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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Homens e mulheres: novas relações criativas

A criatividade é a dinâmica do próprio universo. Seu estado natural não é a estabilidade mas a mutação criativa. Tudo é fruto da criatividade natural ou humana. A Terra é fruto de uma Energia criadora, misteriosa e carregada de propósito que atua já há 13,7 bilhões de anos. Um dia, um peixe primitivo, “decidiu”, num ato criador, deixar a água e explorar a terra firme. Desse ato criativo, vieram os anfíbios, em seguida os répteis, depois os dinossauros, as aves, os mamíferos e por fim os seres humanos, portadores de consciência e de inteligência.

Se não estivéssemos sob a ação desta criatividade, nunca teríamos chegado até aqui. Detenhamo-nos, por um momento, num tipo de criatividade, aquela na relação homem-mulher, ponto central nas discussões atuais na Igreja que se propos debater as questões da famíla e da sexualidade.

Sabemos que há dez mil anos, a história foi marcada pelo patriarcado. Este representou uma via-sacra de sofrimento para todas as mulheres. Mas o que foi construído historicamente pode ser também historicamente deconstruído. É o que está ocorrendo. Essa é a esperança subjacente nas lutas das mulheres oprimidas e de seus aliados entre os homens, esperança de um novo patamar de civilização não mais estigmatizado pela dominação do homem sobre a mulher.

Mais e mais homens e mulheres são definidos não a partir de seu sexo biológico ou fator cultural, mas a partir do fato de serem pessoas. Entendemos aqui por pessoa todo aquele ou aquela que se sente dono de si e que exercita a liberdade para plasmar sua própria vida. A capacidade de autoprodução em liberdade (autopoiesis) é a suprema dignidade do ser humano que não deve ser negada a ninguém.

Depois do reconhecimento da pessoa como pessoa, decisivos são os valores da cooperaçãoe da democracia como valor universal no sentido da participação na vida social, da qual as mulheres historicamente foram alijadas.

Sua ausência desses valores ajudou a consolidar a dominação e a subordinação histórica das mulheres. Hoje é pela cooperação de ambos, numa ética da solidariedade e do cuidado mútuos, que se construirão relações inclusivas e igualitárias..

A cooperação supõe confiança e respeito mútuo numa atmosfera onde a coexistência se funda no amor, na proximidade, no diálogo aberto como tem insistido e mostrado o Papa Francisco.
Bem enfatizava o grande biólogo chileno Humberto Maturana: a permanência do patriarcalismo e do machismo representa a tentativa de regressão a um estágio pré-humano que nos remete ao nível dos chimpanzés, societários mas dominadores.

Por isso que a luta pela superação do patriarcalismo é uma luta pelo resgate de nossa verdadeira humanidade. Mulheres pelo fato de serem mulheres, ainda hoje, mesmo nos países ricos, recebem menor salário fazendo o mesmo trabalho. E elas compõem mais da metade da humanidade.

A democraciaparticipativa e sem fim, fundamentalmente, quer dizer participação, sentido do direito e do dever e senso de co-responsabilidade. Antes de ser uma forma de organização do Estado, a democracia é um valor a ser vivido sempre e em todo o lugar onde seres humanos se encontram. Essa democracia não se restringe apenas aos humanos mas se abre aos demais seres vivos da comunidade biótica, pois se reconhece neles um valor intrínseco e por isso direitos e dignidade. A democracia integral possui, pois, uma característica sócio-cósmica..

A superação da ancestral guerra dos sexos e das políticas opressivas e repressivas contra a mulher se dá na mesma proporção em que se introduz e se pratica a democracia real e cotidiana. Foi em nome desta bandeira que a grande escritora e feminista Virgínia Wolff (1882-1941) podia proclamar: “Com mulher não tenho pátria, como mulher não quero pátria, como mulher minha pátria é o mundo inteiro”.

A luta contra o patriaracado supõe um reengendramento do homem. Seguramente nessa tarefa ele não conseguiria dar o salto de qualidade sozinho e por si mesmo. Daí ser importante a presença da mulher ao seu lado. Ela poderá evocar nos homens o feminino escondido sob cinzas seculares (o cuidado, a cooperação, o poder como serviço, etc). Ela poderá ser co-parteira de uma nova relação humanizadora.

O primeiro a se fazer é privilegiar os laços de interação mútua e a cooperação igualitária entre homem e mulher. Aqui se impõe um processo pedagógico na linha de Paulo Freire: ninguém liberta ninguém, mas juntos, homens e mulheres, se libertarão num exercício partilhado de liberdade criadora.

A partir deste novo contexto devem-se recuperar aqueles valores considerados antigos e próprios da socialização feminina, mas que agora devem ser gritados aos ouvidos dos homens e junto com as mulheres procurar vivê-los. Trata-se de um ideal humanitário para ambos. Permito-me resgatar alguns:

- As pessoas são mais importantes que as coisas. Cada pessoa deve ser tratatada humanamente e com respeito.
- A violência jamais é um caminho aceitável para a solução dos problemas.
- É melhor ajudar do que explorar as pessoas, dando atenção especial aos pobres, aos excluidos e às crianças.
- A cooperação, a parceria e a partilha são preferíveis à concorrência, à auto-afirmação e ao conflito.
- Nas decisões que afetam a todos, cada pessoa tem o direito de dizer a sua palavra e ajudar na decisão coletiva.
- Estar profundamente convencido de que o certo está do lado da justiça, da solidariedade e do amor e de que a dominação, a exploração e a opressão estão do lado do errado.

Outrora tais valores, tidos exclusivamente como femininos, foram manipulados pela mentalidade patriarcal para manter as mulheres subordinadas e dóceis. Hoje, com a mudança do quadro do mundo e da sociedade, tais valores são aqueles que estão no centro do novo tipo de relação homem-mulher. É no exercício dessa mutualidade e reciprocidade paritária que ambos estão se humanizando.
Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

Fonte: Mercado Ético

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