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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Pesquisador da Fiocruz fala sobre suicídio como problema de saúde pública

Na última semana, o caso do copiloto alemão que pode ter causado um acidente de avião que matou 150 pessoas nos Alpes franceses trouxe à tona mais uma vez o tema suicídio.

Apesar de ser uma questão de saúde pública, o suicídio é um dos tabus que permeiam o imaginário da sociedade. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 800 mil pessoas se suicidam no mundo e, a cada 40 segundos, uma pessoa tenta se matar. No Brasil, são registradas mais de 10 mil mortes por ano. Mas o que leva tantas pessoas a tirarem a própria vida? Por que o número de pessoas que se suicidam tem crescido nos países em desenvolvimento? E por que falar em suicídio é tão difícil?

Para responder a essas e outras perguntas, a Agência Fiocruz de Notícias entrevistou o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) Carlos Eduardo Estellita-Lins. Estudioso do tema há anos, Estellita, que coordena o Grupo de Pesquisa de Prevenção do Suicídio (PesqueSui/Icict/Fiocruz), organizou o livro Trocando seis por meia dúzia – Suicídio como emergência do Rio de Janeiro, que relata o atendimento, nas emergências dos hospitais da cidade, a pacientes que tentaram se matar.

Acredita-se que, se o suicídio for abordado na mídia, ele pode ser incentivado na população. Por que o suicídio é um tabu social e ainda não é considerado uma questão de saúde pública?

Carlos Eduardo Estellita-Lins: Situações envolvendo violência e suicídio são frequentemente abordadas na mídia, mas, muito frequentemente, de modo ingênuo, preconceituoso, descuidado e até sensacionalista. Pessoas em crise psíquica e risco de suicídio podem ser diretamente influenciadas. A Organização Mundial da Saúde criou recomendações aos profissionais de imprensa, há alguns anos, que ainda são desconhecidas dos profissionais de comunicação. É, sobretudo, importante não “glamourizar” o personagem famoso, nem tampouco descrever detalhadamente a cena ou enfatizar os meios de autoextermínio. É recomendável somar algum comentário sobre transtornos mentais ligados ao desfecho e reafirmar o sucesso das iniciativas de prevenção. A Fiocruz foi pioneira, organizando um evento que reuniu jornalistas e pesquisadores discutindo o tema. O suicídio é um tabu por motivos sociais, de caráter moral e religioso, que devem ser respeitados, porém, precisam ser mais discutidos. Ainda há muito o que fazer para que seja considerado uma questão de saúde pública.

Nos países desenvolvidos, houve um sutil declínio nas taxas de suicídio. Já nos países em desenvolvimento como o Brasil, nos últimos 20 anos, observou-se crescimento de 30% na incidência de suicídio entre jovens do sexo masculino entre 15 e 30 anos de idade. A que se deve o declínio nos países desenvolvidos e o aumento em países em desenvolvimento?

Estellita-Lins: Na Europa e em países anglo-saxões, houve uma percepção do problema, há mais de quatro décadas, com estudos epidemiológicos sustentando políticas de prevenção. A questão das drogas ilícitas e os avanços na terapêutica do espectro depressivo (incluindo a psicofarmacologia) auxiliaram em intervenções, visando o desfecho suicídio, que permanece fortemente associado a ambos. Campanhas continuadas de prevenção e preocupação com a promoção de saúde mental parecem ter tido algum impacto. Houve investimento em atendimento psiquiátrico de emergência (treinamento de avaliação de risco e protocolos de intervenção) que, uma vez realizado, abriu caminho para uma crescente preocupação com o suicídio na assistência primária, cuidando de usuários em risco. No Brasil, encontramos esforços relevantes como do grupo do Prof.Neury Botega na Unicamp, porém, mesmo em instituições de saúde pública, observamos uma compreensão simplista do processo de medicalização da sociedade e preconceitos contra um preventivismo já ultrapassado. Esta falta de pragmatismo e o excesso de teorias críticas “fora do lugar” atravancam ações preventivas desenhadas para maior efetividade.

