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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Que temos a propor para nossas crises? artigo de Washington Novaes

No momento em que a comunicação relembra os 30 anos do início do movimento Diretas-Já – reprimida pelo Ato Institucional n.º 5, a mudança de regime pretendida só ocorreria mais de uma década depois, com a Constituição de 1988 -, sucedem-se hoje no País sinais de profunda insatisfação na sociedade, protestos populares nas ruas e reivindicações pontuais, crises em muitas áreas de governo em todos os níveis, mudanças ou perda de valores sociais ou individuais.
Da mesma forma, sobrevêm novas visões acadêmicas de mundo e propostas para uma “crise global”. Onde desaguará tudo isso?

É paradoxal também, porque pesquisas divulgadas por este jornal (12/1) dizem que a maioria das pessoas continua otimista, embora se tenha reduzido seu porcentual do ano passado para este (de 72% para 57%). E o índice brasileiro está 9 pontos acima da “percepção global”. Outra pesquisa (Estado, 11/1) informa que o Brasil “está entre os 12 países mais cobiçados para morar”. Crescimento econômico e “boa imagem cultural” são os fatores que mais pesam. Mas os brasileiros que gostariam de morar fora – principalmente nos Estados Unidos – são exatamente os mais ricos.

E tudo acontece em meio a crises como a do Estado do Maranhão, com a falência do sistema prisional, a decapitação de presos e a desmoralização do poder local, que na mesma hora abre licitações para comprar camarões, lagostas e quejandos, embora o governo estadual alegue que a crise ali não é diferente da que se verifica em todo o País e o Estado tenha hoje uma renda per capita de R$ 7.852. 

De fato, outras fontes lembram que no Brasil todo mais de 50 mil pessoas foram assassinadas no ano passado (Folha de S.Paulo, 10/1). A situação nos presídios, segundo a ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, professora Julita Lemgruber, deve-se ao fato de que “nossa sociedade é profundamente hierarquizada. Há cidadãos de primeira, segunda, terceira classe e os não cidadãos – pessoas sem voz e consideradas sem direito (…). Fazer intervenção no Maranhão sem que se cuide da gangrena que é o funcionamento do sistema de Justiça Criminal não adianta nada” (11/1). De certa forma, concorda o relator especial da ONU sobre tortura, Juan Ernesto Méndez: “Quanto mais se criam presídios, mais se enchem as prisões. É preciso criar medidas de regeneração, baixar as penas, melhorar o acesso à liberdade condicional (…). O Brasil abandonou a ideia de recuperação de presos (…). Não podemos perdê-la, senão as tragédias como essa do Maranhão vão ocorrer” (12/1), observa Méndez.

Seja como for, será muito difícil. Ainda temos 14 milhões de famílias recebendo do Bolsa Família apenas R$ 150 mensais, em média – fora as que não são nem cadastradas, alguns milhões. Mas não é só nessas áreas críticas que estão os problemas que se inter-relacionam hoje. Também parece evidente uma progressiva perda de valores coletivos e individuais que nortearam a conduta social e pessoal durante séculos. A ponto de termos agora prisão de quadrilha de 30 pessoas que furta peças de bronze e depreda túmulos em cemitérios tradicionais, como ocorreu há poucos dias (10/1) em São Paulo. 

Grupos mobilizam-se para reivindicar a legalização do plantio e uso da maconha, como no Uruguai. Um campus da Universidade de São Paulo, com 5 mil alunos, teve de transferir suas atividades por estar interditado e não ser capaz de resolver problemas decorrentes de sua instalação numa antiga área de deposição de lixo tóxico e de estar infestado de piolhos de pombos. E veem-se todos os dias manifestações em que valores que norteavam a conduta de jovens são apontados como anacrônicos – importa a satisfação pessoal, a qualquer preço. Até o mundo do futebol está em crise.

Que mundo é esse em que a China já ultrapassa os Estados Unidos como a nação com o maior volume de comércio internacional entre todas (Estado, 11/1)? Em que “economistas da nova safra se libertam da inflação” e se mostram mais interessados em “estudar como a educação e as instituições interferem no desenvolvimento” (Folha de S.Paulo, 12/1)?

E como se construirá no País um projeto político capaz de contemplar as novas visões sociais, os novos desejos? Como já se escreveu neste espaço há alguns meses, os protestos de rua no ano passado mostraram que não havia um caminho comum entre os que participavam das manifestações. Havia portadores de reivindicações específicas (redução do preço de passagens no transporte público, mais postos de saúde e com melhor atendimento, escolas mais eficazes, etc.), como havia vândalos, simplesmente.

Aonde se pretende chegar com reforma política? Ao voto não obrigatório? A um sistema distrital de eleição? A um sistema distrital misto? À continuação do que aí está? Ou caminhar para onde? Também já se escreveu que em outros países – principalmente no Oriente Médio, na África e no sul da Ásia – as manifestações derrubaram governos, colocaram em seu lugar outros que não tinham projetos capazes de satisfazer todos os manifestantes, alguns dos novos também já foram derrubados.

Esta é a questão mais urgente para o Brasil: construir uma proposta política adequada aos novos tempos. Não permitir que se caminhe para um rumo desconhecido e que provavelmente trará surpresas desagradáveis. Um país com o potencial brasileiro precisa se antecipar ao chamado “futuro sustentável” – caminhar para a modernidade em todas as áreas (energética, ambiental) e para a correção de injustiças sociais que nos levam a convulsões em tantos lugares, e com tanta frequência.

Não há como negar que a crise ronda a área do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, como ronda a área social, agiganta problemas ambientais, acena com crises econômicas. Quanto mais rapidamente se encarar o panorama, maior a possibilidade de encontrar caminhos – desde que não se tente apenas a repetição do que já está em crise.

*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Fonte: EcoDebate

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