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sexta-feira, 10 de abril de 2015

Bactérias combatem bactérias para conservar alimentos

Aumentar o valor nutricional e melhorar a segurança de produtos alimentícios a partir da utilização de compostos produzidos por microrganismos presentes nos próprios alimentos são objetivos de um grupo de pesquisadores no Estado de São Paulo. Para avançar nos resultados de seus estudos, eles contam com a colaboração de colegas argentinos.


Em São Paulo, o grupo é formado por cientistas do Centro de Pesquisa em Alimentos (Food Research Center, FoRC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP. Os colaboradores na Argentina integram o Centro de Referencia para Lactobacilos (Cerela).

Um dos resultados da pesquisa foi a bem-sucedida utilização de bacteriocinas para aumentar a segurança do queijo minas, um queijo típico brasileiro e muito fácil de ser preparado, como explicou Bernadette Gombossy de Melo Franco, coordenadora do FoRC e professora titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).

“O queijo minas é feito em pequena escala no Brasil e tem muitos casos de contaminação por Listeria monocytogenes. Nosso propósito foi usar bactérias que já estão no leite, selecionando entre elas as que são produtoras de bacteriocinas, isolando-as e colocando-as de volta no leite com a função específica de inibir a multiplicação do patógeno e, com isso, poder produzir o alimento com maior segurança. Conseguimos um efeito semelhante na produção de leite de cabra”, disse Franco, em palestra na FAPESP Week Buenos Aires que integrou o painel “Alimentos Funcionais”.

Mas o que são essas bacteriocinas, que têm atraído a atenção de pesquisadores e da indústria de alimentos? “São polipeptídeos sintetizados nos ribossomas de bactérias láticas que exibem atividade bactericida ou bacteriostática, ou seja, ou matam microrganismos ou inibem a sua multiplicação sem matá-los”, explicou Franco, que é pró-reitora de Pós-Graduação da USP.

Por sua vez, as bactérias láticas são microrganismos presentes em vários ambientes e que apresentam a propriedade de transformar açúcares (carboidratos) em ácido lático.

“Essa propriedade pode ser explorada de várias maneiras tecnológicas para aumentar o valor nutricional ou a segurança do produto alimentar. E elas podem ter muitas outras funções. Em fins terapêuticos, por exemplo, já que podem ser utilizadas como vetores de uma série de genes responsáveis pela produção de compostos importantes do ponto de vista médico, ou químico, devido à grande variedade de compostos que elas podem produzir”, disse Franco.

“O grupo das bactérias láticas é muito grande, composto de mais de 200 gêneros de microrganismos diferentes. E são vários os compostos que elas produzem e que podem ter atividade funcional, ou seja, agregar benefícios ao alimento onde estão. Podem ser enzimas, vitaminas, exopolissacarídeos, adoçantes, probióticos e compostos com atividade antimicrobiana”, disse.

E é nessa atividade antimicrobiana que está o interesse da pesquisa feita no FoRC e no Cerela. “Esses agentes antimicrobianos, que podem ser usados tanto na área médica como na conservação de alimentos, são também muito variados. Podem ser ácidos orgânicos, diacetil, peróxido de hidrogênio, dióxido de carbono, compostos de baixo peso molecular e, principalmente, as bacteriocinas”, contou Franco, que é membro da Coordenação da Área de Engenharia e da Coordenação Adjunta do Plano Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Estado de São Paulo da FAPESP.

A pesquisadora explica que as bactérias láticas são utilizadas como bioconservantes em alimentos há milênios – cerca de 6 mil anos a.C. –, sem que se soubesse qual era o composto químico responsável pela conservação.

“Um exemplo de aplicação prática das bacteriocinas na conservação de alimentos está no controle da bactéria Listeria monocytogenes, um patógeno que causa doenças de gravidade variada, podendo levar até a morte um indivíduo afetado. Trata-se de um microrganismo psicrotrófico, isto é, que se multiplica em ambiente refrigerado, em temperaturas em que são armazenados os alimentos. É resistente ao sal e a desinfetantes e tem a capacidade de aderir à superfície dos equipamentos utilizados pela indústria de alimentos, formando os chamados biofilmes. E sobrevive por longo tempo nesses ambientes”, disse Franco.

Nova definição

Franco explica que a definição científica usada desde 1994 para as bacteriocinas afirma que sua atividade é importante apenas contra outras bactérias com as quais elas são geneticamente relacionadas. E aí entra outra contribuição da pesquisa feita no FoRC.

“Nós estamos contribuindo com informações e mostrando que essa classificação precisa ser revista. Em um artigo publicado por nosso grupo com nossos parceiros argentinos, mostramos que as bacteriocinas são ativas também contra vírus e contra leveduras”, disse.

“Também conseguimos resultados importantes ao encapsular bacteriocinas em nanovesículas de lipídeos, protegendo as bacteriocinas da própria ação da matriz alimentar”, contou Franco.

As descobertas salientam a importância de pesquisas sobre as bacteriocinas e outros compostos com atividade funcional. Com tanto potencial de aplicação, o interesse tem sido cada vez maior.

“Estudos com bacteriocinas têm crescido muito nos últimos anos, com um grande aumento no número de publicações científicas sobre o tema em todo o mundo, inclusive no Brasil. Mas precisamos de mais estudos para melhorar o conhecimento atual das possíveis aplicações das bacteriocinas para a conservação de alimentos”, disse Franco.

“Entretanto, é importante destacar que as bacteriocinas não são uma panaceia que vai resolver o problema da contaminação de alimentos. Elas são uma ferramenta a mais, que podem ser usadas em conjunto com outros métodos de preservação de alimentos. Sua atividade depende, por exemplo, da própria cepa da bactéria, da matriz alimentar onde se encontra e é afetada por fatores ambientais”, disse.

Na palestra em Buenos Aires, Franco falou também sobre um projeto conduzido em parceria com pesquisadores da Universidad Tucumán e do Cerela, selecionado em chamada de proposta lançada pela FAPESP em parceria com o Conicet.

No projeto, os pesquisadores buscam bactérias láticas produtoras de vitaminas em produtos artesanais na Argentina e no Brasil para a produção de alimentos funcionais, enriquecidos com folatos e riboflavinas.

Pão sem glúten

O painel “Alimentos Funcionais”, que teve como coordenadora a professora Maria Cristina Añon, da Universidad Nacional La Plata, contou com palestra de Maria Taranto, pesquisadora do Departamento de Biotecnologia em Alimentos do Cerela, que falou sobre o uso de probióticos láticos em alimentos funcionais.

Vanessa Dias Capriles, professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), falou sobre desafios tecnológicos e nutricionais na panificação sem glúten. Em pesquisa com apoio da FAPESP por meio do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, ela busca desenvolver pão sem glúten com boa qualidade tecnológica, tanto nutricional como sensorial, “de modo a contribuir para a melhor nutrição, saúde e qualidade de vida dos indivíduos celíacos”.

Capriles destacou que a doença celíaca é uma das intolerâncias alimentares de maior prevalência mundial e está impulsionando a demanda por produtos sem glúten. “Entretanto, o glúten é uma proteína estruturante essencial para a elaboração de pães. Por isso, a obtenção de pães sem glúten é um desafio tecnológico”, disse.

Encerrando o painel, Daniel Barrio, professor na Universidad Nacional de Río Negro, falou sobre peptídeos bioativos provenientes de proteínas alimentares.

Apresentações feitas na FAPESP Week Buenos Aires e mais informações sobre o simpósio estão em: www.fapesp.br/week2015/buenosaires

Fonte: Fapesp

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