Quanto ao crescimento nas taxas de suicídio de jovens, podemos lembrar que uma interiorização da violência e do suicídio está ocorrendo no Brasil (vide Relatório Waizelfiz). Mais jovens em cidades menores têm se suicidado. Em comunidades indígenas, já atingimos índices alarmantes (entre 20 e 30 por 100 mil). No último congresso mundial de psiquiatria, promovido pela Associação Mundial de Psiquiatria (WPA), levei um trabalho do grupo PesqSui da Fiocruz discutindo as taxas de suicídio do idoso e, no congresso deste ano da Associação de Psiquiatria Infantil (Abenepi), ministramos um curso voltado para a prevenção do suicídio no adolescente. Tudo leva a crer que há uma complexa superposição de fatores predisponentes, como o uso mais precoce e maior de álcool e drogas, transformações da família e da vida social nas cidades, maior prevalência de transtornos psiquiátricos, despreparo ou ausência de profissionais especializados para tratar, assim como de generalistas para detectar casos e acompanhar, entre outros…

Quais são as causas mais conhecidas para o suicídio?

Estellita-Lins: A rigor, o suicídio não é uma coisa ou entidade clínica, pois se trata de um agravo que está associado a vários transtornos mentais. É um desfecho clínico encontradiço no espectro depressivo, no abuso de álcool e substâncias, em transtornos de personalidade, nas esquizofrenias. Eventualmente, há comorbidade entre alguns destes diagnósticos. Geralmente, a impulsividade e a desesperança são fatores associados muito relevantes. A falta de apoio social e a solidão também têm sido estudadas.

O homem se suicida três a quatro vezes mais que a mulher. Por que essa incidência maior entre homens? A genética também pode ser fator determinante?

Estellita-Lins: Um modelo simplificado, porém considerado útil ao clínico, reza que homens adultos cometem mais suicídio utilizando meios de alta letalidade (armas de fogo, enforcamento, p.ex.), enquanto mulheres jovens fazem mais tentativas com meios de baixa letalidade (intoxicações, p.ex.). A rigor, importa saber que uma tentativa recente, nos últimos seis meses, possui alto poder preditivo para novas tentativas. O gênero e a genética são pertinentes em discussões acadêmicas, mas, um enfoque pragmático, deve ressaltar que importa observar, na experiência de sofrimento, as ideias de acabar com a própria vida (ideação suicida) e sua evolução para um plano de como fazê-lo (intenção).

No Brasil, são registrados, ao ano, 10 mil mortes por suicídio. Por ser um tabu social e, por isso, um assunto pouco abordado, é possível que haja uma subnotificação e que esse número seja ainda maior no país?

Estellita-Lins: No Brasil, são registradas mais de 10 mil mortes ao ano por suicídio, com uma taxa de 4,9 em 2009. Quando examinamos as mortes por causas externas no DataSUS, salta aos olhos a ampla fatia de óbitos não especificados. É possível que mais de 20% destes sejam suicídios não investigados ou deliberadamente subtraídos no preenchimento do atestado. Ocorre subimputação e mesmo subregistro. Quanto aos preconceitos, é preciso avançar na defesa dos direitos humanos e civis não somente dos vivos, mas também daqueles que morrem e de suas famílias. A interface médico-legal permanece sucateada e interessa somente aos processos criminais de pessoas ricas. A assistência dita suplementar procura se eximir da cobertura de tentativas de suicídio, ocorrendo ou não óbito, com argumentos distintos em cada caso.

Quais são os fatores de risco para o suicídio?

Estellita-Lins: Antes de tudo, é preciso explicitar os termos. “Risco de suicídio” significa que uma pessoa foi avaliada através de uma ferramenta clínica validada e legítima, que busca determinar as chances de autoextermínio, quantificando a gravidade e sugerindo condutas clínicas protetoras e terapêuticas. Os estudos epidemiológicos de “fatores de risco” possuem delineamento bastante complexo e não estão disponíveis em qualidade ou quantidade no que concerne ao risco ou ao desfecho suicídio. Trata-se de um fenômeno complexo, multifatorial e plurietiológico, como quase tudo em psiquiatria e saúde mental. Estimam-se inúmeros fatores de risco. Eu diria que o principal fator é simplesmente estar vivo, afinal, todos nós já pensamos em morrer algumas vezes… o que não nos coloca, necessariamente, em risco de suicídio.

No Brasil, não há campanhas de saúde pública que tratam do tema, já que ele é considerado um tabu social. O que poderia ser feito, em termos de políticas públicas para a prevenção do suicídio?

