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quinta-feira, 16 de março de 2017

A simbologia da arte cemiterial portuguesa

Além de espaços de contacto entre a vida e a morte, os cemitérios são cada vez mais aceites, no contexto português, como autênticos arquivos e museus a céu aberto, capazes de oferecer um valioso reflexo da cultura e mentalidade da época da sua construção.
Uma grande parte deste acervo artístico, especialmente a partir do século XIX, é composta por arte tumular, cuja simbologia pretende, em parte, descrever a vivência dos que já faleceram, e expor as expectativas para aquilo que os espera depois da morte.

Os símbolos utilizados na arte tumular são, na sua maioria, reconhecíveis e comuns a outras artes, embora adquiram particular significado ao ser utilizados num contexto fúnebre. A sua interpretação nem sempre é linear, pois um mesmo símbolo pode ter diversos significados, consoante o contexto e o período histórico do qual é originário.

Um dos símbolos de mais fácil interpretação é a combinação do Alfa e do Ómega, a primeira e última letra do alfabeto grego, por vezes representadas entrelaçadas. Representam o princípio e o fim, e podem ser utilizadas como indicação gráfica das datas de nascimento e morte – o Alfa representando o início da vida, e o Ómega representando o seu término. Da mesma forma, a ampulheta é utilizada na arte tumular para representar a passagem contínua do tempo, que culminará sempre na morte. Quando representada com asas, sejam de morcego ou de anjo, significa, literalmente, “o tempo voa”, aludindo ao carácter efémero da vida, com as ilações morais que daí se podem extrair.

Também os motivos naturais e, particularmente, florais são de comum representação nos túmulos erguidos durante o Romantismo português. A papoila-dormideira, facilmente identificável devido à sua forma bolbosa, era um símbolo de leitura simples para a sua época, devido às propriedades narcóticas do ópio, de uso recreativo comum. Assim, num contexto fúnebre, a papoila pode facilmente representar a força do sono e do esquecimento que se apodera dos homens depois da morte, e antes do renascimento. Outras flores fáceis de encontrar no cemitério Romântico são as perpétuas e as saudades. Representadas frequentemente entrelaçadas, a sua interpretação deve ser feita de forma literal, resultando na combinação “perpétua saudade” ou “saudade perpétua”.

Outro símbolo advindo do mundo natural, especialmente popular durante o século XIX, é o tronco de ramos quebrados, cujo significado é também comum à coluna ou pilar quebrado. Ambos podem simbolizar uma vida que terminou demasiado cedo – por exemplo, por a pessoa em questão ter partido jovem, antes do seu tempo.

A arte tumular recorre também, ocasionalmente, a animais para simbolizar determinadas virtudes. O cão, por exemplo, é considerado um símbolo de fidelidade, lealdade, vigília e vigilância, e pode inclusive representar um animal de estimação real. Já o mocho ou a coruja trazem consigo uma certa ambiguidade na interpretação—se, por um lado, são símbolos facilmente reconhecíveis do conhecimento racional e da sabedoria, o facto de serem aves nocturnas remete para conceitos mais obscuros, como a solidão ou as trevas. Nos cemitérios, são comuns os mochos em posição de vigilância, evocando a ideia da morte como noite.

No entanto, nem só de símbolos usados também em outros contextos se compõe a arte tumular portuguesa. Vários símbolos proximamente associados à mortalidade são frequentemente utilizados nos cemitérios, estes de interpretação mais linear. A caveira é um dos mais reconhecíveis, simbolizando a morte corporal. Para uma caveira representada entre duas tíbias cruzadas, acrescenta-se uma camada adicional de simbolismo – a função de memento mori, ou de lembrança da mortalidade para os que ficam para trás. Também a representação de tochas invertidas na arte tumular simboliza que o sentido natural da vida foi invertido, dando lugar à morte. Finalmente, também a urna é um símbolo comummente utilizado na arte tumular, sob três formas distintas—a urna ossário, a urna lacrimal, e a urna cinerária. Esta última é uma metáfora característica do período Romântico que, pela representação das cinzas, evoca a morte do corpo, mas sem que se veja o mesmo.

Para além destes, muitos outros símbolos poderão ser encontrados nos cemitérios Portugueses, em maior ou menor destaque, pois também a sua popularidade tem sido variável ao longo do tempo – tendo alguns, inclusive, caído em desuso. A sua importância, no entanto, mantém-se, permitindo ao visitante contactar com o espaço cemiterial de forma não só pessoal, mas também lúdica e cultural.

Fonte: Associação de Agentes Funerários do Centro

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