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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Mudanças climáticas versus interesses privados, artigo de Heitor Scalambrini Costa

Contra fatos não existem argumentos, principalmente os falaciosos. Sem dúvida, hoje, os combustíveis fósseis, particularmente o petróleo (e seus derivados) é o principal responsável pelo aquecimento global, e as mudanças climáticas que estão ocorrendo no planeta. Os combustíveis fósseis são os maiores emissores dos gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento da Terra.


Em dezembro de 2015, depois de 18 anos de negociações, as 195 nações que integram a Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas chegaram a um novo pacto, após a assinatura do Protocolo de Kyoto. No acordo de Paris (COP21), uma das decisões mais importantes foi o compromisso unânime dos países em reduzir as emissões, favorecendo e incentivando mudanças em suas matrizes energéticas. Levou-se em conta a importância e a urgência de se agir contra as mudanças climáticas provocadas pelo homem, comprometendo os países a terem metas para que o aumento da temperatura média fique abaixo de 2°C, buscando limitá-la a 1,5°C.

Indubitavelmente existe hoje um reconhecimento de que a Ciência estava certa sobre o aquecimento global. Os fatos são incontestáveis. O ano de 2015 termina como aquele mais quente até então registrado, superando 2014 que detinha a marca anterior. E 2016, segundo a previsão da agencia meteorológica britânica (Met Office), ultrapassará ambos.

Em 2015 a temperatura média da atmosfera terrestre esteve 1º C acima do registrado no período pré- industrial, quando iniciou o consumo dos combustíveis fósseis,e a emissão em larga escala dos gases causadores do efeito estufa, como o CO2.

Incontestavelmente o petróleo e seus derivados é o inimigo numero 1 do aquecimento global e das mudanças climáticas que assolam o planeta Terra. Portanto reduzir e mesmo abolir o consumo desta fonte energética, assim como de outros combustíveis fósseis é atualmente imperativo para que a temperatura do planeta não se eleve acima de 2o C, considerada critica pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ( IPCC, conhecido como o fórum que reúne os “cientistas da ONU”).

Todavia diante desta constatação irrefutável cientificamente, setores poderosos economicamente (empresas petrolíferas, montadoras, indústrias químicas, indústria do carvão, siderúrgicas) e de grande influência em governos e em estruturas políticas manipulam a opinião pública e travam verdadeira guerra psicológica para desacreditar o debate sobre o aquecimento e as mudanças climáticas global. Exemplos destas iniciativas não faltam.

A empresa Exxonmobil, a maior petrolífera do mundo, na última década gastou milhões de dólares montando um time de pesquisadores para manipular a opinião pública sobre o aquecimento, usando o poder econômico para desacreditar a tese do IPCC sobre o aquecimento global e a mudança do clima no planeta. O caso mais emblemático é do cientista Wei-Hock Soon, do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica. Segundo matéria publicada no jornal New York Times de 21/2/2015, documentos obtidos nos termos da Lei de Liberdade de Informação estadunidense, comprovam que este cientista foi financiado pela indústria do petróleo durante longos anos. Neste período ele apareceu em vários programas de TV, prestou depoimento no Congresso dos EUA, escreveu artigos científicos e fez conferências negando o aquecimento global e os riscos decorrentes, e que fosse causado por ações humanas (uso de combustíveis fósseis), mas sim por variações nas atividades do Sol.

A Koch Industries (dos irmãos Charles e David), a segunda maior empresa privada dos Estados Unidos e uma das 10 que mais poluem, detentora de refinarias de petróleo no Alaska, no Texas e em Minnesota, além de fábricas de celulose tem muitos motivos para lutar contra a redução de emissões de gases estufa. Conforme revelado pelo documentarista Roben Greenwald no filme “Koch Brothers Exposed” utilizam táticas intimidatórias comprando veículos de comunicação, cientistas e políticos para que idéias contrárias ao debate sobre a vinculação das emissões de poluentes e o aquecimento global fossem propagadas. Esta corporação mantém uma ligação muito estreita com a ultra-direita estadunidense, e também financia o Partido Republicano que resiste em aprovar medidas de corte de emissão no Congresso norte americano, onde detém a maioria das cadeiras.

