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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Um alerta para extremos climáticos em São Paulo

Professor do Departamento de Recursos Hídricos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, dr. Wilson Cabral de Sousa Jr., alerta para extremos climáticos em São Paulo. Confira na entrevista concedida ao jornalista  Júlio Ottoboni.


As alterações climáticas projetadas para o Sudeste, como a má distribuição da chuvas e mudanças em seu regime, podem confirmar um quadro mais severo para os próximos anos para as reservas hídricas principalmente de São Paulo?

É difícil precisar a ocorrência de situações mais ou menos severas em função das projeções de alterações climáticas, especialmente em se tratando de uma escala municipal – os modelos lidam com escalas mais adequadas a regiões. No entanto, parece claro que haverá mudanças de padrões climáticos e maior incidência de eventos extremos de temperatura e precipitação, fato que impacta diretamente as reservas hídricas, ora diminuindo os estoques hídricos, ora gerando picos de inundação.

O adensamento da malha urbana, sem planejamento ambiental, prejudica de que maneira os recursos hídricos?

São vários os impactos do adensamento não planejado da malha urbana sobre os recursos hídricos, dentre eles: a impermeabilização do solo e aumento do escoamento superficial a ponto de gerar enchentes e reduzir a alimentação dos aquíferos subterrâneos; a formação de ilhas de calor, as quais podem influenciar localmente a evaporação e precipitação; e a ampliação da demanda por água e geração de esgoto,  o que compromete a quantidade e qualidade das águas.

Ainda há uma forte ilusão no imaginário popular que o aquífero Guarani supriria a população de megalópoles como São Paulo e de metrópoles como as regiões do Vale do Paraíba, Campinas, Ribeirão Preto e a grande Rio de Janeiro. Embora hoje se saiba que inexiste uniformidade inclusive na potabilidade da água do aquífero. Como equacionar o problema das grandes concentrações urbanas?

Há um grande equívoco no planejamento (ou na falta de) das metrópoles brasileiras no que concerne ao provimento de água e de outros recursos naturais: considera-se uma capacidade infinita de oferta, seja local, seja possibilitada por transposições de regiões adjacentes, ou ainda, pela prerrogativa de se encontrar novas fontes, como o aquífero Guarani. Esta premissa influencia os planos, quando existentes, especialmente de recursos hídricos, de forma que ao se prever qualquer constrição de demanda, os investimentos sempre são no sentido de se buscar novas fontes, em detrimento de ações conservacionistas e adaptativas. Assim, não há preocupação com o uso parcimonioso, para não dizer “sustentável”*, da água e demais recursos naturais, e a crise passa a ser então sistêmica e recorrente, como a atual.

Em sua opinião, a megalópole paulistana está fadada a se extinguir no futuro por falta de água potável, como já ocorreu em outras grandes cidades de civilizações mais antigas?

Há estudos que evidenciam as (des)economias de escala a partir do momento em que as cidades atingem determinado tamanho. O caso paulistano é ilustrativo deste processo. No entanto, vejo o momento atual como uma grande oportunidade para uma mudança significativa na forma de se pensar e viver na metrópole paulistana. No que concerne à água, isso exigiria uma mudança do modelo de gestão de oferta para um de gestão de demanda, de maneira a privilegiar os usos mais eficientes e desincentivar aqueles perdulários. No médio e longo prazos, a configuração de um plano cuja meta principal estivesse associada à independência de fontes externas à bacia hidrográfica, poderia garantir a sustentabilidade nos usos de água para a metrópole. Note que, do ponto de vista do balanço quantitativo entre oferta x demanda de água na Região Metropolitana de São Paulo, a vazão média do rio Tietê seria suficiente para o abastecimento dos municípios. No entanto, como o nível de tratamento de esgotos e lançamento de poluentes é baixo, ocorre escassez relativa de água e esta não é, portanto, suficiente para o atendimento da demanda. Por outro lado, a queda da velocidade de expansão populacional na metrópole paulistana conduz a um cenário favorável a estas mudanças.

Até que ponto a mobilização popular pela ‘ preservação’ da água vai contribuir para evitar problemas como os que São Paulo enfrentou no início deste ano? Ou isso não passa de ações pontuais e paliativas para um quadro muito mais complexo e dramático?

Mobilizações casuísticas em situações contingenciais podem até resolver questões e problemas localizados. Mudanças a partir do ganho intrínseco de consciência populacional são possíveis se pensadas em um período de tempo muito longo, tempo este que não temos. Assim, o protagonismo do poder público e das instâncias participativas de tomadas de decisão, como os Comitês de Bacia, são essenciais, em minha opinião, para orientar a trajetória e garantir que metas sejam cumpridas em um prazo compatível com as necessidades de sustentabilidade das quais falamos. Mas vejam que o discurso e as medidas adotados pelo poder público até então, no que tange à crise atual, não contribuem para uma solução duradoura. Como exemplo, a bonificação pela redução do consumo de água na metrópole, um instrumento econômico interessante para a redução de desperdícios, além de só ter sido lançada na crise, abrange apenas a porção populacional atendida pelo sistema mais crítico, o Cantareira, gerando assimetrias em termos do comportamento esperado da população.

Até que ponto as alterações climáticas, como o aquecimento do planeta e mudanças no macro e microclima, podem influenciam as políticas de longo prazo para o setor de abastecimento de água?

Até então no Brasil (União, Estados e Municípios) pouco se fez em relação à adoção de medidas adaptativas às mudanças climáticas e a principal razão está relacionada provavelmente ao tempo político. Políticas e ações de longo prazo somente são adotadas no Brasil quando rendem alguma visibilidade no curto prazo. Boa parte das medidas adaptativas exigiria alguma mudança de padrão que, via de regra, é entendida como “perda” ou “retrocesso” no modelo econômico vigente, fato que também afasta os políticos responsáveis pela tomada de decisão. Por outro lado, mas não menos importante, está à existência de um contingente técnico-político cético em relação ao aquecimento global e seus possíveis efeitos. Uma situação de iminente ruptura, como a atual, poderia representar um divisor de águas neste sentido. A falta de chuvas consistentes nas próximas semanas colocará São Paulo em uma situação de decisões importantes para o futuro de curto, médio e longo prazos.

* A universalização do termo “sustentabilidade” gerou ações muitas vezes contraditórias em relação ao conceito. Uma delas, protagonizada por uma empresa de cerveja, na RMSP,  garantia bônus a munícipes que reduzissem o consumo de água. Tais bônus, entretanto, eram utilizados para aquisição de bens de consumo de parceiros comerciais, cuja produção é, via de regra, altamente demandante de água.

* Wilson Cabral de Sousa Junior é Oceanógrafo, com Doutorado em Economia Aplicada. Conselheiro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, é professor do Departamento de Recursos Hídricos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, e autor do livro “Gestão das águas no Brasil: reflexões, diagnósticos e desafios”, dentre outros.

Fonte: Envolverde

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