na coleta, triagem, beneficiamento de resíduos sólidos com dispensa de licitação.

Todas estas questões e outras devem estar previstas nos Planos Nacional, Estaduais e Municipais que precisam ser elaborados com a participação de todos os setores da sociedade. Também as empresas precisam elaborar seus planos de gestão de resíduos. Creio que a grande maioria dos municípios do Vale dos Sinos elaborou seu Plano e está procurando colocá-lo em prática.


“A prática da compostagem não existe por parte dos municípios e tampouco se observam campanhas fortes para redução de resíduos através do consumo consciente”

IHU On-Line – Quais são os municípios que implantaram a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Vale do Rio dos Sinos?

Roque Spies - De um modo geral, todos. Mas de forma parcial nos diversos aspectos abordados acima. Nesta região, os resíduos domiciliares são enviados para aterros sanitários. Não há mais lixões, embora seja possível encontrar muitos focos de depósitos clandestinos de resíduos feitos pela população. Apenas um ou outro município não tem coleta seletiva, mas na maioria deles a coleta tem pouco impacto sobre o volume total de resíduos gerados e coletados (em torno de 3 a 5%). Em alguns municípios existem usinas de triagem operadas por cooperativas com aproveitamento maior. A prática da compostagem não existe por parte dos municípios e tampouco se observam campanhas fortes para redução de resíduos através do consumo consciente.

IHU On-Line – Qual é o impacto da coleta seletiva no recolhimento dos resíduos sólidos?

Roque Spies - Em geral, os índices são muito baixos, menos de 5%. Diversas fontes apontam que no Brasil são reciclados apenas 2% dos resíduos. Há um destaque para a cidade de Dois Irmãos, que atinge índice acima de 20% sobre o total de resíduos coletados.

IHU On-Line – A Política Nacional de Resíduos Sólidos determina que a coleta seletiva dos municípios seja repassada para os catadores. Quais as vantagens dessa atividade para os catadores e para as cidades?

Roque Spies - Na prática, os catadores sempre foram os principais responsáveis pelo retorno dos materiais recicláveis ao ciclo produtivo. A coleta seletiva pública introduzida na região inicialmente era feita por funcionários públicos. Depois, os municípios passaram a contratar empresas de coleta. A coleta seletiva é uma tarefa que exige contato mais próximo com o gerador sensibilizado e convencido da importância da separação dos resíduos. As empresas capitalistas têm dificuldades com relação a isso em vista do modelo de contrato realizado pelas prefeituras e da sua forma de operação, que têm funcionários pouco motivados, geralmente, pela baixa remuneração. Os catadores organizados em cooperativas têm a vocação para este serviço e têm o interesse em arrecadar o máximo de recicláveis para compor a sua renda.

IHU On-Line – Como os catadores e cooperativas têm reagido diante da proposta de fazer a coleta seletiva, como determina a PNRS? Há conflitos entre prefeituras e catadores?

Roque Spies - Tudo ainda é muito novo. Diversas cooperativas da região já têm contratos de prestação de serviços na coleta seletiva em andamento, com bons resultados para elas e para as cidades. O que está em jogo é a redução de valores quando as prefeituras querem repassar a coleta seletiva para as cooperativas. E, ao mesmo tempo, é preciso ampliar o serviço para atender a todos os munícipes como estabelece a PNRS.

IHU On-Line – Quantos municípios do Vale do Rio dos Sinos têm coleta seletiva?

Roque Spies - Praticamente todos os municípios têm alguma iniciativa de coleta seletiva. A região é destaque frente ao pequeno número de municípios brasileiros que realizam a coleta seletiva.


“O incentivo à compostagem caseira também poderia gerar um impacto grande sobre os custos com coleta, transbordo e disposição final do lixo”

IHU On-Line – Como os catadores estão se organizando para realizar essa atividade? Que instrumentos e materiais de infraestrutura eles precisam para fazer as coletas?

Roque Spies - Os catadores estão se organizando em cooperativas e enfrentando suas dificuldades. Estão lutando para melhorar seus locais de trabalho e seus processos de gestão. Para realizar a coleta seletiva precisam providenciar veículos de transporte, sejam carrinhos (elétricos) e/ou caminhões. Em algumas situações, são alugados caminhões. Algumas cooperativas já têm caminhões próprios obtidos pela aprovação de projetos junto a órgãos federais ou outras fontes de recursos. O desafio é profissionalizar os serviços para avançar na cadeia produtiva da reciclagem e, inclusive, assumir tarefas na logística reversa de empresas.

IHU On-Line – Em que consistiria um plano eficaz de metas sobre resíduos com participação dos catadores?

Roque Spies - A meta estabelecida pela PNRS é atender a todos os municípios. Todos os resíduos recicláveis precisam retornar ao ciclo produtivo industrial para serem convertidos em novos produtos. Os Planos Municipais já estabeleceram metas a serem alcançadas ano a ano.

IHU On-Line – Como os municípios do Vale têm atuado em relação ao lixo orgânico? A PNRS determina a criação de compostagens. Essa já é uma prática nos municípios gaúchos?

Roque Spies - Os municípios do Vale enviam os resíduos orgânicos para aterros sanitários. Em relação à compostagem estamos no zero a zero, o que é lamentável, pelo desperdício de energia e fertilizantes para novos cultivos. O incentivo à compostagem caseira também poderia gerar um impacto grande sobre os custos com coleta, transbordo e disposição final do lixo. No Rio Grande do Sul temos pouquíssimas experiências de compostagem. E nenhuma no Vale do Rio dos Sinos.


“Esta política dá uma especial atenção aos catadores como atores mais importantes no gerenciamento de resíduos”

IHU On-Line – Como está a implementação da PNRS no Rio Grande do Sul em relação a outros estados brasileiros?

Roque Spies - A implementação da PNRS está bastante lenta no estado e em todo o país. No Rio Grande do Sul existem poucos lixões que ainda precisam ser fechados, e a coleta de resíduos atinge índices acima de 90%. Em outras regiões do país a realidade é mais cruel pela ausência de coleta e o uso de depósitos inadequados de resíduos. Os processos de adequação à Lei 12.305/10 exigem mudanças culturais da população e dos gestores públicos e também dos outros atores que atuam no gerenciamento de resíduos. Na questão da inclusão dos catadores, a situação é dramática, porque existe muita dificuldade para tratar da questão social como enfatiza a PNRS. Os catadores enfrentam dificuldades para dar respostas rápidas na complexidade dos serviços a serem executados. Mas os investimentos em formação e capacitação também estão muito aquém das necessidades dos catadores. As cooperativas e associações não podem ser tratadas como as empresas capitalistas, porque suas dinâmicas são outras. Mas os catadores precisam de apoio, ser reconhecidos e valorizados por meio de contratos que remunerem dignamente.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Roque Spies - É preciso mais ação. Pela gestão compartilhada todos têm responsabilidade sobre os resíduos que geramos. Na nossa casa se discute a durabilidade dos bens que adquirimos, ensinamos nossas filhas a separar os resíduos e os entregamos para a coleta seletiva, e agora as netas também estão aprendendo. Fazemos compostagem dos orgânicos e usamos o composto como adubo no cultivo de hortaliças e flores. E, além disso, falamos para outras pessoas fazerem o mesmo. É muito simples.

Fonte: EcoDebate

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