Petrolíferas americanas Exxon, Chevron e Conoco Philips consideram que ainda os combustíveis fósseis sustentarão a economia mundial por muitas décadas. Defendem seus interesses e dos acionistas utilizando métodos não diferentes dos irmãos Koch.

Já as corporações petrolíferas europeias – Shell, BP, Total, Eni, Statoil -, admitiram recentemente que erraram sobre o posicionamento adotado contrário ao aquecimento global. Todavia ao fazerem o “mea culpa” creditaram as emissões ao uso do carvão mineral, propondo assim precificar a poluição deste energético. Todavia os Estados Unidos dependem dele para gerar 40% da eletricidade consumida, a China 80%, a Índia 70% e a Austrália 70%. Mesmo com investimentos crescentes em fontes renováveis o discurso destes países é contraditório e hipócrita.

A fraude das emissões da Volkswagen, a maior empresa da Alemanha, também é um evidente sinal de como as grandes corporações atuam. Não respeitam lei alguma, praticam todo tipo de manipulação política e práticas para burlar os controles públicos. Neste caso, diversos veículos a diesel foram fabricados e comercializados como sendo de baixas emissões, mas na realidade emitiam níveis muito mais elevados de poluentes do que os declarados, com um software interno concebido para ludibriar os testes governamentais. Os gases emitidos desses carros podiam chegar a 40 vezes o limite legal de poluentes nos EUA, onde o caso foi denunciado por investigadores de uma ONG.

A indústria petrolífera detém um poder que influencia governos e estruturas políticas. Dela depende a política energética dos grandes países poluidores, como China, Índia e EUA. Apesar dos investimentos globais em favor das energias renováveis serem crescentes, ainda os investimentos globais em petróleo nos últimos anos superam 3 a 5 vezes os investimentos em fontes renováveis de energia (solar, eólica, biomassa, …).

Desde a Conferência RIO-92, porém, a ação dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria do petróleo, conseguiram barrar os avanços que seriam necessários para evitar a situação alarmante em que nos encontramos hoje. Existe uma grande semelhança nesta ação com o que ocorreu com o poderoso lobby da indústria tabagista no século passado. Vários “cientistas” afirmavam naquela época, não haver relação causa-efeito entre o tabaco e o câncer. O que só fez adiar medidas que poderiam salvar milhares de vida.

Assim, cada vez mais, o debate sobre as mudanças climáticas coloca de um lado as corporações gananciosas que lutam contra a redução de emissões de gases estufa. De outro, os movimentos sociais lutam pela vida, por um planeta justo, ético, plural e protegendo os ecossistemas naturais. A luta é desigual. Todavia, a consciência coletiva transformada em prática atuante poderá pender a balança para os interesses públicos envolvidos nesta questão que interesse a toda civilização.

A COP21 foi um novo ponto de partida, é mais um passo na direção certa ao nível diplomático. Mas ainda estamos muito aquém do que seria necessário para impedir o caos climático. O Acordo de Paris não traz compromissos suficientes, nem garantias, não têm mecanismos coercitivos, apenas propostas voluntárias que não são suficientes para alcançar os objetivos anunciados.

O que está proposto é muito vago e não vai impedir o aquecimento do planeta acima de 2°C. As populações mais pobres, as mais vulneráveis, principalmente do Hemisfério Sul, serão as que mais sofrerão com o aumento do nível do mar, com as inundações e com a seca.

Assim o engajamento nesta luta, que não é só dos ambientalistas mais de todos os homens e mulheres de boa vontade são fundamentais para a sobrevivência da humanidade que está ameaçada se não houver profundas mudanças profundas no atual modelo civilizatório. O que implica mudar o modelo insustentável de produção e consumo e o próprio modo de vida das pessoas.

Heitor Scalambrini Costa, Articulista do Portal EcoDebate, é Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Fonte: EcoDebate

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