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sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Como alimentar uma população crescente em tempos de mudança climática?

Agir no nível local e consumir de maneira consciente estão entre as principais formas de reduzir o impacto climático da indústria alimentar, responsável por cerca de 50% das emissões globais de gases de efeito estufa


Luna Gámez, do ISA

Atualmente, 800 milhões de pessoas no mundo sofrem com a fome, o que representa 11% da população vivendo em situação de insegurança alimentar, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Conforme indica o Relatório Mundial de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, esse número pode aumentar para 1,4 bilhão de pessoas como consequência dos efeitos da mudança climática.

“Até 2050, teremos que produzir comida para mais 2 bilhões de pessoas, o que supõe mais pressão sobre a terra e sobre a água. Precisamos de sistemas alimentares que produzam mais com menos e que sejam resilientes às mudanças climáticas”, disse o brasileiro José Graziano da Silva, diretor geral da FAO.

O setor agropecuário emite 12% do total de emissões de gases de efeito estufa, mas, se contabilizarmos as emissões indiretas de todos os processos relacionados com a indústria alimentar, essa porcentagem atinge entre 44% e 57% do total das emissões globais, segundo a ONG Grain (saiba mais). No Brasil, essa porcentagem é ainda maior: 60% (leia mais).

Entre os processos indiretos responsáveis pelas emissões figuram: o desmatamento e a queima da matéria orgânica – que em 90% das ocasiões são produzidos como resultado da expansão da fronteira agrícola; o transporte dos alimentos e das matérias primas; a embalagem e a refrigeração dos produtos; e o desperdício de alimentos, cuja decomposição emite 4% do total de emissões (leia mais sobre emissões do setor agropecuário e mudança climática).

“Desperdício e fome são os dois lados de uma mesma moeda”, afirmou Carlo Petrini, sociólogo e gastrônomo italiano fundador do movimento Slow Food, no evento “Nós alimentamos o planeta”, realizado em Milão, em outubro, pela organização SlowFood. Petrini também lembrou que nosso sistema de produção de alimentos é capaz de alimentar 12 bilhões de pessoas, embora população do planeta seja hoje de 7,3 bilhões – e mais de 10% sofre com fome e malnutrição. “Este sistema esquizofrênico desperdiça 40% da comida produzida”, informou Petrini.

Embora exista uma grande preocupação global com o problema da fome, o Banco Mundial adverte que só 1% dos recursos financeiros solicitados à comunidade internacional para ajudar aos países mais afetados pelo problema são disponibilizados atualmente (leia mais). Muitos países perdem entre 2% e 3% do seu PIB devido a problemas alimentares.

Para alguns a resposta contra a fome no mundo tem sido a produção intensiva de alimentos. Porém, o projeto de consultoria da Trucost para a FAO demonstra que os custos ambientais da produção industrial de alimentos atingem US$ 3,33 trilhões por ano (quase o PIB da Alemanha).

Como reduzir as emissões no setor alimentar?

“Na minha região, muita gente perdeu as safras por conta das chuvas e muita gente sofre com a desnutrição.Temos de mudar a forma de produzir e consumir, mas com a mudança climática fica complicado”, disse o jovem produtor senegalês Hady Diop, no encontro, em Milão.

A relação entre o clima e a produção de alimentos depende diretamente do manejo dos solos (veja aqui vídeo da Via Campesina e Grain). Quase a metade do CO2 da atmosfera provém da destruição de matéria orgânica dos solos. Por meio do manejo sustentável e da recuperação dos solos poderíamos conseguir estocar o carbono e aumentar a produção de alimentos em 58%, segundo a FAO.

Metas específicas para controlar as emissões do setor agropecuário mal são consideradas no texto que deverá ser negociado na Conferência do Clima de Paris, que acontece em dezembro. Tampouco existem propostas alternativas ao sistema atual de produção de alimentos.

Agir do local ao global

Movimentos sociais e organizações como a Via Campesina, Grain ou Slow Food defendem que é preciso agir desde o nível local até o global para enfrentar esse desafio. Em outubro, o evento “Nós alimentamos o planeta” reuniu 2,5 mil jovens produtores do mundo inteiro, entre os quais também figuravam cozinheiros, acadêmicos e integrantes de movimentos sociais pela alimentação de mais de 120 países. “[O objetivo foi] juntar todos aqueles que produzem nosso alimento para discutir de que forma teria que ser nutrido o planeta”, disse Valentina Bianco, responsável pela região da América Latina na Slow Food Internacional, em entrevista ao ISA.

“Precisamos tentar produzir e consumir localmente para reduzir o transporte, o desperdício de comida e as emissões resultantes desses processos”, disse Bianco. De acordo com ela, existem três caminhos para alimentar o planeta e limitar o impacto da alimentação no meio ambiente: “produzir e ser agricultor, ter uma pequena horta (que pode ser urbana) e ser um consumidor consciente, o que chamamos de coprodutor”.

“O pessoal no campo está envelhecido, precisamos incentivar os jovens a ficarem na terra. Eu sou jovem e vivo as dificuldades de ser agricultor. Nós defendemos o campo com gente feliz que possa produzir alimentos de qualidade com um preço justo, a gente só fica no meio rural se tiver uma garantia econômica mensal”, disse Alexandre Leal dos Santos, jovem produtor do Paraná que participou encontro em Milão.

“Num país periférico como o Brasil, cuja vocação sempre foi exportar coisas, hoje falamos de agricultura familiar, e isso é uma evolução, mesmo que ainda não seja uma agricultura ecológica, pois utiliza muito fertilizante. Mas é preciso entender que o Brasil é um lugar bastante complexo”, expôs Ranieri Portilho Rodrigues, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil.

“Na Slow Food acreditamos que a agricultura familiar possa ser uma resposta aos problemas de alimentação que temos atualmente, mas precisamos que o setor político e institucional acredite e apoie realmente esse sistema”, afirmou Valentina Bianco. Ela acrescentou que esse movimento não só se preocupa com garantir a segurança alimentar, como também defende a luta pela soberania alimentar, pela qual “cada pessoa tenha direito a se alimentar com produtos próprios da sua tradição e do seu território e conservar o patrimônio agrícola de sua cultura”.

“Se nós quisermos salvar o planeta, nós teremos que começar por nossa alimentação. Mas nós estamos deixando as nossas comidas tradicionais por alimentos industrializados”, afirmou, em entrevista ao ISA, Sergio Wara, indígena Sateré Mawé e liderança do projeto Guayapí, rede de comércio justo internacional de guaraná.
Wara também anunciou que sua comunidade apresentará, em julho de 2016, o primeiro grupo de Slow Food indígena, que será chamado de “Miuakua”.

Entre os representantes brasileiros também estavam Marcelo Martins do Programa Xingu, do ISA, e o indígena Miaraip Kaiabi, que apresentaram para mais de 2 mil pessoas o óleo de pequi e a pimenta do Xingu, entre outros produtos da Associação da Terra Indígena do Xingu (ATIX). Eles defenderam a necessidade de fortalecer a agrobiodiversidade. “Protegendo nossa alimentação também protegemos nossa cultura”, disse Miaraip.

Fonte: Envolverde

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