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sexta-feira, 27 de junho de 2014

A febre do planeta Terra, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves

Um dos problemas ambientais mais citados na Internet é o aquecimento global. Em um site de busca encontramos 855.000 registros sobre o tema discutindo suas causas, efeitos e potencias soluções.
Correlaciono o problema do aquecimento global a uma “febre” do planeta Terra. A febre de um indivíduo segundo a medicina é a elevação da temperatura corporal acima dos limites aceitáveis como normais (36 a 37,4 °C) para 95% da população sadia. A febre é a manifestação sintomática de que algo não vai bem no organismo e que algum vírus, bactéria ou alguma infecção está ocorrendo. No indivíduo, um antitérmico baixa a febre e geralmente um antibiótico ou anti-inflamatório debela a doença.

Mas a “febre” do planeta Terra é mais complexa porque é provocada por diferentes agentes que debilitam a sua “saúde”. Alias é a somatória de diferentes “febres” que vem ocorrendo desde épocas remotas até o presente e em diferentes lugares do mundo. Interessante que a terminologia “febre” se aplica sempre que a demanda de um bem de consumo se universaliza e converte-se na ambição e riqueza de organizações poderosas.

A mais importante para o aquecimento global é a “febre” dos combustíveis fosseis (carvão mineral e petróleo) que resulta na maior fonte de emissão de gases que contribuem para o aquecimento global. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera era de 280 ppmv no período anterior a Revolução Industrial (pré-1750). Depois da utilização industrial de combustíveis fósseis no século XVIII, atingiu 315 ppmv em 1958, em 1992 chegou a 355 ppmv e em 2014 já é de 393 ppmv, uma elevação de aproximadamente 40% deste que é o gás mais importante para o aquecimento global.

Considero a segunda mais importante para o planeta, a “febre” do desmatamento responsável pela eliminação de florestas em todo o mundo, para o atendimento das indústrias da construção civil, papel, celulose, alimentos e combustíveis. No Brasil as florestas de coníferas do sul e sudeste foram quase dizimadas e restou apenas 7% da Mata Atlântica. Na Amazônia 75 milhões de hectares de florestas já foram abatidas para o atendimento da “febre” da madeira, “febre” da pecuária e mais recentemente para a “febre” dos biocombustíveis. A redução pela metade das taxas de desmatamento no Brasil (de 40 mil para 20 mil km2) vem sendo superada pela perda de florestas em países vizinhos como Paraguai e Bolívia, além da Indonésia, Malásia e Angola para produção de óleos, grãos e biocombustíveis. Ressalta-se que a manutenção das florestas serve de “antídoto” para a “febre” dos combustíveis fósseis no aprisionamento de carbono, além de importante no ciclo hidrológico e manutenção da biodiversidade.

No bojo destas, existem “febres” menores, pontuais e não menos importantes para o aquecimento global como a “febre” do ouro, “febre” dos metais ferruginosos, dos diamantes, e outros, que turbilhonam e degradam importantes bacias hidrográficas pelo mundo. A mais recente ameaça é a “febre” do gás de xisto, extraído das rochas subterrâneas sob alta pressão, uma nova forma de poluição do subsolo. As “febres” que ameaçam a biodiversidade, algumas ainda de tradição medieval, como a “febre” do couro dizimando as focas do Ártico. A “febre” do marfim eliminando os elefantes no continente africano. Algumas “febres” quase imperceptíveis, como a da aplicação indiscriminada de agrotóxicos nas lavouras – culminando com as pulverizações aéreas – dizimando as populações de abelhas como as principais polinizadoras do planeta e demais insetos predadores, benéficos à agricultura.

A somatória de todas essas “febres” é que resulta no aquecimento global, que nada mais é do que a tentativa desesperada de reequilíbrio do planeta Terra, apelando para a segunda lei da termodinâmica. A “febre” do planeta Terra é diferente. Altas temperaturas em algumas regiões, provocando incêndios de florestas, elevação dos mares, furações, enchentes e chuvas calamitosas. Baixas temperaturas em outras, provocando geadas que queimam lavouras no campo e prejudicam a economia. Nosso grande e preocupante desafio é que não há um único “antitérmico” capaz de conter o fenômeno do aquecimento global.

Somente com a ação coletiva de todos os humanos na redução das “febres” de ambição e consumo é que será possível reverter esse cenário calamitoso e macabro, se é que ainda haverá tempo suficiente.

Raimundo Nonato Brabo Alves, Colaborador do Portal EcoDebate, é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

Fonte: EcoDebate

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