Estellita-Lins: Sugiro que não se reinvente a roda. Basta retomar, seriamente, às inúmeras diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde, em 2005. Durante a pesquisa de campo, ao mesmo tempo em que encontramos profissionais de saúde despreparados, também encontramos atores sociais altamente envolvidos, por exemplo, o grupo do Nace, no projeto UERJ pela vida, que busca criar soluções compartilhadas para a arquitetura-suicidódromo e cuidar dos universitários em risco. Ou ainda o belo filme Elena, que começa a catalisar pessoas interessadas em trabalhar com os sobreviventes, isto é, com os familiares e amigos de alguém que tirou sua própria vida. Menciono, ainda, os cursos de saúde mental do Laps\Ensp/Fiocruz (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública) e da EPSJV/Fiocruz (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio), que criaram módulos de ensino dedicados à prevenção do suicídio.

O livro Trocando seis por meia dúzia – Suicídio como emergência do Rio de Janeiro, relata o atendimento, nas emergências dos hospitais da cidade, a pacientes que tentaram se matar. Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde no atendimento desses casos no Brasil?

Estellita-Lins: Entre outras precariedades, o atendimento às emergências constitui um aspecto estratégico para o SUS, que precisa ser constantemente discutido. Residentes de psiquiatria ou de saúde mental multiprofissional desconhecem urgências e crise por absoluta falta de treinamento. Não se conseguiu inserir emergências psiquiátricas dentro do hospital geral, local onde elas permanecem, no mundo civilizado. A iniciativa das UPAS permanece controversa e incapaz de contribuir com a questão. Os profissionais precisam de formação em urgências psiquiátricas e suicidologia. A mesma atitude da sociedade pode ser percebida nos profissionais de saúde, guiados apenas pelo senso comum: -“Suicídio é problema. Suicídio não é meu problema! Chama alguém, chama o psicólogo, mas tira esse cara logo daqui!” Precisamos admitir que o suicídio é uma questão que diz respeito a todos os profissionais de saúde. Todos nós devemos buscar capacitação profissional para lidar com isto.

Existe a crença de que quem deseja se suicidar não fala a respeito. Isso realmente acontece ou a pessoa que pretende cometer esse ato geralmente dá algum sinal?

Estellita-Lins: Ocorre o contrário! As pessoas se aliviam quando encontram alguém que os compreende no interior desta estranha experiência. É descrito um efeito catártico, de “disclosure”, de compartilhamento, que é benéfico, porém, limitado. Muitas vezes, é necessário instaurar tratamentos incisivos imediatamente.

O que a pessoa deve fazer caso observe esses sinais em algum amigo ou parente próximo? Onde procurar ajuda?

Estellita-Lins: Ela deve avaliar a gravidade do que está acontecendo. Tentar saber se existe um grande risco de a pessoa cometer suicídio naquele momento, p. ex. se a pessoa tem armas de fogo, se está em um andar alto no prédio etc. Também é preciso falar abertamente sobre suicídio, sem julgamentos e calmamente. Nunca incentive a usar álcool ou drogas para relaxar um pouquinho e, jamais, em hipótese alguma, deixe-o sozinho. Fique ao lado dele até que chegue uma ajuda. Fique atento para atitudes de esquiva e pedidos de ser deixado só. Incentive–o a procurar um profissional de saúde. Consiga ajuda médico-psicológica de emergência.

O Brasil dispõe de estrutura física para aconselhamento de pessoas que apresentam comportamento suicida? Se não, o que é necessário para prover à população esse tipo de serviço?

Estellita-Lins: Devemos perceber, sobretudo, que qualquer elemento da rede de assistência em saúde pode ter um papel decisivo e receber uma demanda inesperada. Na prevenção e no cuidado, nunca se trata do hard, mas do software. A terapêutica mais incisiva envolve psicoterapia intensiva, psicofármacos, medidas de suporte e proteção. A decisão fica entre uma internação bem estruturada e acolhedora ou um acompanhamento adesivo. Surpreendentemente, alguns estudos mostraram que, pedir ao paciente em risco que dê um telefonema diário ao seu assistente, pode ser protetor e fazer a diferença.

Vamos realizar, na próxima semana, um painel de especialistas para discutir o atendimento emergencial pré-hospitalar. Trata-se de uma cooperação no âmbito do Inovaensp. Estarão presentes representantes de cada estado da União. Será uma oportunidade preciosa para discutir as deficiências do Samu e das UPAs no atendimento aos pacientes em risco de suicídio.

Fonte: EcoDebate

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