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terça-feira, 29 de julho de 2014

Festejar é afirmar a bondade da vida

O tema da festa é um fenômeno que tem desafiado grandes nomes do pensamento como R. Caillois, J. Pieper, H. Cox, J. Motmann e o próprio F.Nietzsche.
É que a festa revela o que há ainda de mítico em nós no meio da prevalência da fria racionalidade. Quando se realizou a Copa de futebol no Brasil no mês de junho/julho do corrente ano de 2014 irromperam as grandes festas, em todas as classes sociais, verdadeiras celebrações. Mesmo depois da humilhante derrota do Brasil frente à Alemanha, as festas não esmoreceram. Na Costa Rica, mesmo não sendo a campeã do mundo, mas mostraram excelente futebol, até o Presidente saiu à rua para celebrar. Não foi diferente na Colômbia.

A festa faz esquecer os fracassos, suspende o terrível cotidiano e o tempo dos relógios. É como se, por um momento, participássemos da eternidade, pois na festa não percebemos o tempo passar.

A festa, em si, está livre de interesses e finalidades, embora haja festas para negócios onde a festa se transforma em beber, comer e negociar. Mas na festa que é festa, todos estão juntos não para aprenderem ou ensinarem algo uns aos outros, mas para alegrarem-se, para estar aí, um-para-o-outro comendo e bebendo na amizade e na concórdia. A festa reconcilia todas as coisas e nos devolve a saudade do paraíso das delícias, que nunca se perdeu totalmente. Platão sentenciava com razão: ”os deuses fizeram as festas para que pudessem respirar um pouco”. A festa não é um só um dia dos homens, mas também “um dia que o Senhor fez” como diz o Salmo 117,24. Efetivamente, se a vida é uma caminhada onerosa, precisamos, às vezes, parar para respirar e, renovados, seguir adiante.

A festa parece um presente que já não depende de nós e que não podemos manipular. Pode-se preparar a festa. Mas a festividade, vale dizer, o espírito da festa, surge de graça. Ninguém a pode prever nem simplesmente produzir. Apenas nos podemos preparar interior e exteriormente e acolhê-la.

Pertence à festa mais social (bodas, aniversário) a roupa festiva, a ornamentação, a música e até a dança. Donde brota a alegria da festa? Talvez Nietszche tenha encontrado sua melhor formulação: ”para alegrar-se de alguma coisa, precisa-se dizer a todas as coisas: sejam bem-vindas”. Portanto, para podermos festejar de verdade precisamos afirmar positivamente a totalidade das coisas: ”Se pudermos dizer sim a um único momento então teremos dito sim não só a nós mesmos, mas à totalidade da existência” (Der Wille zur Macht, livro IV: Zucht und Züchtigung n.102).

Esse sim subjaz às nossas decisões cotidianas, em nosso trabalho, na preocupação pela família, na convivência com os colegas. A festa é o tempo forte no qual o sentido secreto da vida é vivido mesmo inconscientemente. Da festa saímos mais fortes para enfrentar as exigências da vida.

Em grande parte, a grandeza de uma religião, cristã ou não, reside em sua capacidade de celebrar e de festejar seus santos e mestres, os tempos sagrados, as datas fundacionais. Na festa, cessam as interrogações do coração e o praticante celebra a alegria de sua fé em companhia de irmãos e irmãs que, com eles, partilham das mesmas convicções, ouvem a mesma Palavra sagrada e se sentem próximos de Deus.

Vivendo desta forma, a festa religiosa, percebemos de como é equivocado o discurso que sensacionalisticamente anuncia a morte de Deus. Trata-se de um trágico sintoma de uma sociedade saturada de bens materiais, que assiste lentamente não a morte de Deus, mas a morte do homem que perdeu a capacidade de chorar, de se alegrar pela bondade da vida, pelo nascer do sol e pela carícia entre dois namorados.

Novamente nos socorre Nietzsche, que muito entendeu da verdade essencial do Deus vivo, sepultado sob tantos elementos envelhecidos de nossa cultura religiosa e da rigidez da ortodoxia das igrejas: a perda da jovialidade, isto é, da graça divina (jovialidade vem de Jupter, Jovis). É a consequência fundamental da morte de Deus (Fröhliche Wissenschaft III, aforismo 343 e 125).

Pelo fato de havermos perdido a jovialidade, grande parte de nossa cultura não sabe festejar. Conhece, sim, a frivolidade, os excessos do comer e beber, os palavrões grosseiros, e as festas montadas como comércio, nas quais há tudo menos alegria e jovialidade.

A festa tem que ser preparada e somente depois celebrada. Sem esta disposição interior corre o risco de perder seu sentido alimentador da vida onerosa que levamos. Hoje em dia vivemos em festas. Mas porque não sabemos nos preparar nem prepará-las. Saímos delas vazios ou saturados quando seu sentido era de encher-nos de um sentido maior para levar avante a vida, sempre desafiante e para a maioria, trabalhosa.
Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

Fonte: Mercado Ético

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